A Velha

-Não há nada aqui dentro.

-Olhe direito cara. Tem que estar ai.

-Porque você não olha então?

Thiago nervoso, empurrou Denis e iluminou o buraco sob a luz da lanterna. Os dois já estavam debaixo do esgoto a duas horas e tinham certeza de que haviam escondido o dinheiro dentro daquele cano.

-Que merda cara! Já reviramos esse lugar e nada da grana!

Denis fitava pensativo a água suja que corria debaixo de seus pés. Não tinham como perder o dinheiro ali embaixo, porém ele estava mais preocupado com outra coisa. A saída.

-Tá dormindo irmão?!!! - berrou Thiago. Sua paciência já tinha acabado e sua coragem também. As luzes das lanternas estavam cada vez mais fracas, de forma que ele entendeu o que tanto afligia Denis.

-Temos de sair daqui. Temos que sair agora.

Os dois caminharam até a bifurcação de onde tinham vindo, esperando encontrar a escada de acesso para a tampa de esgoto da rua dos Palmares, mas não acharam nada.

-Não entramos por aqui? - Thiago estava suado. Seu rosto ensebado refletia o que restava da luz de sua lanterna. A de Denis há muito já havia se apagado, e ele a deixara jogada de canto, tentanto não entrar em pânico.

-Você se lembra da história?

-A velha do esgoto? Isso é besteira cara... quem moraria aqui? Ninguém conseguiria! Acho melhor pararmos de pensar em bobagens e tentar sair daqui...

Enquanto Thiago falava, Denis viu uma sombra negra e turva surgir por detrás das costas do amigo e empalideceu.

-Thi... thi...a... -Denis não conseguiu completar a frase e correu em disparada. Uma nuvem amarelada cobria os túneis do esgoto, até que ele viu o contorno de um duto. Sentindo um vento gelado sobre suas costas e ouvindo as gargalhadas estéricas e arranhadas da velha, Denis se atirou dentro do cano e foi engatinhando. O lugar era estreito e ele sentia seus ombros rasparem na estrutura de concreto que ficava cada vez menor. Denis agora não enxergava mais nada, e a sensação de desespero tomou conta dele quando teve de esticar completamente os braços para frente e esgueirar-se pelo pequeno túnel. Sua respiração estava descontrolada; a cada lufada de ar que ele puxava, sentia o calor e o cheiro forte de gordura e outros poluentes invadirem seus pulmões que doíam, esforçando-se para tirar dali algum proveito de oxigênio. Prestes a desmaiar, Denis notou ao longe a luz do dia penetrar na cavidade afora. Esperançoso, tentou avançar mais alguns metros, e então se deu conta de que estava preso. Chorando e sentindo seu corpo inteiro doer, Denis começou a gritar por socorro quando uma grande quantidade de água invadiu o cano pelo lado de fora. Desesperado, Denis juntou as poucas forças que lhe restavam, lutando para caminhar para trás e vencer a falta de ar, quando finalmente a água o atingiu em cheio. Mediante a sensação de morte, preso dentro de um cano, Denis nada podia fazer e por fim, se rendeu a água e deixou que a mesma levasse sua vida junto com as impurezas que carregava.

Thiago tremia e buscava uma forma de sair dali de dentro. Ouviu os gritos de Denis, mas a água que jorrava do cano onde o amigo entrou não deixava dúvidas de que este já estava morto.

Mesmo assim, ele sentia que não estava só. O fato de Denis o deixar falando sozinho e sumir dentro do esgoto reforçava aquela possibilidade na qual ele começava a acreditar.

Escutou passos no vindo de um túnel localizado atrás dele. Acostumado a escuridão, ele viu uma sombra corcunda se aproximar lentamente em sua direção. Tentando não gritar ou perder os sentidos, ele simplesmente aguardou horrizado a estranha figura se materializar diante dele. Uma mulher velha, com a pele manchada de um tom verde escuro o encarava com um sorriso amarelo nos dentes. Ela nada disse. Apenas estendeu a mão e segurou Thiago. Este por um momento resistiu, mas hipinotizado pela vontade da velha, começou a caminhar até que subitamente tudo escureceu e ele perdeu os sentidos.

João caminhava dentro da fábrica com a prancheta debaixo do braço quando tocou no painel de despressurização de fluídos.

-Não é possível - exclamou. João deixou a prancheta cair enquanto corria na direção de seus encarregados. O ponteiro da máquina estava no máximo. A água não estava descendo. Alguma coisa estava errada.

Segunda-feira, duas horas da manhã.

Os poucos carros que passavam pela avenida Capitão Mário Toledo de Camargo reduziam a marcha próximos ao corrégo Guarará. Um caminhão de bombeiros estava parado com as luzes acesas, e um outro acabava de manobrar, estacioando ao seu lado. Era um furgão branco, que tinha a bandeira da cidade destacada em suas laterais. Nas portas traseiras, ele trazia a seguinte inscrição:

"Transporte de Cadáveres"

-Como é Vinicius? Já terminou ai embaixo?

Vinicius era um bombeiro experiente. Já tinha visto de tudo, mas encontrar pessoas mortas sempre o entristecia. Um jovem preso dentro de um cano, inchado e roxo. O outro pobre coitado, sentado com a cabeça pendente sobre o ombro e a mão esquerda violentamente arrancada. Eles buscaram a mão da vítima, mas esta já devia estar a quilometros dali, levada pela correnteza. Vinicius e outro bombeiro terminaram de ensacar o segundo corpo e o depositaram sob a maca que subiu após o puxão da corda.

Alguns segundos se passaram quando a escada baixou e Vinicius e seu colega subiram. Antes de deixar o local, Vinicius deu uma ultima olhada e parou por um momento.

-Qual é homem? Tenho que ir embora!! - gritou o sargento lá do alto.

-Desculpe, estou subindo!

Vinicius balançou a cabeça para os lados, pensando na ilusão que acabara de ter. Após içada a escada, uma figura corcunda coberta pelas trevas exibia um largo sorriso de dentes amarelos e segurava uma mão decepada.

Bonilha
Enviado por Bonilha em 25/09/2012
Código do texto: T3900507
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