A VIÚVA- NEGRA DE CURITIBA

O vento gelado penetrava sua pele fazendo os pelos do corpo arrepiarem em busca de calor, equilibrando-se sobre o salto agulha, guarda-chuva de um lado cigarro do outro, andar apressado na rua XV repleta de rostos ela o viu, um garoto tímido, franzino a fitar o chão, nada do que dizia ser pela internet, apenas um garoto de camiseta de rock e all star, como ela lembrava.

Chegou a passos largos, saia rodada a altura dos joelhos, óculos escuros a cobrir parte do rosto, apesar de não haver sol, batom vermelho contornado os lábios, cabelos loiros levemente despenteados, despretensiosa, fitou o garoto com os hormônios a flor da pele.

- Pensei que fosse mais alto. - disse ela com a voz rouca de quem acabou de acordar.

Ele sorriu timidamente:

- Pensei que fosse menos...

- Velha? – tragava o cigarro fingindo desinteresse.

- Não, bonita.

Ela retirou os óculos e sorriu maliciosamente.

Beberam algumas cervejas em um bar no Largo da Ordem e seguiram para as ruínas de São Francisco, sentaram na grama, ainda úmida, e riram das figuras estranhas que frequentam o local. Ela sabia seduzi-lo, vez ou outra tocava sua mão, seu braço, lançava-lhe olhares convidativos. Ele em pleno os quinze anos apenas exibia o seu troféu, uma mulher mais velha...

Por algum motivo, ali sentado próximo aquelas ruínas, ele sentiu-se livre, sentiu-se seguro, era a primeira vez que isso acontecia... ele estava se apaixonando, ela falava sem para e ele observava seus lábios, tudo que queria era beijá-la... e ele o fez.

Era o sinal que ela aguardava, com um sorriso dissimulado o chamou para a casa dela e ele não hesitou, passaram pelo terminal Guadalupe, ela tropeçando nos saltos, ele eufórico... sentiram um cheiro forte de urina ao passar por uma fileira de mendigos pedintes deitados na calçada... riram disso também. No ônibus ela tirou os sapatos que lhe feriam os pés... eram dois adolescentes sob os olhares reprovadores da platéia.

A casa era bonita, grande, ele estranhou o fato de ter um carro na garagem, já que vieram de ônibus... o efeito do álcool estava passando e ele começou a desconfiar de tudo, dentro da casa ela assumiu novamente a postura séria e ofereceu-lhe uma bebida estranha.

- Não, obrigado, não quero mais beber, não tenho o costume, sabe.

Ela aproximou-se de seu ouvido e lhe tocou a parte interna da coxa.

- Beba, não vai se arrepender.

E ele bebeu, tinha um gosto doce e amargo ao mesmo tempo, em poucos segundos começou a sentir-se tonto e tudo foi tornando-se escuro... ela sorria satisfeita...

A consciência lentamente foi retornando e ele com a visão ainda turva, percebeu que algo estava errado. Amarrado com os braços abertos, mal podia se mexer, a sua frente uma luz forte iluminando uma cadeira... ela estava lá, de costas para ele, sentada com as pernas abertas envolvidas em uma meia calça de renda preta, ele ainda tentava entender quando ela se virou, usava um espartilho, calcinha fio-dental e cinta liga preta... e uma máscara que imitava uma face branca com lágrimas negras.

Ele tentou perguntar o que estava havendo, mas sua língua estava torpe, só conseguia gemer, ela percebendo que ele havia acordado ligou a música... clássica... nona sinfonia de Beethoven, e começou o show. Dançava sem pudores sobre a cadeira posicionada no centro do quarto, ele tentava se situar, percebeu que o cubículo não tinha janelas, foi quando notou algo que o transportou para o universo de terror e ele entendeu qual era seu destino... as paredes estavam cobertas por fotos... fotos de garotos como ele, mortos, mutilados, banhados em sangue e com olhares perdidos na dor.

Tentava desesperadamente se soltar enquanto rolava a música que deixava mais macabra a cena... como em um pesadelo. Ela esbanjava sensualidade enquanto dançava loucamente, lasciva para a platéia inexistente... uma de suas mãos estava quase solta quando percebeu ela em sua direção... segurou seu rosto com força...

Pegou um martelo e alguns pregos que estavam por perto, apertou a corda frouxa dos braços, colocou o prego no centro da mão direita dele... e bateu o martelo... a dor atingiu seu sistema nervoso tão intensamente que ele quase perdeu os sentidos. Ela batia em seu rosto e sempre perguntava se ele estava se divertindo, ele não podia ver o rosto dela por causa da macabra máscara branca, mas ele sabia que ela estava sorrindo, ele podia sentir isso, apesar da dor. Ela passou a mão ao longo do outro braço, a mão dele estava fechada com tanta força que as veias saltavam na pele.

- Abre!

Ele sentia-se perdido, desesperado, negava com a cabeça e chorava compulsivamente.

- Se não abrir eu tiro de você algo pelo qual acho que se importa mais. – deslizou a mão pelo tórax dele, do peito até a barriga, descendo... descendo. Ele relutante abriu a mão esquerda, ela colocou cuidadosamente o prego no centro... e bateu o martelo... uma, duas, três vezes. Ele gritou, chorou, implorou, mas ela se divertia com aquilo, sentia prazer, se excitava.

Afastou-se para apreciar sua obra, um anjo crucificado e banhado em sangue, precisava de mais... com um punhal pequeno e afiado ela aproximou-se novamente, traçou uma cruz no peito liso do menino/homem, cortes profundos de um mamilo ao outro, do pescoço até o umbigo... agora a obra estava completa, fotografava a dor alheia, gostava de vê-los chorar.

Ele sentia a boca seca, a imagem da mulher mascarada vestida em espartilho e renda com as mãos ensanguentadas, aos poucos abandonava sua visão, deixando-o no escuro... sozinho, com navalhas por todo o corpo, a dor existe mesmo depois da morte, pensava ele, e o silêncio o dominou.

Ela sentia-se frustrada por esse ter morrido tão rápido, em cima da pia do banheiro repousava a face branca a chorar lágrimas de sangue, o líquido vermelho escoava pelo ralo... desaparecendo por completo, mas não a deixava sozinha...

Ainda de toalha, cabelo molhado com os pés descalços no chão frio, carregava um pote de vidro com algo dentro. Seguiu para o quarto, embaixo da cama uma enorme caixa preta trancada, a chave ela trazia no peito, abriu, dentro havia vários vidros semelhantes que continham partes humanas conservadas no formol identificados por um nome e uma frase, com letra grande rotulou o que trazia em mãos, FELIPE DAS RUÍNAS DE SÃO FRANCISCO.

Eliane Verica
Enviado por Eliane Verica em 27/09/2012
Reeditado em 19/07/2013
Código do texto: T3904295
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