Mundo Paralelo – Sedução Mortal


 

Fiquei suspenso, sem respiração, naquele leilão de antiguidades diante daquela escultura de gárgula. Fixei-lhe os olhos e, para meu espanto, pareceu, por um instante suspenso em ar de sonhos, que piscaram para mim. A sedução foi instantânea. Eu precisava daquela forma em minha sala de estar. Fui para comprar um vaso, conforme decisão minha e da minha esposa, mas o brilho no olhar, aquele pulso cintilante incerto, aquela expressão de poder e domínio domaram-me completamente.
            Não foi difícil levá-la. Foram poucos lances e, ao final, saiu mais em conta que o vaso. Era pequena, contava três palmos de altura, colossais asas morcegais, tendo um corpo leonino musculoso e presas de sabre.
            O espanto da minha esposa, sua expressão de fúria e a indignação incontida fizeram-me ver que a escolha colocara em risco meu casamento. Residíamos no centro daquela metrópole acinzentada, em um amplo apartamento, mas, com o advento da escultura, o espaço ficara pequeno demais para nós três. Naquela primeira noite da gárgula em casa, após uma acalorada discussão em meio a uma tempestade lá fora, dormi no sofá, tendo diante de mim a escultura a encarar-me e, por um momento, tive a impressão que sorria.
            No dia seguinte, minha esposa deu um ultimato: eu ou ela? Foi triste vê-la partir com as malas, dizendo que passaria um tempo na casa de sua mãe enquanto eu tivesse que pensar. À sua saída, tive a impressão que a estátua batera suas asas demonstrando grande alegria.
            Ao retornar do trabalho, notei que mudara de local. Atribuí o caso à faxineira, que negou tê-la tocado, inclusive, resolvera pedir as contas, pois não se sentia bem diante da mesma:
            - Aquele olhar me dá medo... É como se me roubasse a alma!
            Dispensei-a sem pestanejar. Afinal, apesar da partida da minha esposa, senti que trouxera-me sorte, afinal, fechei três vendas imobiliárias de alto valor – o que me daria meses de incrível folga financeira.
            Resolvi, para comemorar, chamar uns amigos para uma noitada. Deixei-a no centro da sala, em um pilar de pedra-sabão que adquiri para suportá-la. Notei que sentiu-se uma rainha. Os amigos, admirados, não se cansavam de cortejá-la. Era como uma deusa diante de súditos. Além do afeto dos amigos, consegui enfileirar alguns bons negócios.
            Com o correr dos dias, durante as noites, passei a ter sonhos estranhos. Vi-a descer do seu pedestal, agarrar-me pelas costas e transportar-me sobre os edifícios e casas da extensa cidade. Depois de incríveis voos, ficávamos lado-a-lado sobre a marquise de algum prédio alto, olhando o movimento das pessoas lá embaixo e senti que me amava.
            Uma noite, minha esposa resolveu voltar e nos amamos como nunca. Acordei no seio da madrugada com um barulho vindo da sala. Eram como passos pesados. Não entendi como minha esposa não despertara. Ao acender a luz do abajur, para meu espanto, vi que seu corpo encontrava-se todo retalhado, tendo o sangue sido estancado como se sofresse, ao ser dilacerada, uma imediata calcinação.
            Desorientado, cambaleando, recuei em horror para a sala andando de costas até tropeçar em algo e cair. A gárgula encarava-me com aqueles olhos protuberantes, vibrantes, tendo as garras vermelhas de sangue e, entre os dentes, pedaços de pele humana...