Jornada pelo inferno

-Está chovendo demais – disse Jonas colocando a capa de chuva.

-Acha que vamos conseguir chegar? – Fernanda estava no banco de trás do carro, além dela o Hans e Marco Antonio se apertavam no uno.

-Vamos tentar, mas o barro está bem espesso, aqui na frente é capaz do carro atolar. – Jonas tinha descido do carro para inspecionar o terreno, magro e com experiência militar estava à frente do reconhecimento do terreno.

Olhei o meu relógio, marcavam cinco da manhã, aquele dia tínhamos viajado o dia todo, estava no volante do meu lado Fernanda, atrás, Hans, Jonas e Marco Antônio. Dentro do carro há tanto tempo, estava na hora de arranjar algum lugar para descansar, o problema é que depois que saímos da estrada asfaltada, há três horas e entramos em uma estudada de chão curta e perigosa, estamos andando em uma escuridão total, mesmo com os olhos adaptados ao escuro só conseguíamos enxergar o que a luz do farol ou da lanterna apontava.

-Tem uma espécie de bar aberto a uns trezentos metros morro abaixo, pelo menos, acho que é um bar, tem uma placa da Coca Cola lá. – disse Jonas.

Hans, o mais velho do grupo, foi do exército alemão, se gabava de ter servido a Hitler, no Brasil estudou medicina, teve um consultório no mesmo lugar como endocrinologista por trinta anos. Amante da boa cerveja e de uma boa conversa, nos conhecemos em um bar. Na verdade, Marco Antônio conheceu Hans primeiro, quando houve um tiroteio no meio de uma feira agrícola. Hans matou um assaltante a tiros, Marco Antônio era o inspetor encarregado do caso, o bandido tinha roubado a bolsa de uma senhora, fez uma garotinha de refém queria sair levando a garotinha. A polícia cercou o marginal, que parecia estar alucinado, possuído e esganava a menina na frente de todos. Hans com um tiro certeiro derrubou o bandido e salvou a criança. Foi atirador de elite do exército alemão. Marco Antônio, estava trabalhando no caso, o delegado escutou outra versão. Que o indivíduo ia atirar na criança, Hans chegou primeiro e impediu o pior, então ficaram amigos. A nossa turma acabou conhecendo o Hans que agora estava louco por uma cerveja.

-Falou em bar, falou comigo. – Disse Hans já saindo do carro. – Jonas aonde você viu bar?

-Trezentos metros a baixo, vamos entrar no carro, estou doido por uma cerveja também.

Todos dentro carro, dirigi devagar, descendo até o local que ficava o bar, em uma colina. Se fosse em qualquer outra ocasião não parariam ali, feio e sujo, tinha uma lâmpada de 40 watts iluminando do lado de fora, a neblina estava baixa e fazia muito frio, normalmente não sinto frio, mas naquela hora estava para congelar, Hans e Jonas estavam de camiseta, os caras não sentiam frio? Marco Antônio tentava fazer o GPS funcionar, Fernanda falou que ia ficar no carro.

-Léo, trás uma coca.

Hans não queria trazer Fernanda. Assunto muito arriscado para mulher, ele disse. Porém a Fernanda quis estar com a gente, afinal a mãe dela sofria de uma esquizofrenia, foi descuido dela a mãe sumir com a criança.

Quando saímos da capital, Hans arrumou uma arma para cada um, não gosto de armas, porém peguei a minha e coloquei na parte de trás da calça, com certeza aquele poderia ser um terreno hostil a forasteiros.

-Muito bem seu Leonardo, arma é para se usar. – Disse Hans. Senti- me surpreendido,como criança pega roubando doce, tinha feito uma pregação moralista sobre armas, sorri amarelo.

-Marco Antônio, você não vem? – Perguntou Jonas.

-Não, está muito frio, vou ficar aqui com a Fernanda.

Marco Antonio, não beberia àquela hora, o conheci na infância, estudamos juntos no secundário, onde Fernanda e Jonas estudaram também. Depois de um longo tempo no curso de biologia e fracassados relacionamentos com mulheres, Marco assumiu a homossexualidade, depois entrou para polícia, alto e magro e com o desempenho de atleta, passou a desempenhar trabalhos especiais. Intelectual, fechado e gostando de homens mais velhos, tinha uma queda por Hans, as vezes isso era percebido pelos amigos.

Entramos os três no bar juntos, quase de braços dados, a porta estava aberta e tinham homens jogando sinuca, um era alto e maltrapilho, percebi que não tinha dentes e ao seu lado um baixo, com roupa de padre. Aquele que estava com taco de sinuca na mão, olhou Hans nos olhos, tinha a barba falha, usava uma roupa rasgada e suja de lama, o terceiro era careca, gordo suas dobras eram gigantescas, não seio se estava cansado, mas na minha vida nunca tinha visto um homem tão gordo, a barriga era grande o suficiente para impedir a respiração, assim ele sentava de pernas abertas para sustentar o peso enquanto comia, tinha barba fechada, cheia de sujeira que vinha até o peito, com ar de Sancho pança do inferno, comia uma coxa de galinha atrás da outra ao seu lado a carcaça de várias galinhas, ossos jogados pelo chão e um copo de aguardente. Atrás do bar um velho, com tapa olho, camisa xadrez, cabelos ralos, tinha uma ferida na careca que parecia estar cheia de larvas de moscas e uma ferida perto da boca de onde minava um pus custoso. Jonas falou:

-Oi moçada, tem um cervejinha ai?

Ninguém respondeu, pude sentir um arrepio passar pela minha espinha, o inferno deveria ser assim, alguma coisa ali estava muito errada.

-Vamos embora. – Disse para Hans e Jonas.

-Tem mulher com vocês?

Só então entendi o que estava escrito na porta: Bar do inferno.

O Homem com o taco de sinuca falou quando dava uma tacada.

-Como é que é?- Perguntou Jonas. –Aqui não se conhece boas maneiras, nem o que é hospitalidade, educação, vamos embora, essa cambada de caipira precisa de um banho, apontou para o cara do bar, precisa de um médico.

Quando Jonas se virou o homem atrás do balcão puxou uma espingarda e atirou em Jonas, o tiro pegou na cabeça, meu amigo de escola morreu na hora, parte de sua massa cefálica foi parar na minha camisa e no meu rosto. Hans, com habilidade, puxou a arma, atirou no velho do bar entre os olhos. Com o treinamento do exército, puxei a minha arma e atirei no gordo que já puxava a arma mas não deu tempo, atirei várias vezes contra aquele corpo flácido. Marco Antônio, que ouviu os tiros, chegou com duas pistolas na mão, atirou no homem com roupa de padre e no outro com taco de sinuca, tiros certeiros. Em segundos, tinha cinco cadáveres no chão. Do nosso lado, Hans com um tiro no braço e Jonas morto.

-Que foi isso? -Perguntou Marco Antônio no carro, enquanto eu dirigia em alta velocidade voltando para o asfalto. O cadáver de Jonas estava sentado ao lado de Hans, sua cabeça desfigurada balançava sem coordenação, Hans tentava segurar o cadáver, seu braço sangrava muito.

-Os caipiras atiraram na cabeça do Jonas do nada, que lugar é esse?O inferno?

-Assim sem mais nem menos? – Marco Antônio recarregava a arma enquanto falava.

Fernanda estava em choque, acho que sentia culpa pela morte de Jonas, afinal foi ele que organizou aquela expedição maluca, nem pensou no inferno que passaríamos atrás da mãe e da filha de Fernanda. Jonas era seu namorado.

A filha de Fernanda fazia tratamento de leucemia, as coisas não iam muito bem e a menina não melhorava, nessa época veiculava-se na imprensa uma seita muito famosa que prometia cura. Em um ato de desespero a mãe de Fernanda sequestrou a menina para trazer para essa seita que prometia a cura do câncer. Agora nem a mãe nem o Jonas. Estávamos voltando para a cidade com um cadáver do nosso amigo dentro do uno, um amigo.

-Não tínhamos que esperar a polícia?

-Não vamos esperar nada. – disse Marco Antônio. Esse lugar parece ser um lugar onde a lei não funciona, outra coisa, os caras não derramaram uma gota de sangue, nada.

Bati em alguma coisa, o uno rodou e capotou três vezes parando numa árvore, minha cabeça bateu contra o painel, fiquei desacordado por uns minutos.

-Léo, acorda. – Disse Fernanda. – Você atropelou um deles.

-O que?

-O lugar está cheio deles.

Olhei para o uno, estava todo destruído, Hans em pé ao lado de Marco Antônio, Fernanda com lágrimas nos olhos.

-O que houve?

Hans chegou perto de mim e disse: – O lugar está cheio deles, Zumbis.

-O que é pior, Jonas é um deles agora.

Jonas estava morto, levantei meio atordoado. Do que você está falando?

-Zumbis. – esses que você está cansado de ver em filmes b. – Disse Marco.

-Brincadeira! – Nem consegui terminar de falar, quando Jonas vinha andando com parte de sua cabeça arrancada, Hans atirou no que sobrou da cabeça de Jonas. A direita apareceu mais dois, Marco Antônio atirou nos dois, logo depois as suas balas acabaram.

-Vamos correr. –Disse.

Chegou uma caminhonete com dois homens e mais um vestido de padre, deu graças a Deus. Um deles atirou no zumbi que vinha atrás de Marco, o outro chamou Fernanda para o carro, eu e Hans corremos também.

-Só a mulher. - O homem disse completando: - Aqui não tem mulher nenhuma.

Deu um tiro de advertência no pé de Hans.

O líder, um alemão, louro e de boné, jogou uma sacola com armas e munição.

-Isso é um presente, de boa fé, pela mulher. – Entrou na caminhonete, Fernanda gritava, não podíamos fazer nada, já escutávamos os passos dos zumbis.

Os zumbis apareciam de todos lados, até que o sol foi aparecendo, do meu lado apenas Hans, exausto, Marco Antônio tinha sido morto por três zumbis, Hans atirou na cabeça dele, eu estava com cinco balas, Hans tinha duas.

-Estou guardando uma para minha cabeça, disse Hans olhando para a clareira cheia de zumbis caídos.

Quando terminar de escrever esse relato vou jogar no rio dentro de uma garrafa, já escutamos passos de zumbis, Hans já atirou na própria cabeça, logo será a minha vez.

Esse relato foi encontrado por um grupo de exploradores e entregue a polícia federal.

obs: esse conto continua no conto De volta para o Inferno, onde a filha de Fernanda, 15 anos depois encontra uma foto da mãe na internet, então vai procurar a mãe ao lado de Nelson, delegado da polícia federal.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 27/09/2012
Reeditado em 03/10/2012
Código do texto: T3903545
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