OS MISTÉRIOS DA MORTE

A velha casa de madeira sem pintar, há tempos tão solitária, estava abarrotada. Pessoas enchiam todos os cômodos e o vasto quintal coberto de grama alta. O velório acontecia na pequena sala, agora repleta de parentes da velha defunta... a idosa que viveu abandonada pelos próprios filhos, adoeceu na solidão e morreu sozinha... demorou doze horas para ser achada gélida e dura na cama de colchão de palha.

Por algum motivo, a senhora, que sempre teve cabelos longos, foi encontrada com uma tesoura na mão e seus cabelos, desaparecidos. Procuraram por toda a casa e nada. Agora seus filhos lhe faziam companhia ao lado de um grande caixão envernizado, tão bonito que não combinava com nada naquela casa simples, pobre, sem conforto algum. Seus netos, que nunca vieram vê-la, brincavam no quintal correndo atrás dos vaga-lumes e a pobre velha jazia fria sobre o veludo que nunca provara em vida.

Algumas de suas filhas fingiam chorar, tinha uma que morava a duas quadras, nunca veio visitá-la. Uma velhinha franzina e corcunda chegou a tempo de rezar o terço, ficou o tempo todo ao lado do caixão e se prontificou para fazer algo para aquele povaréu comer, já era tarde.

Depois de pronto o risoto cheirava bem, esfomeados, cada um pegou sua porção, a velhinha serviu a todos com satisfação, comeram com muito gosto e alguns chegaram a repetir. A primeira a encontrar um foi a netinha mais nova... começou a puxar um longo e branco fio de cabelo de dentro de sua garganta, os outros enojados começaram a encontrar nos seus pratos também, alguns saíram correndo para vomitar e a filha mais velha confirmou a suspeita ao remexer a panela, eram os cabelos da defunta.

O pânico foi unânime, procuram a velhinha e para o desespero de todos, não a encontraram, ninguém a conhecia, ninguém jamais tinha visto aquela mulher antes. Ela simplesmente desapareceu tão rápido quanto apareceu. Tornou-se quase impossível olhar para o cadáver da idosa, que a essa hora já exalava um forte odor. Alguns dos filhos choravam de verdade enquanto outros falavam em enterrar a defunta antes de amanhecer, o fato é que todos entenderam muito bem o recado.

No caixão, a velha morta órfã de doze filhos... parecia sorrir.

Eliane Verica
Enviado por Eliane Verica em 18/09/2012
Código do texto: T3888239
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