Amálgama Fantasma - Cap 19
XIX
A noite era a dona do mundo e a Lua sua rainha. Na fazenda do senhor Basílio o silêncio era a regra, mas como toda regra possui uma exceção havia o barulho constante de golpes despreendidos contra uma pequena porta em um pequeno corredor, um detalhe que não incomodava as demais áreas do imenso espaço. Dentro do silêncio residia o corpo de uma garota, cuja dona estava presa em um plano que poucos poderes no mundo seriam capazes de resgatá-la.
A entidade que controlava Talita olhou para cima, vendo além das vigas de madeira e chegando até seu alvo. O ódio emanado por ela era intenso a ponto de se tornar físico, algo tão forte que a própria atmosfera parecia se dobrar em repulsa ao ser que ali existia. Mesmo presa Talita captava esse ódio, algo que fez sua prisão de escuridão se tornar ácida e de repente o cheiro de ferrugem chegou a suas narinas ameaçando enlouquecê-la. A entidade queria morte e não havia ninguém com poderes para impedí-la.
A entidade se divertiu com seu pavor.
O corpo de Talita deu os primeiros passos enquanto a garota fazia novas e vãs tentativas para pará-lo. A entidade sabia que a garota não poderia impedí-a, com muito esforço ela talvez chegasse a mover um membro mas não era nada que pudesse ameaçar seu domínio.
A entidade queria a morte do dono daquele espaço, aquele que ousou reinvindicar para si o espaço que outrora fora dela. Porém o medo de Talita foi intenso não apenas por aquele que usava o nome de Basílio, mas também pelo ser vivo chamado Daniela.
Então a entidade decidiu que haveriam mais mortes para acontecer aquela noite.
Com passos apressados o corpo de Talita foi até a faca arremessada pelo de nome Enzo. Analisando o objeto mais de perto os olhos de Talita viram algumas inscrições no metal, algo talhado numa lingua quase esquecida e ininteligível para ela. Ainda assim era uma boa lâmina e seria de ótimo uso para o que a entidade tinha em mente.
Com consciência do desespero crescente da jovem aprisionada, a entidade caminhou lentamente rumo ao segundo andar, usando de passos mudos para chegar até um dos quartos onde o primeiro de seus alvos dormia.
A mão de Talita foi até a maçaneta, girando-a com cautela e empurrando a pesada porta de modo a lhe dar passagem.
O quarto de hóspedes estava imerso em escuridão mas isso não importava para a entidade. Ela conseguia ver o lugar e ele estava como ela lembrava, com uma cama alta e espaçosa, cortinas esvoaçantes, uma pequena mesa para leitura e um banheiro ao lado. Sobre a cama, envolta em uma manta grossa, residia a jovem contratada por seu inimigo para cuidar da propriedade. A entidade buscou na memória de Talita o nome da jovem e mesmo sentindo alguma dificuldade conseguiu encontrá-la.
- Daniela...
O nome fez a boca de Talita salivar. A entidade ansiava aquele corpo, ela ansiava todos os corpos e aquele seria mais um dos muitos que já pereceram em suas mãos.
A entidade moveu o corpo de Talita até o lado da cama, seu silêncio se confundindo com o silêncio da noite que a rodeava. Daniela vestia um pijama de flanelas e uma toca clara com um pompom azul na ponta. Seu peito albino subia e descia calmamente. Ela estava serena mas a entidade sabia que ela ficaria ainda mais serena depois de morta.
A boca de Talita chegou perto do ouvido de Daniela.
- Eu prometo apreciar cada instante de sua morte.
A boca de Talita beijou a bochecha de Daniela que tremeu, um segundo beijo e a jovem abriu os olhos precisando de somente um segundo para perceber o quão estranha era aquela situação.
Daniela se remexeu mas sua velocidade não era nada para a entidade que em segundos colocaria um fim a sua vida. Antes porém ela manteve o ritual que mantinha desde que a primeira das mortes acontecera...
A entidade cortou o dedo de Talita com a faca lançada por Enzo, fazendo um filete grosso de sangue escapar.
E assim a Lâmina do Regresso entrou em contato com esse sangue, devolvendo o corpo de Talita a um estado anterior ao que ele estava...
Um estado sem a entidade.
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Obrigado aos que acompanham, estamos na reta final, como foi curtinho continuo amanhã 03/09