A troca, o dia macabro que eu me encotrei com meus sonhos.

Quando Maria ficou sozinha depois do acidente do marido, o coitado morreu depois que um transformador da empresa caiu em sua cabeça, coisa mais estúpida aconteceu, ela ficou sozinha, sem nenhum parente nessa vida. Maria, diante do espelho chorava quase todas as manhãs, não teve filhos, não estudou, nem sabia cozinhar direito, a única coisa especial que fez, foi casar-se com Adalberto. Ele era moreno e bonito, dizia que amava Maria de verdade, ela não acreditava, homens não prestam, nenhum homem ama ninguém, foi o que ela disse para a sua vizinha Marta, sabia que era mentira, mentia para o espelho como se fosse outra pessoa que vivia com Adalberto no passado, uma estranha que ela nem sabia quem era.

Sem emprego, com cinquenta anos, ainda se achava bonita, em um forró conheceu Pedro Raimundo, Mecânico de máquinas pesadas,

o homem tinha as mãos fortes e um corpo duro e rígido. Era mais moço, tinha quarenta e um anos. Foi amor a primeira vista, Adalberto desceu do carro e chamou ela para tomar uma cerveja.

-Coração, eu não bebo.

-Então senta e me assiste. - ele era rústico, mas tinha uma inteligência rara, as palavras saiam de sua boca com facilidade. Quando

disse que era casado ela ficou tão surpresa, quase chorou, foi uma emoção autêntica, dessas que a gente tem de repente e não

consegue enganar.

-Chora não, você pode ser a minha amiga do peito.

-Pedro, não quero ser amante, sou viúva, sou uma pessoa direita. - Aquilo tudo era da boca para fora, virou amante, e a única coisa que queria na vida, era o seu Pedro do seu lado, mas a mulher atrapalhava. Em dezembro arrumou um emprego, cuidava de uma senhora que tinha setenta anos, era cega e diabética, Gioconda Nunes.

Quando atendeu o anúncio, na mesma hora, um arrepio passou pela suas costas, aquilo parecia coisa do inferno, a mulher nunca mostrava o rosto, seus cabelos longos e ensebados, ficavam voltados para frente, Gioconda tinha feridas pelo corpo todo, Maria passa o dia, as vezes, retirando bichos de suas feridas. Sempre que ia ao quarto de Gioconda ela rezava uma ave-maria. Odiava o emprego.

A velha do quinto andar tinha contado a história de Gioconda. Ela era uma bailarina, foi famosa e andou até pelos Estados Unidos, mas depois de uma desilusão amorosa, começou a sofrer de dores em seu pé esquerdo, as dores eram muito fortes, ela apelou para Deus e o diabo, ninguém fazia parar a dor, vivia tomando morfina, até que um dia num acesso de fúria, ela pegou uma faca e cortou o pé. Depois devido a uma gangrena, os médicos tiveram que amputar a perna, dizem que ela fazia magia, - negra é claro - que tudo isso era castigo, quem sabe. O tio rico mantem esse apartamento e paga o salário de uma funcionária, que agora, era Maria.

Os dias foram passando, e a única coisa que Maria se queixava era falta de dinheiro, se tivesse o dinheiro, poderia morar com

Pedro aonde quisesse. As vezes ela falava para dona Gioconda isso, mas ela não respondia, então virou hábito, contava tudo, seus planos

sonhos, tudo que sonhada para sua felicidade. Retrato de um sonho louco, se tivesse dinheiro poderia viajar, conhecer lugares e poderia levar Pedro no Maracanã.

Um dia de vento forte, que anunciava a tempestade, desceu para jogar o lixo, tinha uma sensação esquisita no estomago,

só sentiu isso no dia da morte do seu marido. A lua havia desaparecido completamente, tudo era breu, quando voltou da esquina onde ficava o latão de lixo, dois homens de preto, um alto e magro e com barba preta que cobria quase todo o rosto, o outro parecia um anão, tinha olhos pequenos. Maria não gostou do jeito que aqueles dois olhavam. Cada um tinha uma maleta preta.

-Sua graça Maria. Meu nome é Simão e esse pequeno é Noé, somos enviados de dona Gioconda.

-Minha Patroa? Mas ela nem fala, está la muito doente, como ela enviou vocês?

-O Tio dela enviou a gente. - disse o anão que tinha uma voz fina. Maria não queria ouvir a voz dele, ele era horroroso. Meses depois

ainda tinha pesadelos com Noé. Sua cabeça era chata, tinha dois tumores saindo da lateral do lábio, um dos olhos parecia mais separado do centro da face do que outro, que se movia sozinho. Maria tinha certeza que ele conseguia olhar para dois lados ao mesmo tempo, sua pele parecia ter escamas como réptil.

O alto era bonito, tinha a pele fina, apesar da barba e a voz agradável, mas quando chegava perto cheirava peixe morto,

alguma coisa podre. Maria não conseguia encarar nenhum dos dois, não conseguia ficar mais ali.

-Tenho que subir, depois conversamos, vou ligar para o seu Tito.

-Duas palavras, sei que somos tipos desagradáveis, mas de onde a gente vem - deu uma gargalhada - somos os mais apresentáveis,

pode acreditar, você não ia querer ver meu primo Jonas.

-Acho melhor subir.

-Dois minutos, aqui tem a carta do senhor Tito.

Ela leu, era a mesma caligrafia do cheque do seu pagamento.

-Dois minutos.

Eles pegaram a maleta e abriram. - Dona Maria, a senhora tem cinquenta anos, dona Gioconda quer conceder a senhora dez anos maravilhosos, porém, o restante da sua vida seria dela.

-Isso é uma pegadinha da tv?

Abriu a Mala, não precisa me responder agora é só pegar o dinheiro que saberemos a resposta. Ela ouviu um portão bater com força quando se virou, apenas as duas malas estavam no chão, subiu para o terceiro andar, abriu a porta do quarto, viu Gioconda dormindo. Com medo, olhou pela janela, as duas malas ainda estavam lá, o vento era forte, ela ficou duas horas na janela, em pé, olhando as

malas e mil coisas passando pela sua cabeça.

Saiu correndo pegou as malas, porém, para o seu desespero, quando colocou a mão nas malas, pareceu ouvir uma gargalhada, vinda das profundezes, uma das malas caiu de sua mão e abriu como uma cachoeira. O dinheiro apareceu e rolou pela sarjeta, era muito dinheiro, Maria disse.

-Supersticiosa, agora vou viver como rainha.

Foi isso que aconteceu, viajou, andou nos melhores restaurantes, vestiu os melhores vestidos. Pedro pediu o divórcio e

casou com ela. A vida estava perfeita, adotaram uma criança, Otávio, um menino prodígio, que tirava boas notas e era o orgulho de Maria.

Quando o dia nove de setembro, dia que aquele menino amado, Otávio, completaria dez anos, o vento começou a soprar, aquele vento maldito, com aquele cheiro insuportável, a beira da piscina da mansão, naquele instante, ela sentiu, mas Maria, não sabia o que estava acontecendo, aquela boa vida tinha feito esquecer.

Olhou pela janela da mansão, Pedro dormia perto da piscina e Otávio brincava com seu helicóptero de controle remoto,

quando Maria olhou para o jardim, os dois estavam lá, de preto, como se fosse ontem. O anão olhou para o relógio e mostrou o número 4 e fez a mímica de: "faltava quatro horas", depois soletrou as palavras últimas.

Maria correu para chamar Pedro.

-Enlouqueceu mulher.

-Eles estão ai, no jardim.

-Não estou vendo ninguém.

-Ali, perto das roseiras.

Mãe, não tem ninguém ali. - disse Otávio.

Maria saiu correndo, desesperada, entrou no carro, e saiu em disparada, e então bateu violentamente contra um ônibus, ficou desacordada.

Quando acordou, estava deitada numa cama, não sentia sua perna, sua pele, aquela pele maravilhosa, as pessoas sempre diziam que Maria tinha menos idade, agora estava áspera, colocou a mão no rosto, ela conhecia aquelas feridas.