Segredo de Família parte 1

Quando Johanna entrou naquela casa, um arrepio subiu pela sua espinha. Fazia muito tempo ninguém entrava nessa casa, que tinha sido dos seus avós e que, depois da morte deles, tinha sido esquecida pela sua mãe e seus tios, os quais moravam em outras cidades e não tinham muito interesse pelo imóvel antigo, porque precisava de muitas reparações. Mas ela tinha acabado de arranjar um emprego na cidade, e seu marido achou ótimo não ter que pagar aluguel, pois na capital era muito caro. Assim, ela e sua família fizeram as malas e partiram rumo à casa. Sua mãe lhe tinha advertido sobre as condições da casa: precisava de pintura, o teto estava cheio de manchas de umidade, algumas janelas estavam quebradas, a cozinha estava cheia de panelas velhas e o quintal estava cheio de mato. Mas ela tinha algumas economias, e como Antonio não tinha conseguido emprego ainda, ele se dedicaria aos consertos necessários. Mesmo assim, ela não imaginava que a casa estivesse em tão más condições. Era um prédio grande, construído pelo seu tataravô, cuja entrada dava diretamente na sala grande e fria, cheia de teias de aranha e marcas nas paredes onde antigamente tinham sido pendurados os quadros dos seus avós. Ela não sabia muito sobre eles, pois tinham morrido muito antes dela ter nascido, e sua mãe não falava muito deles. A porta da sala dava num corredor espaçoso, a partir do qual se podia entrar na cozinha, na garagem, numa sala menor, um banheiro e o quintal. Por todas as partes grandes teias de aranha preenchiam os cantos, e a poeira enchia tudo de uma camada de abandono. Antonio e os filhos entraram atrás dela e os meninos, pouco se preocupando com a sujeira, subiram correndo as escadas que se encontravam logo após a entrada da cozinha, e que levavam aos quartos e à sacada que ficava na frente da casa.

– E então, Antonio, o que você acha? A gente não vai poder ficar aqui pelo menos até limparmos a sujeira básica!

– Eu estava pensando nisso, vamos deixar as crianças na casa da sua amiga e voltamos aqui para arrumar um pouco as coisas, o que você acha? – respondeu ele, olhando ao redor. – Ainda bem que ela mora perto!

Assim, eles deixaram as coisas que tinham carregado no carro e foram à casa da amiga de Johanna, que tinha lhe ajudado a conseguir o emprego. Eles ficariam uns dias na sua casa, até terem limpado a casa e colocado as coisas, que o caminhão de mudança traria, em seu lugar. Depois de repousar um pouco, voltaram e começaram a trabalhar. Ela varreu, passou o pano e limpou todos os cômodos da casa. Depois seu marido se encarregaria de raspar o teto e as paredes e de pintar. No final, eles estavam cansados demais, e decidiram sentar um pouco na escada. Estavam juntos em silêncio, cada um perdido em seus pensamentos, e nenhum dos dois percebeu que havia algo estranho, até sentir no pescoço um vento gelado que os fez estremecer. Eles se olharam, e nesse momento ouviram, claramente, o barulho. Era um grito sobre-humano, gelado, que os fez ficar de cabelos em pé e pular do susto. Subiram as escadas correndo, Johanna segurando com todas as forças o braço de Antonio, e encontraram a janela de um dos quartos aberta. Eles a fecharam bem, e pensaram que o vento frio tinha vindo daí. Com certeza o grito veio de fora, de alguma das casas vizinhas, já que a janela dava para o quintal da casa. Porém, mesmo com essa explicação lógica, Johanna estava inquieta. Ela tinha certeza de que havia fechado cada janela depois de espanar e limpar os quartos. Os vidros quebrados haviam sido trocados com anterioridade sob a supervisão de Ana, sua amiga, e ela não entendia como essa janela tinha sido aberta. Antonio disse que ela devia ter esquecido dessa janela, afinal tinha feito tantas coisas esse dia!

Depois de ter arrumado as coisas principais, a família se mudou para sua nova casa. Antonio estava feliz, ele sempre gostou de consertar coisas, e cada dia a casa ia ficando melhor: As manchas de mofo sumiram, as paredes ficaram limpas e foram pintadas, e os móveis chegaram. Johanna saia cedo a trabalhar e voltava à tarde, ajudava os filhos a fazer as lições de casa e preparava o jantar. Enquanto isso, seu marido terminava de pintar os quartos, as portas, enfim, terminava de arrumar a casa. Uma noite, Johanna ficou acordada até tarde ajudando Antonio a limpar o chão das manchas de tinta que tinham ficado. Eles estavam concentrados na sua tarefa, e seus filhos estavam dormindo. Como estava frio, Antonio foi à cozinha preparar um chá para os dois, enquanto Johanna dava uma olhada nos meninos. Eles estavam profundamente adormecidos, e ela foi fechar as cortinas do quarto, para evitar que a luz da lua incomodasse os filhos. Tentou fechar as cortinas, mas estas não se mexiam, parecia que tinham ficado grudadas de repente, e por mais que tentou não conseguiu mover nem um centímetro das cortinas. Ela não entendeu o que estava acontecendo, já que o tecido era novo e parecia livre de sujeiras. Saiu do quarto pensando no assunto, e ficou no meio do corredor, paralisada. No último degrau das escadas havia uma figura, uma moça pálida e magra, olhando-a sem vê-la, com olhos vazios e tristes. Parecia que a figura não percebia a presença de Johanna. Um pânico começou a crescer no peito dela, e lhe pareceu que tinha engolido uma bola de gude, que ficara presa na sua garganta, impedindo-a de gritar. De repente a figura avançou pelo corredor e entrou no quarto das crianças. Johanna correu atrás dela, mas quando entrou no quarto não havia ninguém ali. Seus filhos ainda dormiam, e, inexplicavelmente, as cortinas estavam fechadas.

Johanna desceu as escadas e contou tudo o que ocorrera ao seu marido. Antonio começou a pensar se ela não estava muito cansada, pois já era noite avançada, mas ela lhe assegurava que tudo tinha acontecido de verdade. Assim, no dia seguinte eles trocaram os filhos de quarto, e transformaram a habitação em estúdio. Por uma semana não aconteceu nada estranho. Porém, uma manhã, Johanna entrou no estúdio para pegar alguns papéis do trabalho, e encontrou uma mancha escura no assoalho de madeira. Ela não sabia o que era, pois ninguém tinha entrado ai o dia anterior, e perguntou a Antonio se ele tinha bebido alguma coisa no estúdio, mas ele negou. Então, o seu filho mais novo, Julio, perguntou:

– Mas mãe, você não estava no estúdio ontem? Eu vi você no meio do quarto, parecia que estava procurando alguma coisa!

Ao ouvir isso, Johanna estremeceu. Depois de perguntar ao filho o que tinha visto, ela se convenceu de que a figura tinha voltado. Esse dia ela estava de folga, pois tinha ficado bastante gripada, e decidiu começar a investigar o que acontecia. Antonio tinha saído a procurar emprego, e ela começou a arrumar a casa. Estava terminando de limpar a poeira do estúdio quando sentiu um vento frio encher o quarto. As cortinas começaram a balançar, e o assoalho começou a gemer, como se alguém estivesse sambando no meio do quarto. Ela se virou, mas não viu ninguém. Fechou a janela, mas o frio não sumiu. Então, ouviu pela segunda vez aquele grito horrível do primeiro dia. Ficou paralisada ao pé da janela, e então percebeu que a mancha do chão, que ela tinha limpado, voltava. Sem perceber o que fazia, ela fugiu do quarto, entrou no carro e foi para a casa da sua amiga. Ficou lá até se acalmar o bastante para contar o que aconteceu. Sua amiga, Aline, lhe perguntou então se ela sabia de alguma coisa terrível que tivesse acontecido na casa, mas ela não sabia de nada. Aline tentou acalmá-la, e disse que talvez tudo não passasse de alguma alucinação febril, afinal Johanna devia ter ficado na cama em lugar de arrumar a casa estando doente. Johanna já não tinha certeza de nada. Quando voltou à casa, tudo parecia normal. As crianças tinham acabado de chegar e tinham estranhado que sua mãe não estivesse ali.

Essa noite, ela contou tudo a Antonio. Ele estava começando a ficar preocupado com a saúde mental da sua esposa. Como ela insistira tanto, ele foi dar uma olhada no quintal, por se alguém tinha a possibilidade de pular o muro e entrar na casa, mas este era muito alto, e além do mais eram poucas as chances de alguém tentar roubar uma casa em pleno dia. Depois, foi no estúdio verificar se tinha a tal mancha no chão. Quando ligou a luz, um arrepio desceu pela sua espinha dorsal. Olhando pela janela se encontrava uma moça, seu rosto oculto pelo cabelo comprido que lhe descia como uma cascata pelas costas, as mãos apoiadas no parapeito da janela. Quando Antonio reparou nelas, viu que estavam todas manchadas, e soube que o que sujava essas mãos, e o chão, era sangue. De repente, a moça se virou, e, ao vê-lo, uma expressão de ódio lhe encheu os olhos. Ela correu na sua direção, e gritando, tentou empurrá-lo para fora do quarto, mas quando chegou a ele, desapareceu.

Viviana Carolina
Enviado por Viviana Carolina em 17/09/2012
Reeditado em 17/09/2012
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