A Prisioneira

No calabouço sombrio, úmido e fétido, ali estava ela. Dividia a cela com os ratos e baratas, que ali adentravam por diversas fendas entre as pedras escuras que formavam as paredes. Várias vezes o carcereiro adentrava na cela, relaxando a sua guarda, a grade ficava aberta. E, ela Incapaz de erguer-se do solo, e tentar fugir. Era so levantar e correr subindo a longa escadaria. O carcereiro não a alcançaria, era gordo e velho. Ela Era jovem, de corpo esbelto. Não entendia a sua falta de coragem, de iniciativa. Ouvia por longas horas os pedidos de socorro, ou ou gemidos de dor. As pancadas explodindo nos corpos dos prisioneiros. Estava ali havia meses, porém,ja havia perdido a noção de tempo. A angústia era dilacerante no seu ser, pois, sabia que chagaria a sua vez de apanhar. Eram murros e chutes, pancadas de porretes nas canelas - so de imaginar a dor lhe torturava de forma antecipada. Puxões nos cabelos e cusparadas no rosto. O musgo asqueroso que saia da boca do carcereiro, em forma de cuspe a feria mais na alma do que as pancadas que lhe dava pelo corpo, sentia asco indescritível. Certo dia lhe abriu a boca e escarrou dentro - ela vomitou uma mistura de suco gástrico, sangue, e devolveu o seu escarro para o chão de pedra - defesa natural do seu organismo acostumado a bebericar finos vinhos e a carne tenra do faisão, frutas do reino. Jamais imaginaria que viveria em vida aquele inferno. Mas, não queria perecer, não tinha a intenção de se matar ali, morrer, nunca, ou ficar louca, como os demais. Acreditava, até o fim na sua liberdade. Sabia que ela viria, fosse como fosse, um dia viria.

O local era escuro, raridade observar a luz do sol. Vez ou outra um pequeno pássaro colorido a visitava e cantarolava, encantando-na.

Fora jogada nos calabouços sem direito à defesa - sua culpa: ser bela e sedutora. A rainha a espancou, condenando-na a ser trancafiada até definhar, longe do rei, que a cortejava. Caso o rei soubesse que ali estava, com certeza a libertaria, pois, a paixão proíbida era evidente.

Noite e dia, o carcereiro parecia lhe fazer o convite para fugir. As grades sempre abertas, quando vinha fazer a limpeza da cela - as demais viviam inundadas de urina e fezes, a dela, sempre limpa. Estranhamente a banhava. Não lhe trazia mais a comida, so a tina do banho com água cheirosa. Sempre pensou em fugir. Noite e dia pensava em fugir. Perguntava-se: " A cela sempre aberta, por quê não consigo erguer-me do solo frio e fujo?"

Ouvia os gemidos de dor - os demais presos não mais a ouviam gemer . O carcereiro não mais a estuprou,aconterceu algumas vezes, mesmo estando deitada, debilitada, porém, não acontecia mais, não mais a espancava. Perguntava-se " por quê? - Havia se cansado de molestá-la, de torturá-la"?

Sentia o chão frio, estava sem energias, cansada, exausta até mesmo para sentir as dores atrozes que lhe varavam o corpo. Não se recordara do dia que havia tido paz, um so minuto na sua vida de prisioneira. As vestes em fragalhos e a alma desfigurada. As dores cessaram, depois de alguns dias, mesmo estando muito machucada.

Noite e dia deitada no chão encardido, frio. A lua surgia na pequena janelinha, depois o sol. Muitas vezes via as estrelas, ou nuvens que passavam. Chovia ou nevava. E, ela não entendia o por quê está sempre deitada ao solo,por longos dias. O canto agourento de aves carniceiras se fazia ouvir, quando era assim, havia um preso morrido e o seu corpo tinha sido jogado pelo despenhadeiro rochoso na direção do mar, porém, muitos estancavam nos rochedos, ali serviam de repastos, até que so restassem ossos, como uma decoração macabra que ela olharia com olhares tristes, pela minúscula janelinha feita nas rochas. como se previsse ser este o seu destino.

As suas narinas foram invadidas pelo mal odor, um insuportável de carne podre em decomposição. Os ratos e as baratas subiam pelo seu corpo inerte, mas ela não os sentia na sua pele. "Talvez, estejam me devorando viva e meu corpo nem tenha mais sensibilidade "- pensava.

O carcereiro voltou. Estava acostumado com as cenas macabras que ali, nas masmorras transcorriam no seu dia a dia. Presos se borravam e urinavam as celas, e porisso eram espancados, castigados. Os que enlouqueciam, dava jeito de matá-los, livrar-se do lixo humano, sem razão, eles davam mais trabalhos. A rainha não precisava saber como morreu - muitos morreram levando consigo os segredos que ela e o rei,ministros desejavam ter.

As mulheres serviam de objeto sexual - ela era a predileta, por ser jovem, bonita e da corte, uma dama.

Ficou chocada, quando ouviu o carcereiro fazer tal observação:

- Não dá mais para me divertir com o seu corpo. Ja fede, está apodrecendo a olhos vistos.

Tem duas semanas de putrefação, nem mais os banhos de sais que lhe dou dá jeito. Uma pena, foi a mais linda que tive por aqui. Vou dar fim nessa linda carcaça inchada e roxa do que foi uma bela mulher. Não te esquecerei, jamais. Espero que o ciúmes da rainha possa me trazer outras como você.

Ao ver o retorno do passarinho colorido e ouvir o seu lindo canto,pela primeira vez teve forças para se erguer do solo frio, foi um estimulo para a vida, era como se revelasse mais uma vez o belo para a sua existência. Não durou muito tempo, aquela sensação, pois, o seu corpo arrocheado e marcado pelas feridas dos espancamentos que sofria todos os dias, estava à vista, dando-lhe náuseas. Mesmo depois de inerte no chão era currada- e isso a marcou profundamente. Olhou rápido mais uma vez para o seu corpo estendido no solo gélido, logo virou o rosto. Não teve muita coragem para encarar o seu triste fim. O carcereiro arrastou o seu corpo por um dos braços e o jogou no despenhadeiro - ela a tudo assistiu, de forma passiva, sem assombro. O seu cadáver cairia no mar, ou apodreceria preso nos rochedos até que so restassem ossos, após o banquete dos vermes e das aves carniceiras.

Ergueu-se, de forma trôpega. Chorava, enquanto subia ,com dificuldade, apoiada na parede de pedra, degrau a degrau da longa escadaria que lhe apontava, enfim, para a liberdade de sua alma. Orou a velha oração que a sua falecida mãe lhe ensinara, quando ainda era criança. Sorriu, depois de tantos dias, poder sentir que não mais estaria a mercê da crueldade daquele homem a serviço da realeza, e agora podia ver a luz do sol. O passarinho colorido a acompanhava cantarolando a sua peculiar canção silvestre. Borboletas esvoaçantes dela se aproximaram, enquanto dava frágeis passos pelo bosque, o corpo ainda estava torpe. Não tinha uma direção definida, talvez algo de bom lhe acontecesse naquela nova alvorada em sua existência. O sorriso continuava sustentado na sua linda face de menina mulher.

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 12/09/2012
Reeditado em 28/07/2015
Código do texto: T3877556
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