O SECRETO DIÁRIO DE K: O PENSAMENTO DE UM MONSTRO.
Já se passaram dois meses. Todos estão à procura de Jorge. Não sei a razão de ele fazer falta. Para mim e para Deus, tenho certeza de que fiz um excelente trabalho, fiz uma limpeza. Guardo um bom número de suprimentos carnais humanos no porão, mas, as partes das quais mais gosto acabaram. Estou novamente com aquela ansiedade. Escrevo meu diário com cuidado...
Espere! Alguém me chamou!
_Sim?
_ Sua correspondência.
_Ok! Deixe-a debaixo da porta.
Era apenas o carteiro.
Hoje, quando me lembro daquele delicioso e suculento sangue de Jorge minha boca enche-se de saliva.
Eu deveria ser reconhecida por tamanho feito. Mas, a sociedade e as pessoas são doentes, não conseguem perceber o bem que fiz. Por isso, confio apenas em Deus e em meu diário.
( Júlia Kass era uma bela jovem aparentemente doce, meiga, pura. Cumpria com seus deveres no trabalho e na faculdade cujo curso era psicologia. Júlia gostava de todas aquelas pessoas que a liam. Júlia Kass também era um monstro, mas ninguém sabia.)
Lembrei-me de que Jorge poderia ter evitado sua própria morte, mas Amanda havia me enviado um email muito triste, no qual relatava que havia sido enganada e tripudiada no seu íntimo. Era preciso fazer algo. Deus havia me chamado para aquela missão.
Preciso trabalhar. Volto Depois.
( Júlia saía de seu apartamento hermeticamente fechado e desinfetado com todos os líquidos necessários para não exalar nenhum mal cheiro. Ela, havia estudado, em longas noites e há muito tempo, como preservar o corpo de um cadáver. Teria virado perita nisto. Sua inteligência era absurda. Sabia exatamente o período mínimo para putrefação, quais os órgãos mais suculentos, quais os mais rígidos. Já disse. Ela era perita nisto. )
Não consigo passar muito tempo sem tomar sangue. Preciso sugar na fonte. Preciso de novos olhos em minha boca e ouvir o estalar de quando são estourados pela força de minha mandíbula. Imbecis, você são todos imbecis!!! Pensam que sou um monstro...Se eu pudesse comia-os todos de uma só vez. Não percebem que minha causa é justa?! Quando vejo todas estas cabeças nesta enorme prateleira a olharem cinzamente para mim e com suas bocas amordaçadas por arames sinto que vocês querem dizer algo...eu sei...eu sou o Deus de vocês!
Vou à missa neste domingo. Estou preocupada. Não paguei o dízimo e temo ser castigada.
( Fim de tarde. Júlia volta para casa. Senta-se e escreve essas linhas . Todos os móveis perfeitamente no lugar. Tudo metodicamente bem posto. As rosas sobre a mesa. Os livros na estante. O espelho na sala. A cortina que tampava o acesso ao porão. Júlia, depois, caminha para o lugar do seu grande fascínio.)
Quando olho pra você percebo quão saboroso foi comer sua carne, deliciar-me em ouvir os gemidos abafados e terríveis que tentavam pedir socorro enquanto eu retirava a pele do seu rosto. Meu querido, quanto prazer você me deu...
Percebe o bem que eu o fiz? Percebe que eu fiz você sentir uma sensação indescritível? Agora, não vou mais machucar você...apenas quero um pouco de massa cefálica para meu jantar.
( Júlia estava, para ela, diante do cenário mais sublime e extasiante. Ali, no porão, havia uma grande estante de mais ou menos três metros de comprimento com cinco prateleiras. Em todas elas havia cabeças. Apenas cabeças de todas as pessoas que ela havia executado. Cada rosto retirado a pele, retirado o couro cabeludo, retirado os olhos e com a boca costurada com arames. O crânio havia sido serrado horizontalmente para a retirada de massa cefálica quais fossem belas tigelas de uma deliciosa sopa. Ela conversava com Marcos. Ela conversava com todos eles enquanto retirava os últimos restos do cérebro de Jorge, sua carne mais fresca. Sua saliva enchia-lhe a boca. O cheiro das ervas misturado aos miolos e olhos naquela grande frigideira e aquela visão de todas as trezentas cabeças daqueles homens fazia-lhe pensar que era um Deus. ).
Dê-me um pouco mais de você, terei que raspar até o fundo para aproveitá-lo por inteiro querido...sei o que você está pensando...Sei que é um pouco desconfortável não poder falar, mas, sei que você está grato pelas sensações que eu fiz você passar.
( alguém na porta bate. Júlia ouve e segue silenciosamente, calmamente .)
_Júuuuullliiiaaa!!!!
_ Sim?
_ Porque demorou tanto? Está com alguém?
_Não. Apenas me preparava para o banho.
_Pensei que pudéssemos ir a casa de Marcelo e, lá, assistirmos a um filme, tomar alguma cerveja... O que acha?
_Entre. Sente-se aqui. Irei ao quarto me trocar.
_ Não demore.
( ´´Bruna havia interrompido o seu jantar e sua visão do oásis`` pensava ela com um pouco de raiva, apenas um pouco. Júlia conhecia poucos sentimentos. Pensou que seria uma boa oportunidade de analisar Marcelo, afinal, seus suprimentos estavam no fim. Durante o caminho, ouvia a conversa de Bruna, mas em segundo plano. Marcelo era o seu interesse. Poderia ter a oportunidade de testar um novo feito, uma nova técnica e esta, seria a mais cruel...)