Matadouro

Aquele era o último trabalho que eu gostaria de fazer na minha vida, mas a necessidade e as bocas que eu tinha que alimentar me levaram a fazer aquilo.

Todas as madrugadas ouvindo aqueles gritos de dor e desespero.

Aqueles olhares cheio de pavor que parecam pedir climência acabavam comigo. Minha vida não era mais a mesma.

Aquele lugar era definitivamente o inferno, um inferno onde todos usavam roupas brancas, pura irônia.

Um branco que em poucos minutos ficavam todo manchado de vermelho, de sangue que jorrava das jugulares cortadas de animais muitas vezes ainda vivos.

Eu não conseguia entender como podíamos fazer essa crueldade. Matar animais que sentiam a mesma dor que sentimos, simplemente para satsfazer nosso desejo carnal.

Era inconcebível tal atitude em ser humano.

Ao passo que os outros trabalhadores mais velhos de emprego estavam acostumados a tal atrocidade.

Mas eu não podia deixar meus filhos e esposa passarem fome, então tive de me sujeitar a tal emprego hediondo até encontrar outro.

Mas confesso que aquilo estava me levanto ao desespero e à loucura.

Quando eu dormiu eu via aqueles olhares me culpando, Ouvia gritos dos animais e gemidos de dor. Via o sangue jorrando.

Acordava desesperado. E mais ainda ficava em saber que aquilo me esperava todo dia.

O inferno estava lá.

Depois de um tempo, comecei a outros barulhos estranhos na madrugada, quando estava trabalhando.

Comentei com meus colegas de trabalho mas ninguém havia ouvido nada.

Havia mais alguma coisa lá, além dos trabalhadores e do gado sendo assassinado.

Numa madrugada fria, quando todos saíram e foram para o lanche no refeitório, acabei ficando para trás e me vi sozinho no galpão onde havíamos abatido muito gado naquela noite e muito sangue havia jorrado naquele local.

Estava me dirigindo ao refeitório e ouvi vozes, grunhidos e gritos. Eram humanos. Eu estava de costas para o local de onde vinham os sons. Senti uma calafrio tomar conta de meu corpo.

Tive medo de me virar mas a curiosidade foi mais forte. Me arrependo até hoje de não ter seguido para o refeitório e não olhado para trás.

Eram muitos. Estavam lá. Imundos. Olhos desesperados à procura de sangue. Lambiam o chão. Se acotovelavam uns sobre os outros. De repente todos ao mesmo tempo me encararam. Seus olhos eram assustadores. Estavam todos lambuzados de sangue. Um sangue já seco.

Rapidamente desviaram seus olhos e voltaram ao ato de se servirem de sangue.

Fiquei ali paralisado, apenas olhando.

Um deles veio em minha direção. parecia jovem, mas tinha uma fisionomia de dor e desespero.

Nunca tive tanto medo em minha vida. Não sabia o que ou quem eram eles. Vampiros? Demônios? ou o que?

Ele se aproximou e me disse, expondo seus dentes sujos de sangue:

- Sei que não somos uma visão agradável, mas não fazemos mal a ninguém. Não sei como você nos viu hoje.

Todo o tempo estamos por aqui. Precisamos de vida, de sangue quente para nos mantermos.

O que somos, você deve estar pensando. Pois bem somos humanos que já faleceram e não conseguem se livrar dos desejos carnais e o sangue dos animais supre nossas necessidades. Sim, é horrível essa vida pós morte para nós.

Mas enquanto os humanos se alimentarem de animais não humanos sempre teremos nosso combustível.

Não tive palavras para responder qualquer coisa que fosse.

Fiquei ali imóvel vendo aquele ser voltar ao bando e continuar a se alimentar de sangue fresco.

Aos poucos foram se dissipando como uma névoa.

Aos poucos meus colegas foram voltando so refeitório e me questionram o porque de eu nem ter ido tomar o lanche.

Eu estava em choque, sabia que estava ali, apenas não os víamos.

Comecei a tremer e procurei meu encarregado e me demiti.

Voltei para casa pela madrugada afora.

Eles estavam lá. O tempo todo.

Em todos os matadouros.

Nós os alimentávamos.

Consegui outro emprego e nunca mais me alimentei de carne e nem minha família.

Mas ainda hoje quando relembro essa passagem em minha vida, sinto as mesmas sensações daquela madrugada.

E medo. Muito medo.

Eles ainda estão lá. Sempre estarão...

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 30/08/2012
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