Entre os Mortos - I

Ateu convicto, sempre fora assim, desde tenra idade, apesar de ter sido criado numa família de pessoas religiosas. Uma família grande com um número cabalístico, 13, em número de irmãos.

Oito irmãs e cinco homens - era esta a sua família. Ele era um dos mais novos. O mais velho e os pais eram católicos praticantes. Algumas irmãs eram evangélicas- de diversas correntes -, cada qual na sua religião de preferência. Ali, tinha Batista, Presbiteriana, Testemunhas de Jeová, entre outras. Um dos irmãos era da Sheiso-no-ie, depois de ter bebido da fonte do Budismo,Johrei, Messiânica, e ter lido inúmeros livros espiritualistas - de Sua Divina Graça A.C. bhaktivedanta Swami Prabhupãda a Aleister Crowley, da Ordem Hermética da Aurora Dourada, ocultista inglês, autor do Livro da Lei,da doutrina por ele fundada - THELEMA.

Depois, descobriu o Espiritismo, e dizia "OS MORTOS VIVEM, estão em todo lugar, influenciando os vivos para toda ordem de ações, sejam elas benéficas, ou maléficas". O irmão leu o Pentateuco de kardec: O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Livro dos Médiuns,Céu e Inferno, A Gênesis -, mesmo assim, não se convenceu da existência de Deus, ou de que os mortos VIVEM. Foi o presente mais inútil que seu irmão Euclides havia lhe dado nos últimos tempos, além dos livros de Saramago - dizia que dava sono quando começava a ler.

Euclides frequentava um Centro Espírita -visitava a outros-, viajava para pesquisas com médiuns, de toda ordem - psicofônicos,clarividentes,clariaudientes,sensitivos, e médiuns de cura,intuítivos,escreventes, entre tantos outros. Estava apaixonado pelo mundo do SOBRENATURAL. A Doutrina Espírita o arrebatara, parecia, para sempre, na questão dos fenômenos do mundo dos mostos.

Por enquanto, ele que vivia saltando de religião em religião, era quem mais o abordava na questão da existência de Deus, do bem e do mal, do céu e das regiões das sombras, ou inferno. E, das coisas relacionadas ao mundo extra-físico. " os mortos vivem, e sofrem, ou estão bem no plano extra-físico - ou estão entre nós. Alguns ainda partícipes de maldades, até dos prazeres carnais, dos quais não consegue se libertar de tais viciações, explorando os homens, influenciando-os para daí, obter os prazeres que ja não conseguem com o corpo sutil do qual são constituídos. Alguns drogados, alcóolicos,fumantes vivem sob a influência dos mortos. Viciados em sexo, orgíacos, também - o nome dessa ação se chama obsessão."

- Bobagem, pelo amor de Deus...Euclides, falo até em Deus com as sua asneiras. Aqules livros so têm fantasias.

Dizia o irmão ateu, com deboche e irritação.

-Vivemos mais influenciados pelos mortos do que imagina, eles, na verdade nos governam, ja dizia assim o mestre Chico Xavier.

- Não acredito em Deus, nem que os mortos vivam. Não insista comigo.

Era reticente, em afirmar, " a vida se extingue com a morte, é o fim." Dizia, de forma convicta.

Na bela ilha de Itaparica, do outro lado de Salvador, na praia de Mar Grande, em Bom Despacho, ali um paraíso de verão, um local sossegado, e místico, cheio de mistérios. A viagem é feita em barcas, ou de ferry-boat, 40 minutos de travessia, do terminal de São Joaquim a Bom Despacho. Na feira de São Joaquim, ali na parte reformada, enquanto aguardavam o horário de partida,tomaram um suco de laranja e comeram um mixto na lanchonete Rodrigues, cuidada hoje, pelo músico e artesão Marcelo Rodrigues. Este foi quem havia apresentado Allan kardec e o seu Pentateuco para Euclides - ficaram amigos de doutrina, sempre o visitava antes do embarque para bate-papo e um suco de frutas frescas. Euclides adorava a ilha, sempre estava ali para um ou mais dias de veraneio, tinha amigos na ilha.

A travessia Salvador- Mar Grande é uma viagem tranquila e relaxante. Pode-se observar o mar em sua bela imensidão azul, mais os navios atracados no porto, e diversos trechos da cidade de Salvador que vai ficando para trás. Os prédios do bairro da Calçada, do Comércio, o bairro comercial repleto de escritórios,lojas, residências. Os prédios antigos da Av. Carlos Gomes, Avenida Sete, Campo Grande, até a ponta da orla, onde fica o Farol da Barra - o circuíto do carnaval da cidade.

Desta viagem bela e tranquila surge o maior dos desafios para Sadinoel e Euclides - provar que os mortos vivem, ou não. Provar que Deus exista em uma única prova, encararam como coisa diminuta, estaria esta para uma outra oportunidade. Seguiram para Mar Grande, no terminal de Bom Despacho, chegariam em poucos minutos. Estavam no ferry Maria Bethânia, lotado de turistas, veranistas e de nativos da ilha que retornavam, depois de seus afazeres em Salvador. Alguns nativos trabalham em Salvador, outros visitam médicos, órgãos públicos, fazem compras, depois retornam para a Ilha de Itaparica.

No centro da cidade, logo após o largo fica um casarão antigo, centenário. Uma arquitetura no estilo colonial. Portas grandes, de pintura gasta. Janelões espalhados por todas as fachadas. O casarão é cercado por árvores de caule finos, no geral de galhos desprovidos de folhagem. Morcegos e pombos habitam nos forros do primeiro andar - pode-se ver o bailado sinistro dos morcegos no fim de tarde, adentrando pelos vidros quebrados das janelas, e ouvir o canto agourento dos pombos se recolhendo.

Um único morador habita ali, em toda a ilha, so um homem conseguia ter coragem para morar ali, um ex-pescador que dizia não temer os mortos. Fora contratado pelo seu proprietário, um francês, que desistira da pousada, que ali havia montado - dizem que o negócio faliu devido ás muitas histórias de assombração que ali aconteceram.

- Bom - tarde, queremos um quarto.

Disse o seu irmão crente nas coisas do além para o senhor calvo, de pele enrugada, coluna encurvada - aparentando mais velhice do que a idade que tinha. A sua pele era de brancura semelhante a um defunto, grande olhos azuis, fruto de descendência européia.

- Um quarto? Vamos ficar num único quarto?

Indagou o seu irmão que estava sendo posto á prova.

- Vamos ficar em cômodos diferentes, você é quem diz que os mortos não existem. Está temeroso?

O senhor os observava, com admiração, perdido, até, parecia saber o que se sucederia depois com os seus hóspedes.

- Estamos desativados há anos, a fama da maldição dos fantasmas cresceu, dão péssimas referências daqui,senhores, e a casa sofreu uma pequena reforma por que o Pierrot deseja vendê-la, talvez, a prefeitura o compre para fazer um anexo. Eu estou alugando quartos por conta e risco, para aumentar um pouco a minha renda. No verão os preços aqui ficam pela hora da morte, então, alguns turistas, veranistas de Salvador se arriscam a ficarem aqui. Muitos dizem ouvirem vozes - chamam pelo o nome da pessoa, quando esta procura quem o chama não se vê ninguém.

A porta foi trancada, rangendo as dobradiças, os três homens foram envolvidos por uma atmosfera sombria - a luz do sol não entrava por ali com facilidade. Trancas antigas, de ferrolhos foram passadas. Os dois irmãos lançavam olhares para o ambiente - era como se voltassem no tempo. Tudo ali era antigo, inclusive, a decoração. As mesas de madeira de lei, cadeiras grandes e pesadas, namoradeiras com decorações de cortes na madeira, banco de couro. Os lustres irradiavam uma iluminação tênue, deixando o ambiente em semi-penumbra, assutador.

- Este local, esta casa é habitada por espíritos sofredores, muitos crimes devem ter acontecido por aqui em épocas remotas. Posso sentir uma baixa vibração, uma atmosfera pesada...

Observou o seu irmão adido das leituras espiritualistas, e que o convidou para o desafio, parecia amedrontado.

- Bobagem, está apenas influenciado pelo histórico do lugar e pelas suas leituras que abordam o mundo dos mortos. Ele, nada vê, se não, ja estaria longe daqui.

Falou apontando para o velho que cuidava do casarão.

Pequenas escadas dividiam os salões e corredores de quartos. A cozinha ficava nos fundos - parecia abandonada. As portas dos quartos eram de madeira desenhada, de altura desproporcional. Quadros antigos, em preto e branco decoravam o ambiente. Não resistindo perguntou:

- Quem são?

- Os antigos moradores do século passado. Pierrot ao comprar o casarão, assumiu manter tudo na sua originalidade. O objetivo era atrair a clientela da europa, que gosta de lugares exóticos, de grande valor histórico, porém, parece que os antigos moradores não gostaram muito da idéia.

- Quem?

- Os mortos.

respondeu o velho, tinha nas mãos um candelabro com algumas velas, subiam as escadas para mostrar aos únicos hopedes daquela noite, os quartos onde ficariam. Os irmãos pareciam envolvidos por aquela atmosfera amedrontadora. Os olhares corriam para os locais escuros, para os longos corredores mal iluminados e para as portas fechadas. Pareciam aguardar, que a quaquer momento, uma porta daquela se abriria, com uma aparição assustadora a fitá-los.

- Não poderia ter uma iluminação mais adequada?

Indagou, com certa irritação.

- Perdõe-me mas não quero aborrecê-los.

- Aborrecer a quem?

- Os mortos, da última vez que trocamos a iluminação, a fiação pipocou.

- Um curto, normal, fizeram mal feito.

- Não, trocamos por diversas vezes, e todas as vezes queimavam os fios.

Sadinoel deduziu que tal postura daquele velho, ainda fazia parte de uma jogada de marketing para uma nova tentativa em revitalizar o negócio - sim, fazer um turismo diferenciado, voltado para o mistério - existe gente para tudo no mundo. Na europa, alguns castelos são visitados por serem considerados mal-assombrados.

- Pretendo juntar uma grana, ou até mesmo conseguir um empréstimo no banco e comprar este casarão, sei que vai ser muito importante para as minhas pesquisas do sobrenatural.

Observou, Euclides, com entusiasmo.

- Sinto os mortos por aqui.

- Eu sinto a falta de conforto.

Rebateu Sadinoel, com deboche. E perguntou:

- Teremos banho quente?

- Sim, senhor, não se preocupe. Temos um sistema, onde o banho de banheira é morno, Pierrot pensou em tudo. Uma pena que não tenha dado certo o negócio. Tenho poucos meses para sua revitalização, ou sua venda. Gostariam de receber alguma visita feminina? Conheço algums nativas que adoram conhecer gente nova por aqui...pedem alguns trocados, nada mais.

- Não, obrigado, o dinheiro é curto e não somos desse tipo de gente.

- Fiquem á vontade, querendo algo basta tocar a sineta, que eu escuto, ainda tenho boa audição. Eles me chamam, mas não lhe dou atenção.

- Os mortos?

Perguntou, Sadinoel.

- Sim, sim. Caso te chamem não dê atenção que eles se vão sem abusar.

Falou assim, e saiu andando pelo escuro corredor dando uma risadinha sinistra. Levava consigo o candelabro com as velas acesas.

- Ah, sim, caso vejam um som no assoalho semelhante á pisadas de gente, não se assutem, é a madeira velha do piso que estala, vocês sabem, a madeira tem essa tendência em se dilatar em resposta ao calor, depois, o frio, entendem-me?

Os irmãos nada responderam, entreolharam-se e seguiram atrás do velho. Era uma imagem digna de filme de terror - um velho corcunda á frente, tendo nas mãos um candelabro com algumas velas acesas, subindo a escadaria do local às escuras, com dois jovens aventureiros logo atrás. Um silêncio sepulcral, ali imperava. Morcegos bailavam pelo teto.

Fim da parte I

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 22/09/2012
Reeditado em 09/05/2014
Código do texto: T3896033
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