O Lobisomem da Santa Mônica

Numa rua curta, sem saída, próximo do colégio São Francisco, tradicional escola da cidade de Feira de Santana, ali morava uma família estranha, os Pereira. Eliane Verica era uma das poucas que era vista quando saìa para ir á padaria, fazer compras no mercado. As contas de água e luz e internet eram pagas pela casa paroquial.

Viviam isolados da convivência com a vizinhança. Certa noite, na madrugada, numa das ruas próximo da igreja dos Capuchinhos viram uma figura estranha urrando, seguindo em descabelada carreira pelas ruas desertas. Era madrugada escura, o breu da noite tornava a criatura assutadora, que seguia, por entre as árvores das ruas desertas dos Capuchinhos, dificultando a visão assustadora daquela coisa. Disseram que parecia uma cena perfeita para um filme de terror - naquela noite ninguém se machucou, o bicho não atacou - mas a sua fama cresceu. Todos passaram a ouvir a história do lobisomem da Santa Mônica, que vivia pelos arredores da igreja dos Capuchinhos.

A história do lobisomem dos Capuchinhos ganhou corpo na voz do Joaquim, conhecido como Joaquim Madruga, um vigia noturno - não levaram muito a sério porque ele gostava da manguaça. Um jovem desenhista, morador do bairro, Hélcio Rogério, também, foi testemunha, ao ouvir os seus urros e as passadas rápidas pelo calçamento. O desenhista varava a madrugada desenhando quando o avistou de uma janela que ficava próximo da sua prancheta - uma coincidência, naquela noite o mesmo desenhava uma hq de terror, de lobisomem e vampiros. depois de uma semana, Hélcio nunca mais foi visto. Está na lista dos desaparecidos da Polinter.

Um caso de polícia, pensavam. Outros dizim que o desenhista arrumou as malas e foi tentar a sorte nos EUA, desenhando Super-Heróis.

A coisa começou a mudar, quando as vítimas começaram a aparecer. Mulheres eram atacadas, tinham suas vestes rasgadas, outras eram escarreiradas, estudantes, crianças. A partir das 23 h, o terror começava nas ruas próximas da igreja e da escola. Uma rua pouco movimentada á noite, repleta de arvoredos, casas de muros altos - uma rua habitada pela classe média - e, todos sabem que a classe média vive enclausurada em suas residências - com a proteção aparente de cercas elétricas, cães raivosos e câmeras.

O boato correu e saiu no jornal da cidade e nas rádios. Todos falavam a respeito do lobisomem da Santa Mônica, que rondava pelas ruas que circundavam a igreja dos Capuchinhos. As crianças viviam apavoradas, as mulheres assustadas e reduziu de forma assustadora a frequência escolar das adolescentes nas aulas noturnas. Suspeitavam da família de estranhos que moravam nos fundos da igreja. Uma jovem estudante, e escritora, Cecília Alves Feitosa foi a segunda moradora a entrar para a lista de desaparecidos. Dizem que, longo tempo tentando passar no vestibular da UEFS, cansou-se, e foi tentar entrar numa faculdade de outra cidade, outro estado - a mesma tinha obsessão em fazer advocacia, e ser uma futura juíza. Sua mãe não deu informações que ajudassem muito à polícia, ou a vizinhança - tinham uma vida muito reservada.

Era mais uma dia, na igreja dos Capuchinos, um momento insólito interrompe a refeição do padre, logo pela manhã.

- Padre, eu moro aqui do lado...

Soou a voz quase abafada do jovem esquálido, de pele amarelada, por trás do padre.

- Mas, como entrou aqui, quem é você...?- Disse o padre, assustado, tinha os talheres nas mãos, fazia a refeição matinal. Estava sozinho na casa paroquial. Segurou com firmeza a faca de serra.

- Na verdade, nem sei como entrei aqui, quando dei por mim, estava aqui dentro. Acho que pulei o muro, sei lá, à noite e adormeci no pártio.

- Você tentou roubar a igreja? Não temos posses, não guardo dinheiro na casa paroquial. Não tente contra minha vida, não é que eu tenha medo de morrer, mas não quero ter uma morte trágica. Sempre pensei em morrer de velhice.

O garoto não demonstrava nervosismo, nem estar com tensão. Os braços cruzados no tórax, as pernas cruzadas, um dos ombros apoiado na parede.

- Já ouviu falar do lobisomem, padre... ?

- Já, bobagem, crendice popular. Invencionice do povo que não tem o que fazer. Por acaso, toma remédio controlado?

- Não.. Não é, não, o lobisomem existe, e ele é diferente dos lobisomens dos filmes, ele é inteligente, quando mata, esconde os corpos para não chamar muito a atenção. Acho que não perde o seu lado racional, entendeu?

Então, ele relatou para o padre as muitas histórias que ouvira contar nos últimos tempos. Falou do sumiço do vigia noturno, o biriteiro que, desde que vira o lobisomem pela última vez, desaparecera misteriosamente. Falou da esposa do Val da quitanda. os dois viviam brigando e ela ameaçava ir embora. Ela não foi, dizia. Foi mais uma vítima do lobisomem. Os ladrões do bairro foram todos vítimas do bicho, foram perseguidos durante à noite e foram esquartejados por garras ferinas. Algumas estudantes que estão na lista de desaparecidos - todas vítimas do animal assassino, meio homem, meio bicho.

- Não me interessa saber dessas coisas, meu filho, por favor, queria se retirar. Não entendo como pôde ter pulado um muro tão alto, um ser humano comum jamais conseguiria sem usar uma escada, ou se escondeu durante a missa, e ficou dentro da igreja...?

- Não, eu pulei o muro, mesmo. Quer dizer, eu acho...na verdade, sou um dos Pereira. O padre não não sabia da minha existência na família.

- Tá, so falta me dizer que é o lobisomem da Santa Mônica. - Disse o pároco, dando uma risada abafada, rouca. Passava o guardanapo nos lábios e sorvia o suco de manga, o seu predileto. A faca de mesa segurava na mão - parecia temer uma reação a qualquer momento do jovem. A sua mãe devia ter me informado de sua pessoa.

- Sempre adorei coisas do outro mundo, tenho uma atração natural pelo sobrenatural. Ja passei noites por entre as tumbas do cemitério, so para sentir aquela atmosfera sinistra, macabra. Andava de túmulo em túmulo, lendo os nomes dos mortos, olhando suas fotos e chamando pelo nome de cada um. Era como um ritual de invocação, entende? Lindas mocinhas enterradas ali, um desperdício.

- Minha Nossa Senhora, que coisa sinistra, isso não é coisa de um ser humano normal. Ja tivemos, não muito longe daqui, um jovem de comportamento semelhante, um tal de Tales, ja falecido. Gostava tanto de cemitério que acabou morrendo tão jovem. Está enterrado no cemitério da matriz, o Piedade.

- Eu moro na rua sem saída, próximo da casa que cedeu a minha mãe. Sou o filho segundo mais velho, o senhor sabe..

- Ah, sei, você são estranhos, vivem trancados em casa. Pela madrugada se ouve ruídos estranhos vindo da casa de vocês, até parecem urros. Não me diga que você é o ...

- Tenho um irmão doente, ele tem crises horríveis, se contorce na cama, baba...passa a noite urrando feito uma besta.

- Caso não queria se retirar, vou chamar à polícia.

Disse o padre, sacudia a faca, de forma ameaçadora numa das mãos. Não entendo onde quer chegar. estava, agora de pé, nervoso.

- Tudo o que eu queria ver é como acontece. Ver os pelos crescendo, as unhas saindo e o corpo se metamorfoseando na fera noturna. As mãos se transformando em garras, o rosto mudando de humano para lobo.

- Por quê pede isso?...aqui é a casa de Deus, não é a casa das coisas sinistras. Não estamos num circo dos horrores.

- Eu tenho uma sensibilidade acentuada, padre, entre os muitos suspeitos, acabei descobrindo que o lobisomem da Santa Mônica é o senhor. Sinto as suas energias em profundo negrume. Aparenta ser um das sombras. O cheiro de sangue lhe é atraente. É portador do instinto de caçador. Adora escolher a presa, encurralar e abater. Tem sido assim, ao longo dos séculos, não é verdade?

- Não seja tolo, todos diziam que era o vigia bebum, e ele sumiu misteriosamente, ainda é um forte suspeito.

Mas, depois que descobri que vocês são sete irmãos, e que tem um primogênito que nasceu sete anos depois, um tocado pela maldição do lobisomem, assim conta a lenda, não é verdade...? Tenho farto material que fala a respeito na biblioteca da casa paroquial. Livros originais, em inglês londrino, escritos á mão - preciosidades seculares.

- Sei, padre, casei tudo isso, e descobri, também que foi a casa paroquial que nos procurou e alugou a casinha da rua sem saída, descobri que os imóveis pertencem à igreja, não é verdade...? O senhor ficou sabendo de nossa família e fez a caridade, o senhor sabe, como é. Fez questão de nos tirar de oito quarteirões de distância e nos colocar ao lado da igreja. Foi nuos buscar na invasão Vietnã, do outro lado da pista da Presidente Dutra. Não cobra o lauguel, paga as contas de água e luz.

- Mas, afinal de contas quer provar o quê...?

- Eu quero ver a transformação, como nos filmes, padre..Estou aqui, porque a tolerância das famílias das vítimas do lobisomem acabou. Não há mais espaço, a imprensa vai estar na cola e a polícia.

Invadiram a nossa casa, mataram meu irmão, de forma cruel, padre. A tv não noticiou o crime como devia. Disseram que foi troca de tiros entre traficantes rivais. Sabemos que não foi assim.

- Filho, acalme-se a maldição acabou. para tudo tem um jeito.

- Não, padre, você é o lobisomem. Veio da Itália, por proteção, um escândalo desse abalaria mais ainda ainda a igreja, ja tão abalada pelos casos de pedofilia. E, foi mandado para cá. Então, agora está de viagem para outra casa paroquial, não é verdade? Não tem mais como ficar por aqui...

Então, a sua fúria cresceu, a adrenalina inundou o seu sangue. E, como num filme do cinema americano, as orelhas do padre ficaram pontiagudas, sua epiderme foi tomada por camadas de pelos escuros, grossos, asquerosos, como pelos de rato de esgoto. Sua mandíbula foi crescendo, de forma excepcional, ganhando a forma de focinho de um lobo. Os olhos ficaram vermelhos. dentes pontiagudos, de besta se desenharam na sua arcada dentária. As unhas se agigantaram, tornando-se garras que dilacerariam músculos e ossos como se fossem papel. Um urro surgiu de sua garganta de bicho inundando à igreja, chocando-se nas paredes e ribombando, como um sino estridente. A fera, estava ali, na sua frente, o lobisomem da Santa Mônica.

- Maravilha, fico emocionado...- disse o garoto, com frieza, sem tremer.

- Tolo, é o seu fim, vou transformar seu corpo numa pasta disforme com as minhas garras - disse o padre lobo, esta última frase, antes que se transformasse num lobo homem por completo. Mas, teve surpresa maior, ao ver que o menino amarelo também sabia brincar de vítima e lobo.

- O meu irmão doente é mais velho do que eu, eu sou o sétimo filho, padre. Eu não quero ter concorrentes aqui na Santa Mônica, mês que venho entrarei para o seminário, quero ser padre, também - vociferou com desdém, deboche - o garoto, enquanto seu corpo se transformava num lobisomem. E, ali o lobo mais jovem, com certeza ganharia àquele embate raivoso. A maldição do lobisomem da Santa Mônica sobreviveria por mais longos anos. Na polinter tinha os seguintes nomes dos desaparecidos, na vizinhança:

- O casal Val e Narinha da Quitanda ( desempregado, quitandeira)

- Dorinha Estrela ( Poetisa e estudante) e jovem atriz de teatro.

- Claudynha (poetisa, escritora, apelidada de Amiga de Verdade)

- Hélcio Rogério ( desenhista de quadrinhos e de publicidade)

- "Seo" Joaquim Madruga ( vigia noturno)

- Fernandes Carvalho ( estudante e escritor)

- Gantz ( escritor)

- Sandra Franco Der Rosenrot (Mãe de família, escritora)

Além das estudantes:

- Lima Anita

- Cláudia Sobral

E o padre Luiggi Villaggio - que desapareceu deixando biscoitos, pão, café-com-leite e uma fatia de mamão papaia na mesa de refeições da casa paroquial.

Os assassinos da famíia Pereira, os estranhos, estavam encucados, pois, o mistério continuava. A maioria dos desaparecidos tinha alguma relação com a literatura, ou com as artes. Estranho, muito estranho.

( Continua)

www.recantodasletras.com.br

Leônidas Grego

* Informações mais detalhadas a respeito do lobisomem da Santa Mônica, gentileza, enviar para o meu email. A busca continua para solucionar tal mistério, ainda mais que o desenhista de quadrinhos desaparecido era meu amigo pessoal, de longa data.

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 31/08/2012
Reeditado em 24/02/2014
Código do texto: T3858944
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