SEQUESTRO E MORTE

Estamos aqui desde ontem, eu e minha mulher. Enclausurados numa cela, não temos mesmo como sair. Estamos perplexos, nervosos e preocupados. Solange chora a toda hora, deve pensar muito em seus pais e, mais que tudo, em nosso único filho, o Marcos, de dois anos. Sem entender o que está acontecendo, ele já deve estar sentindo nossa falta.

Não há água, nenhuma água, parece que estamos abandonados pelos nossos próprios sequestradores. Queremos que eles tornem a aparecer e falem alguma coisa.

Este aposento, se pode ser chamado assim, deve ter uns vinte metros quadrados. Bem num canto há um buraco fundo que serve de fossa. Não há banheiro, não tem água. Não tem luz elétrica, só fósforos e velas. No chão um colchão com lençol. De móveis, só esta mesa e duas cadeiras, sobre a mesa umas revistas, jornais velhos, duas canetas e este caderno. Resolvi escrever para relatar esta terrível situação. Num canto há um monte de papelão. Noutro canto foram deixadas quatro garrafas de cachaça, cheias e fechadas, além de outras vazias. A porta é de ferro, bem trancada. Do chão ao teto deve dar uns três metros. A janela é pequena e alta, com grade de ferro. Tudo indica que isso foi feito para aprisionar pessoas sequestradas.

Hoje de manhã falei a Solange:

- Suba nos meus ombros e olhe lá fora para ver como é.

Eu me abaixei, ela subiu em mim, eu ergui-me e ela ficou de pé nos meus ombros.

- O que você está vendo?

- Não vejo ninguém. Aqui perto tem um galpão velho e abandonado. Lá bem longe passa uma estrada, passam carros e caminhões.

Ela deus uns gritos de socorro, esperando que houvesse alguém ali por perto, chamou pedindo ajuda, mas foi inútil. Depois desceu. Ficamos mais desanimados, não havia como chamar a atenção de alguém.

- Pedro, o que você acha, por que fizeram isso conosco?

- Não sei, mas deve ter sido por vingança. Alguém que não gosta de nós. Se fosse um sequestro para pedir resgate, acho que não seria assim. Eles iriam aparecer para conversar, e nos dariam água e comida.

Estamos com fome e sede.

O drama começou ontem de manhã, quando saíamos de casa para ir ao trabalho na empresa. Dois deles estavam encapuzados e armados. O terceiro, o motorista, não nos era conhecido. Obrigaram-nos a entrar no carro, puseram capuzes em nossas cabeças, e a viagem foi longa, de algumas horas. Quando aqui chegamos, um deles apenas disse:

- Entrem aí e esperem.

Trancou a porta, e aqui estamos esperando. Esperando o quê, um milagre?

Deve ter sido mesmo por vingança. Quem arquitetou o plano quis nos fazer sofrer, talvez até à morte. Por isso mesmo deixou este caderno e canetas, já supondo que eu iria escrever e relatar o que estamos sentindo. Pura maldade.

Terceiro dia. Fome e muita sede, estamos desesperados.

Depois de dormirmos e ficarmos calados por horas, Solange iniciou uma conversa:

- Será que a polícia está à nossa procura?

- Deve estar, com certeza. Não iriam deixar isso assim.

- A babá que cuida do Marquinho deve estar ajudando.

- Sei lá... se ela não está por trás disso. Nem a conhecemos direito. Desconfio de muita gente.

Ficamos quietos o resto do dia, tudo é silêncio do lado de fora. Só se ouve, bem ao longe, o ruído de carros na estrada.

Quarto dia. Solange diz:

- Que adianta você escrever aí nesse caderno? Não vai resolver nada, vamos morrer aqui.

- Gritar e chutar a porta, como fiz, também não adiantou.

- Eu agora só queria ver o Marquinho uma última vez, depois mais nada me importaria.

Ela chora. Olha aquelas garrafas de cachaça lá no canto, vai e pega uma. Pelo que sei, ela nunca bebeu bebida alcoólica. E eu também não, não me dou bem nem com cerveja. Eu disse:

- Não adianta, Solange, isso não mata a sede, só piora.

Ela largou a garrafa, agora está quieta, triste e pensativa. Como me dói vê-la assim. Sentou-se sobre uns papelões. Vou deitar-me um pouco.

Quinto dia. Solange parece estar muito mal. Quando acordei, vi que ela havia aberto uma garrafa de cachaça, ela disse que bebeu a garrafa toda, em desespero. Eu nem havia percebido que há um abridor de garrafas ali no canto. Agora ela não fala mais nada, não sei o que fazer.

Sexto dia. Ela está morta. Estou apavorado, agora tudo complicou-se mais. Cobri-a com uns papelões. Não posso fazer mais nada, a não ser esperar morrer também.

Sétimo dia. Já quase não consigo ficar de pé, estou fraco, mal consigo raciocinar e escrever. O que será agora, se não vier socorro?

Oitavo dia. O corpo de Solange está cheirando mal, fecho o nariz com a mão esquerda para respirar pela boca, ou seguro o lençol contra o nariz para não ter de aguentar o mau cheiro.

Nono dia. Não dá mais para aguentar isso. Não tenho mais esperança nenhuma. Já sei o que vou fazer. Vou abrir as três garrafas de cachaça e bebê-las todas de uma vez. Se não escrever mais nada é porque morri, como Solange morreu. É tudo o que eu quero agora. Adeus, meu filho querido, seja feliz quando crescer.

Egon Werner
Enviado por Egon Werner em 04/09/2012
Reeditado em 05/09/2012
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