Entre os Mortos V

- Leve-o Alanna, ele ja da sinais de que precisa voltar, não percebe?

Recomendou a morena, de corpo escultural, apesar de ter uma grande cicatriz nas costas, que não roubava a sua sensualidade e beleza.

- Ah, sempre eu, vamos levá-lo - o velho pode aparecer, muitas vezes cruzo com ele pelos corredores, não sei o por quê, mas ele me assusta, fico estática - bom que ele passa por mim sem dizer nada, me ignora.

Resolveram, saíram com Sadinoel ao meio, parecia bem sonolento, exausto.

- Por quê eles, no geral ficam assim, depois que experimentam dos nossos prazeres?

- Indagava, com riso, Manuela. Abriram a porta e ganharam o corredor dos quartos, despidos, sem pudores. Uma delas, também, jovem, estava nua, subia as escadas.

- O irmão desse aí, dorme feito uma pedra. Chamei por ele quase a noite toda,e ele nada, não atende.

- Tolinha, foi tentar? ja tínhamos feito isso e não deu certo.

- O velho é uma merda, dorme e ronca - além do mais, é muito feio, fiquei nessa noite sem nada. os que ainda cheiram ás flores não servem, parecem mais mortos do que vivos.

lamentou-se assim, a loirinha, de corpo belo, ar de safada no falar. desfilava completamente nua,sem pudores. Entrou num dos quartos sem se despedir das duas amigas.

A chuva incessante la fora, o tempo estava frio, se quer parecia alvorada de primavera. Os pombos ja davam sinais de vida, alguns saiam do sótão em vôos ligeiros pelas janelas.

Entraram no quarto de Sadinoel, ali o deixaram, em profundo estado de torpeza, parecia embriagado.

- Eles voltam tão sem energias, que apagam do nada.

Observou a morena, rindo.

-Somos demais, pena que não podemos fazer essa festinha aqui, sempre.

- Sim, é preciso ter as pessoas certas, no momento certo, um achado esse aparecer por aqui. Ele nos escuta, sente e veio ao nosso encontro, raridade isso acontecer, porisso, aproveitamos bem.

- Precisamos sair, antes que o velho acorde, vai querer que paguemos o pernoite.

Riram muito, depois dessa frase solta.

- Vamos acordar os demais e sair, por onde entramos.

A alvorada surgia, de forma vibrante, desenho a linha do oceano, em tons e subtons voltados para a sanguinea, para o ocre e para o branco, num conjunto raro e belo. As gaivotas davam vôos rasantes entre a água do mar e a areia da praia, soltando cantos que lhes são peculiar. A chuva dera trégua. O céu nebuloso, mar revolto,manhã fria.

O grupo de homens e mulheres desciam as escadas, pareciam apressados, estranhamente em alguns quartos e pelo corredor, alguns foram deixados para trás, largados á própria sorte, homens e mulheres, despidos, deitados. Os demais passavam por cima dos seus corpos inertes, na direção da saída, alhures ao seu estado. Era forte entre estes o odor das flores, daquelas de defunto.

- Vamos, vamos, vamos, o velho ja, ja acorda - ele poderá ser um perigo para todos nós, jamais poderá nos ver, ou será o fim de nossas festas.

Saíram do casarão, em grupo - as ruas estavam desertas.

Passados cerca de quarenta minutos, o velho tocava a sineta, informado de que o café da manhã estava servido. Desceram os irmãos, estranhando, áquele chamado matinal, pois, a cozinha não estava funcionando.

- Senhores, resolvi abrir uma exceção, e convidá-los para que tomem o café da manhã comigo. Temos frutas, como mamão papaia, melão, manga, abacaxi, mais torradas quentes, café com leite e bolo. Produzidas aqui, mesmo na Ilha. Não gosto de ir buscar frutas na Feira de são Joaquim, em Salvador, temos uma boa agricultura de subsistência por aqui.

- Obrigado, muita gentileza de sua parte. Elas estão bonitas, parecem deliciosas.

falou de forma delicada, Euclides.

- Vocês dormiram bem?

- Eu, feito uma pedra,( disse o senhor) é...que mal pergunte, não foram importunados pelos fantasmas que habitam aqui?

- Eu ouvi algumas coisas estranhas pelo corredor - parecia que alguém andava pra la e pra ca, ouvi até chamar o meu nome - depois, aquietou-se, e se dirigiu para o outro andar, presumo. Talvez, impressão minha. Tive algum momento de tensão, depois, relaxei e dormi. Estava muito impressionado, tive momentos de pavor, horror total e medo, muito medo. Quase um infarto.

- Impressionante, talvez, apenas a madeira estendendo-se, acontece.

ralhou o senhor, estavam á mesa, este os servia, com satisfação.

- E, você meu jovem?

Indagou se dirigindo para Sadinoel.

- Eu?

- É, não escutou nada, ou viu algo?

- É...bem...vocês não viram ou nada escutaram?

- Não. ( responderam em uníssono, Euclides e o senhor)

Então, ficaram estarrecidos com a narrativa de Sadinoel, tão rica que parecia ser a criação do mais criativo escritor de contos de terror, ou de um hábil roteirista de filmes trash, classe B. Ao finalizar, Euclides soltou uma gargalhada de deboche.

- Meu jovem, como disse, dormi feito uma pedra, e não é costume eu hospedar tanta gente na casa assim, os negócios por aqui estão de mal a pior, é um pinga pinga de hóspedes, que aparecem de caju em caju, não não está fantasiando, creio que teve um encontro direto com o sobrenatural,sim - não me espanta, muitos relatos impressionantes ja ouvi por aqui, de hóspedes de todo o mundo, como sabem a Ilha é visitada por turistas de diversos países.

Sadineol, largou do pão que iria pôr na boca, ficou segurando a xícara de café, com espanto, olhar perdido, o coração em disparada.

- Mas eu estive com essas pessoas, elas bebiam, fumavam e praticavam hábitos libidinosos. Eu as via, ouvia, era tudo muito palpável, real.

Euclides ficou eufórico com a sua narrativa - enfim, havia tido o seu irmão o encontro com o sobrenatural, tratava de explicá-lo.

- Os fantasmas visitam os seus afins. Ali, realizam os seus desejos.

- Mas eles tinham cigarros, garrafas de bebidas, eu vi, não estou delirando, não foi sonho.

Mais uma vez, Euclides interveio:

- Os mortos plasmam as coisas, a mente é força motriz de todos os nossos atos e desejos. Bebidas, cigarros, drogas e até comida podem serem criadas, de forma "real" por mentes em desequilíbrio, quando desencarnados, acontece assim. Eles pensam, logo existe.

- Não me convenceu...

- Tem mais, não era você quem estava com essas pessoas, era você alma - o seu corpo estava na cama repousando. E, você, com eles.

Então, Sadinoel se recordou da frase de uma delas quando se dirigiu a ele: " é melhor você voltar para o seu corpo..."

O velho deixou que terminassem o café, então, resolveu buscar uma solução. Conduziu-os, de volta para os corredores dos quartos,e ali mostrou as fotografias em preto e branco na parede dos antigos e centenários moradores. Sadinoel, com espanto foi identificando as pessoas,uma a uma, sim, elas estavam vivas e estiveram com ele naquela noite, e para o seu espanto, disse o seu irmão espiritualisata:

- Sim, os fantasmas não abandonam os seus velhos hábitos, desejos, como sexo, bebida, vícios como drogas e cigarros. Não tendo evolução, se quer deixam o antigo lar onde moravam, reúnem-se em grupo e a vida continua, até que um dia possam seguir para o além, céu ou inferno.

Sadinoel estava pasmo, perdido, parecia reconhecer-se como o personagem de um pesadelo, de um conto daquele autor do Recanto das Letras, um tal de Leônidas Grego, ou dos contos de Eliane Verica, de Gantz que adoram fazer tais abordagens. escrevem para esclarecer, e para assustar, com diversão, é claro.

-Eu...eu...meu Deus...eu...não pode ser...era real, reaallll...Beijei aquelas mulheres, senti o calor dos seus corpos...real...não sei como não pude perceber, eles se vestiam como gente do século passado...é que estava tão torpe, ali, envolvido...foi real...ou foi efeito das cervejas.. e estava muito escuro...isso aconteceu? isso foi real, aconteceu?

Estava sentado num dos degraus da escada.

Não quis ficar nem mais um minuto no velho casarão abandonado. O caseiro informou, que talvez, João Ubaldo Ribeiro, que era antigo morador da ilha - ele mesmo, o escritor -, estava interessado em comprar o imóvel, a prefeitura, também, pensava em fazer dali um anexo.

-Eu vou comprar essa casa mal assombrada, quero passar noites intermináveis com esses que se recusam a abandonar o mundo dos vivos. Deixei a minha câmera ligada, nada foi registrado, uma pena.

- Deus é mais, nunca mais voltarei aqui.

Disse, Sadinoel, fazendo o sinal da cruz, enquanto cuidava de sua mochila com os seus pertences. Saiu dali, com uma certeza, os mortos VIVEM, e na madrugada eles se manifestam, voltam alguns, em busca dos prazeres que ficaram perdidos com a morte de seus corpos de carne, porém, ha sempre a possibilidade de encontrar os VIVOS que podem satisfazê-los.

FIM

Nota do autor:

O casarão existe, fica na Ilha de Itaparica, vindo à Salvador, pegue o ferry-boat no terminal de São Joaquim e venha fazer uma visita, e quem sabe permanecer para um pernoite, onde coisas estranhas podem acontecer. Não se espante ao escutar passos no corredor, ou alguém chamar pelo seu nome, de forma sussurrada, gutural, uma voz assombrosa, convidando-o para uma noite de prazer entre os mortos. Não atenda o chamado, não se espante ao sentir alguém estacionar á frente do seu quarto, não abra a porta, jamais. Ore, deite e durma. Os problemas de luz elétrica parecem eternos, volta e meia so há a luz de velas em candelabros. O casarão fica ás escuras, corredores longos em penumbra - há aquela sensação de que estamos sendo observados do breu dos cantos do casarão.

O Cemitério

As tumbas estão vazias, ali ficam as carcaças podres, explodindo em gazes,formando a lama de gordura, nervos, pele e músculos mal cheirosos que os vermes fazem de banquete. Os mortos vivem e, estão em todos os lugares.

Esclarecimentos maiores:

email: leonidas.grego.desenhista@gmail.com

tel 71- 99250-7327

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 26/09/2012
Reeditado em 02/04/2017
Código do texto: T3901821
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