Noemia, a bruxa

A casa de Carlos era humilde, ficava em frente ao parque botânico, ele passeava ali sempre que podia para fazer as suas caminhadas. O parque foi feito as pressas para chegada de uma visitante ilustre. não havia áreas verdes na cidade, o resultado foi um local redondo com algumas árvores exóticas, para embelezar colocaram dentro um chafariz, que nunca tinha água. Carlos gostava de ficar ali porque quase ninguém andava mais no parque botânico, as pessoas gostavam de passear em lugares de concreto, shopping, salas de cinema, bares, atras de muita gente para conversar e ver.

Carlos que passou a frequentar o parque botânico, aquele ar puro melhorava a sua alergia respiratória que tinha voltado. A alergia era pior no trabalho, tinha muitos ar condicionados com defeito.

Olhou para o relógio, presente da mãe, falecida dona Alice. Um relógio modelo digital com botões grandes, antiquado, mas era uma relíquia da mãe, usava como despertador, pois não gostava de chegar atrasado no trabalho, tinha uma sensação que as pessoas não gostavam muito dele. Carlos não falava muito, tinha muitas espinhas e estava muito acima do peso, não conseguia nem mesmo dormir a noite inteira, uma ou duas vezes acordava engasgado, quase morto sufocado com apneia do sono.

Foi ao cardiologista uma vez, para ver se podia fazer uma cirurgia bariátrica, só assim conseguia perder peso, descobriu um problema cardíaco, ele tinha uma doença congênita, uma arritmia, não poderia fazer mais exercícios físicos, só hidroginástica e não podia fazer bariátrica, ariscado demais.

Carlos morava no interior de Minas, quando mudo-se para capital tudo parecia muito mais chato, a infância era a sua única recordação boa, com a mãe e o pai na praia brincando com bonequinhos na areia. Hoje vivia sozinho, tinha uma renda, que era a pensão do pai, ficara para ele e o seu salário da empresa de cobrança.

O dia mais feliz na vida de Carlos foi quando conheceu Noêmia, ela tinha cabelos pretos e um ar estranho misterioso, sempre com muitos livros, logo virou supervisora. Carlos fazia um trabalho manual que todas as mulheres gostavam: Carlos pintava jarros de flores, não conseguia pintar mais nada, somente jarros de flores. Noêmia adorava as pinturas.

-Carlos, pinta um jarro com gardênias, você consegue? - Ele conseguia, isso o tornou famoso entre os colegas de trabalho.

O mundo de Carlos estava relacionado ao de Noêmia, ele sempre sabia onde ela estava, perguntou um vez:

-Que livros são esses?

-Sobre bruxaria, adoro bruxaria Carlos, acho que existe uma história famosa com uma bruxa que tinha meu nome. Um dia com calma eu te conto.

Carlos resolveu pesquisar. Noêmia, uma bruxa, que teve o amado morto quando esse tentava salvar um mendigo nas ruas de Paris.

Carlos, em uma tarde de chuva, estava pensando em comprar um sanduíche e comer no parque botânico, a lua estava linda e Carlos só pensava em Noêmia, pensava na forma heroica que havia morrido o amante da Bruxa, na Paris do século doze. Tinha certeza que um dia perderia peso e seria um grande herói da Noêmia Barcelos. A chuva começou a cair forte, tinha medo de correr e seu coração sair do compasso, caminhando lentamente ,mesmo na chuva, passou Maneco, um catador de latinha com seu carrinho cheio de latinha amassadas e papelão. A chuva já estava muito forte, Carlos teve que se abrigar na mesma marquise que Maneco.

-Tem lugar ai para mim Maneco, olha que sou gordinho?

-Que nada seu Carlos, o senhor perdeu peso, acho que é aquela morena que o senhor vem com ela no parque, com todo respeito, ela é bonita demais, parece uma boneca. - Maneco ia tirando o que Carlos sabia ser um cigarro ilegal.

-Fuma não Maneco, tenho asma, não quero chegar na casa de Noêmia com cheiro de "cigarro".

-Claro seu Carlos, o senhor sempre me deixando lavar o seu carro, quando a minha caçula teve meningite, o senhor me adiantou cem pratas, pra mim lavar dez vezes o seu carro, se o senhor disse, não fuma, então eu não fumo.

-Maneco, você acredita em bruxas?

-Macumba? -Maneco riu, mas assim que percebeu que Carlos estava falando sério retomou a seriedade do assunto.

- Seu Carlos, pobre como eu que não acredita em Deus está lascado, agora em Bruxas, isso é demais, o senhor desculpe falar sincero assim, bruxa é coisa de rico.

-Elas tiveram grande importância na história da humanidade, sabia que o ocultismo é tão antigo quanto as religiões, acho que hoje ninguém acredita em nada né Maneco?

A chuva piorou, caia muito forte. Parado perto da entrada do parque botânica estava um opala vermelho, Maneco parecia assustado com eles.

-Gente ruim, traficantes, vendem drogas para crianças.

-Eles ficam parado ali, a polícia não faz nada?

-Polícia! Polícia, mané polícia seu Carlos, o senhor que é doutor e tudo mais, tem até diploma de faculdade, sabe que a polícia só vai em bairro rico.- Maneco mudou o olhar de direção dizendo:

-Ali Seu Carlos. Olha quem vem ali se molhando toda de bicicleta, não é a sua namorada?

Noêmia vinha fugindo de alguma coisa, parou perto deles, desceu da bicicleta, estava ensopada, mesmo assim bonita, Carlos sabia que não poderia tirar jamais os olhos dela. Noêmia parecia nervosa.

-Carlos preciso da sua ajuda. Minha mãe esta me procurando, eu fiz uma besteira, ela não pode me encontrar agora, Carlos você tem que me esconder.

-Que besteira ?

-Carlos não pergunta, preciso de ajuda, tem que me esconder. Com aquelas palavras imperativas, ele procurou olhar ao redor.

Carlos, lembrou que não poderia correr, nem sabia onde esconder Noêmia, não sabia onde esconder ninguém, teve a ideia de ir para o parque botânico, lá havia uma caverna, eles poderiam ir para lá.

-Vamos para o parque botânico.

Maneco estava com uma pistola apontada para os dois.

-O que os dois pombinho vem fazer no meu pedaço uma hora dessas, gente, não ouviram falar em perigo, assalto, boa romaria faz quem tá na sua casa, está muito bem em paz, já dizia a minha avó. Carlos tremeu, Maneco não parecia mais aquele amigo de todos os dias, o cara que lavava carro.

-Meu, meu ,meu, logo hoje que tenho um carregamento chegando, vocês vem fazer o ninho aqui? Vou passar fogo nos dois.

A porta do opala abriu e saíram dois homens, um alto, tatuado, careca e outro altura mediana e de barba, Maneco disse aos dois:

-Pablo e Santos, minhas moças.Um rosnar e um ganido assustou Carlos.

-Minha mãe! - disse Noêmia.

-Ela achou a gente, quero dizer ela e o animalzinho dela.

O homem tatuado foi atacado por um lobo gigante, colossal, nunca Carlos tinha visto um animal assim, seu braço arrancado, logo depois teve as entranhas abertas, a sua cabeça lançada a vinte metros. Enquanto Carlos urinava na calça nova, Maneco tentou atirar, no instante em que tentava puxar o gatilho, uma mão negra de dedos finos elegante, com unhas negras que pareciam espadas, arrancou o seu coração, a mesma mão, com um gesto rápido e delicado, arrancou a cabeça do barbudo, depois partiu seu corpo no meio.

-Oi Mãe. - Disse Noêmia.

-Falei, para você não fugir.

-A vida mortal é melhor.

-Noêmia, você é uma Bruxa. - Disse olhando para Carlos. - Esse mortal, todo mijado e todo cagado, ele que é o seu namorado? Olha está meio fora de forma.

-Não me mata. -Disse Carlos, mas ele achou que a sua voz não saiu.

-Vamos Noêmia, existe muito trabalho a ser feito, você não pode fugir do seu destino. - Chamou o lobo. -Venha Salomão.

Noemia disse a Carlos:

-Você desenha vaso de flores tão lindos. Desenha um de Gardênia.