Entre os Mortos III

O banho foi agradável, à luz de velas. A água quente descia por uma canalização ligada às banheiras. Dois banheiros, com paredes ligadas, se banhavam e trocavam algumas frases soltas, descompromissadas, riam - comparavam a vida em salvador com aquele momento bucólico na Ilha. O francês havia programado uma canalização ligada a grandes panelas ferventes conectadas a canos que dirigiam a água diretamente para cada banheira - à medida que a água ia sendo sugada, o funcionário iria repondo ou deixaria uma torneira com mangueira enchendo a panela que esvaziava. Tudo ali, teria a obrigação de lembrar o Brasil de séculos passados - para impressionar os hóspedes.

A noite estava fria, céu nebuloso. Um chuvisco fino insistia em molhar a noite. Com a cozinha desativada para refeições, foram num restaurante próximo. O garçom que os atendia se comportava de modo estranho, não suportando a curiosidade e espanto, perguntou:

- Vocês estão hospedados no antigo casarão do francês?

- Sim, estamos, por três dias.

Respondeu Euclides, enquanto sorvia um suco de frutas, aguardavam o jantar. Sadinoel, apesar dos reclames do irmão ja havia tomado duas cervejas, pedia a terceira.

- Dizem que é mal-assombrado, faliu por conta de acontecimentos do sobrenatural. caso estão pensando em comprar, desistam, é um negócio fadado ao fracasso.

Logo depois, o garçom se recolheu para o balcão, e trocava observações, de muchocho, com o colega do caixa, junto do ouvido, de forma que não eram ouvidos, e apontavam para os dois inquilinos.

Fartaram-se com o jantar. O proprietário veio pedir desculpas pela falta de energia elétrica, disse que o estabelecimento podia estar às escuras, porém, a sua cozinheira era uma iluminada no tempeiro. Perdoaram o acontecimento -, a queda de energia elétrica. Longe da civilização, naquele paraíso tropical, tudo é perdoável, menos a violência e roubo contra os veranistas.

- Tudo parece nos favorecer, parece que estamos num set de filme de terror. Noite escura e chuvosa, um casarão antigo e sombrio - e, sem energia elétrica. Ja viu os morcegos sobrevoando o casarão?

Observou, Euclides, com entusiasmo. Sadinoel se manteve insensível, cuidava apenas de levar o garfo cheio á boca e mastigar. havia tomado mais de quatro cervejas.

Retornaram ao casarão, era so atravessar a rua, dobrar a esquina, numa rua recuada, ali se destacava o antigo casarão, de pintura gasta, janelões estilizados, portas com mais de dois metros de altura. Árvores cercavam-no, com caules retorcidos, deprovidas de folhagem. As ruas estavam desertas, molhadas pela chuva, relampejava. Os dois estavam havia três minutos batendo na grande porta. Enfim, rangendo a porta se abre.

- Desculpem-me pela demora, fechava as janelas, devido á chuva, e o cuidado precisa ser desdobrado com a casa às escuras, temos muitos tapetes e pequenas escadarias, pequenos objetos decorativos pela casa. Sou um homem velho, cansado.

- Tudo bem.

Respondeu, Euclides, Sadinoel era um sujeito observador, alheio à opiniões, ou observações. Entraram no velho casarão.

- Digno de um filme trash, de terror.

Observou, Euclides, exibindo um largo sorriso na face.

- Senhores os quartos estão arrumados, podem se recolher.

Então, subiram à escadaria que dava para o corredor dos quartos. O velho corcunda segurava um candelabro com algumas velas acesas, subia na frente, sendo seguido pelos dois irmãos aventureiros. O ambiente era assutador, digno de um filme de terror. O silêncio sepulcram imperava, com exceção das passadas do velho no assoalho.

- As velas estão acesas, tenham uma boa-noite.

O velho os cumprimentou, depois de dado alguns passos, recomendou:

- Senhores, caso, ouçam vozes chamando os seus nomes não dê importância. Eles costumam chamar os hóspedes pelo nome, quando se procura nada se vê.

- Quem?

Indagou Sadinoel, com desdém.

- Os mortos.

respondeu o velho, com voz pausada, quase inaudível

- Permitam-me fazer mais uma recomendação, senhores, desculpem-me se pareço um tanto chato.

- Pois, não, pode dizer.

Disse Euclides, paciente.

-Caso ouçam, durante a madrugada passos pelo corredor, que se assemelhem ás passadas humanas, como se fosse uma mulher andando de forma suave, não tenham medo ou se preocupem; é a madeira do assoalho - a madeira tem essa tendência natural de estender-se e recolher-se com barulho, diante do calor do dia, depois do frio da noite.

Sadinoel, desconfiado, nada disse, se quer os cumprimentou. Fechou a porta do seu quarto. Tirou o par de tennis, deitou-se na cama, cruzou as pernas em cruz. Olhava para o teto, sem compromisso, olhar perdido. Indagava-se: " o que procuro aqui? Estaria apenas fugindo do tédio, do estresse de Salvador, ou estaria se divertindo graças ao seu irmão - cujas crenças eram verdadeiras piadas?" - Indagava-se.

A chuva aumentara de intensidade, podia se ouvir a sua sinfonia, o som do vento uivando la fora - o frio lhe tocava na pele. Posicionou-se na cama feito um feto no útero, fechou os olhos, antes observou por alguns segundos as velas se diluindo diante do clamor das chamas.

Em seu quarto, Euclides, apesar de sentir o peso das pálpebras, resistia e lia um dos seus livros prediletos, com dificuldades, devido á pouca luminosidade. Largou o livro, minutos depois, quando ja estava deitado, o inesperado - ouviu o som semelhante a passadas na escadaria, leves, suaves, quase silenciosas, so percebidas diante do silêncio sepulcral que ali reinava, no antigo casarão assombrado - a chuva não se fazia ouvir no seu quarto que ficava do lado oposto do seu irmão, não dava para a rua. Resistiu à sua curiosidade, permaneceu deitado, quando pôde perceber os passos chegando no corredor: tchof..tchof...tchof...tchof..

O seu coração disparou, suava frio, estava nervoso - sentia medo. Indagava-se o que estava acontecendo, quem seria? " Será algum novo hóspede, que ali chegara, devido á chuva, e ao bom preço da dormida, apesar do aspecto sinistro do casarão?"

Os passos prosseguiram, até que percebeu que cessaram diante da porta do seu quarto. O seu medo foi acelerado, apesar de farto conhecimento do campo espiritual, do mundo dos mortos, jamais havia pensando na possibilidade de estar frente a frente com um fenômeno sobrenatural. Estava nervoso, temeroso, suava feito um cuscuz. tremia nas bases - a vontade era soltar a voz num grito único e chamar pelo seu irmão - que devia estar velando a sono solto, devido á sua tranquilidade diante de tais fenômenos do outro mundo. Tremendo feito vara verde, pé ante pé, demonstrando mais medo do que coragem, levantou-se da cama, e foi se posicionar diante da porta do seu quarto.

Tremendo, conduziu uma das mãos à antiga maçaneta horizontal. segurou-na, com insegurança. Parecia escutar a respiração da pessoa que estava do outro lado da porta, sentir a sua presença. Movido por uma força maior, deseperadora - com o sangue inundado pela adrenalina, soltando um grito de pavor - como forma de alívio máximo-, abriu a porta num golpe so.

O corredor estava escuro, algumas poucas velas ja se derramavam em últimas luminosidades. Arrepiou-se, por completo. Olhou para um lado, para o outro, nada via na escuridão - ou parecia ver a figura espectral, estática a fitá-lo. Deduzia que era so ilusão de ótica, desconfiava que podia ser real - a figura estática na penumbra, de forma espectral a fitá-lo, numa postura de deboche e assombro, objetivando assustá-lo - impor-se diante do irreal, sobrenatural. Conduzido por uma força de ímpeto inexplicável, dirigiu-se diante do breu da escuridão co corredor. Foi dando passadas seguras, o olhar frio, estático, gelado. Seguiu na direção da escuridão. E, ali, ficou parado a poucos metros de onde parecia ver a figura da mulher vestida de branco, cabelos longos divididos entre os ombros. Nada viu.

Retornou para o quarto, e tratou de fechar bem a porta.

Deitou-se, era visível o seu desequilíbrio emocional. " Fácil ler os livros que abordem o mundo dos mortos, quando a coisa se apresenta de forma palpável, o medo nos domina." - Pensou assim, enqauanto puxava a coberta para se cobrir por completo. Algumas muriçocas se manifestavam, tantando a qualquer custo pousar em seu corpo. Pensou em se levantar, e apressado sair dali, ir procurar o irmão e com ele dividir o quarto. " Não posso estar com tanto medo." Pensou assim, so então, pôde observar que a tremendeira que dominava o seu corpo não era devido ao frio, era medo mesmo. Então, ouviu os passos mais uma vez. Pnsou tratar-se de sua imaginação, porém, ouviu com nitidez: toc..toc...toc..toc...

Os passos subiam as escadas, seguiram pelo corredor na direção do seu quarto. Sentiu a mão segurar na maçaneta pelo lado de fora, então, a porta se abriu de forma vagarosa, uma voz lhe chamou:

- Euclides...

Então,Euclides soltou um grito de horror que acordaria não so a Ilha de Itaparica, como á cidade de Salvador,que estava ha quarenta minutos de distâcia via mar.

- O que foi?

Indagou, Sadinoel soltando-se numa incessante gargalhada diante daquela situação hilária.

O seu riso, sufocante, até se estendeu por longos minutos, contorcia-se, sem poder respirar, de tanto ri.

- Pensou que era um fantasma?

Por mais que Euclides tentasse lhe convencer do ocorrido, dos passos na escadaria e no corredor, o mesmo so ria, debochava.

- Ouvi o seu grito, então vim ver o que aconteceu.

Justificou, Sadinoel.

- Gritei, mas não foi por medo, foi na adrenalina quando me posicionei para abrir a porta...e ao abiri não tinha ninguém. Saí do quarto, parecia ter uma mulher de forma estática, na escuridão a me fitar, um olhar frio, gelado. Movido por uma coragem fora do comum, me dirigi para ela, com frieza, suando de medo, arrepiado, quando cheguei perto, nada.

- Hum, você saiu do quarto e foi ver o que era?

Observou o seu irmão, com um largo sorriso de desconfiança.

Este calou-se, sentou-se na cama, com ares de preocupação.

-Não me peça para dormir aqui com você, boa-noite.

Disse Sadinoel, fechando a porta, indo-se.

Para sua surpresa, depois que ganhou o corredor, indo na direção do seu quarto, ouviu o chamado:

- Sadi...noel..

Olhando para o breu da casa, de onde ouviu a voz lhe chamar, nada via.

"Bobagem,foi impressão minha."

Entrou no seu quarto, ainda rindo do irmão. Deitou-se, minutos depois, ouviu mais uma vez o seu nome ser chamado: " Sa...di..noel..." De forma pausada, uma voz indecifrável, porém, grave.

Lembrou-se da recomendação do caseiro dizendo que se por acaso, os mortos chamarem, não dê importância. Estava de tronco erguido do colchão, demonstrando espanto, sentado na cama, tentando buscar ouvir o chamado do seu nome. Como havia narrado o seu irmão, ouviu os passos subindo as escadas, degrau a degrau: sft..sft...sft...sft...

Depois seguiram pelo corredor e parou diante da porta do seu quarto. Temeroso, ergueu-se da cama, de forma vagarosa, tremendo se dirigiu para a porta. O coração ja em descabelada carreira, batendo de forma frenética. O cenho ja molhado pelo suor. Mãos trêmulas, pernas bambas.

- Euclides, é você? melhor parar de brincadeira, não acho graça nisso.

Fim da parte III

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 24/09/2012
Reeditado em 24/09/2012
Código do texto: T3899260
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