Fada dos dentes

- Eu tô falando o lugar é seguro.

- Eu não quero correr o risco de ser preso Marlon.

- Menores de idade presos no Brasil? Só leva a erva e deixa o local comigo, 21h00h lá, não esquece, vou ter que desligar.

Meia hora antes do horário marcado Marlon estava em frente ao hospital abandonado da cidade, esperava impaciente a chegada de Hiago.

- Esse seu amigo não vai chegar Marlon?

- Edu, calma, ele vai chegar. – Alguém apareceu na esquina ao longe na esquina e se aproximava rápido dos dois.

- Onde está a grana? – Hiago olhava para os lados, visivelmente desconfiado.

- Cadê a erva. – Fez uma pausa e olhou nos olhos de Hiago, que parecia relutante. - Loiro?

- Está aqui, me passa a grana e eu te dou a erva, anda logo estamos em um lugar aberto, pode aparecer alguém.

- Vamos entrar lá. – Ele apontou para o hospital. - Eu te passo a grana e nós três usamos a erva. – Marlon e Eduardo seguiram para a lateral do prédio, deram a volta enquanto Hiago os seguia sussurrando.

- Isso não estava combinado, eu não consumo o produto, você sabe só repasso. – Marlon fingiu não ouvir e com a ajuda de Edu moveu uma pia de mármore próxima à parede, liberando um buraco, os dois entraram enquanto ele olhava relutante. – Droga! Me espera pelo menos.

Hiago tentava convencer os outros a lhes entregar o dinheiro, mas eles seguiram em frente. O lugar estava em ruínas, paredes descascando, no longo corredor as portas das salas estavam abertas, à única luz no local era a da lua que invadia o ambiente pelas frestas do telhado, o silêncio era quebrado pelo canto melancólico dos Urutaus camuflados nas árvores ao redor do hospital.

- Lugar é sinistro. – Falou Edu parando em frente a uma placa com letras gastas onde estava escrito UTI, ele entrou na sala e sentou em uma cama coberta de fuligem enquanto tirava o isqueiro do bolso. – Tem muita coisa aqui que poderia ser aproveitada, vender para “carburar”.

- O que tinha de bom aqui já venderam. – Marlon pegou o dinheiro e entregou a Hiago. – Agora manda a erva.

- Toma. – Entregou o pacote com uma mão e com a outra puxou o dinheiro, Marlon sentou em uma cadeira de rodas velha, pegou uma folha e começou a preparar os cigarros enquanto Hiago conferia o pagamento.

– Tem certeza que não vai querer loiro? – Deu um risinho enquanto apontava um cigarro para Hiago.

– Desculpa, mas eu sou careta. Tudo certo, foi bom fazer negócios com vocês e até a próxima. – Disse virando as costas e dando o fora do lugar.

Hiago andava o mais rápido possível pelo corredor sem olhar para trás, estava se sentindo mal, o local não inspirava confiança. Do lado de fora os Urutaus se agitaram nas árvores, alguns levantaram voo entrando no hospital e passando rente a sua cabeça.

- Malditos pássaros. – Tentou se proteger, cambaleou e não percebeu que alguma coisa tomava forma nas suas costas, só sentiu um forte golpe na cabeça que o deixou atordoado. Nada fazia sentido, os sons da noite se misturavam, sentiu a arreia no rosto, entrando na boca, estava sendo arrastado, puxado pelos pés para algum lugar do hospital, o sangue nos olhos turvou sua visão, ele apagou.

Marlon e Edu já haviam terminado de fumar os cigarros e agora andavam pelo corredor em direção ao buraco.

- Essa erva era da boa, muito boa mesmo.

- Cala boca e vamos embora. – Ele empurrou a bancada de proteção para o amigo passar. – Minha vez, segura firme ai agora.

Depois de saírem do hospital eles vedaram bem o lugar com a velha pia, deram a volta e chegaram à rua, enquanto isso Hiago retomava a consciência. Estava imóvel deitado em uma cadeira, braços e pés amarrados, a boca aberta por um suporte, sentia o gosto de sangue e ferrugem se misturando, podia sentir também a presença de mais alguém. Uma luz se aproximava, uma lanterna, enquanto a luz vacilante chegava perto seus fachos iluminavam o local.

Ele olhou de relance e a sua direita suportes metálicos de seringas brilhavam nos espaços que a ferrugem ainda não havia preenchido, na sua linha de visão um refletor cirúrgico coberto de fuligem, restos de alicates em uma bandeja a sua esquerda, canos a amostra na parte do teto que ainda estava inteira, de maneira grosseira a lanterna foi encaixada no meio do refletor iluminando seu rosto.

Hiago tremia, a forma sinistra se movia lentamente, era enorme e exalava um cheiro insuportável que deixou o ar rançoso, parou do seu lado e pegou um alicate daqueles encontrados em caixas de ferramentas. Hiago tentava gritar, mas não conseguia, apenas produzia sussurros incompreensíveis, gemidos, o alicate foi enfiado em sua boca, lágrimas inundaram seu rosto, ele sentiu a pressão feita próxima à língua, a força foi tamanha que um de seus dentes foi destruído, outro dente foi alcançado pelo alicate, torcido lentamente e arrancado de uma só vez, Hiago se contorcia de dor e o sangue jorrava de sua boca, um a um todos os seus dentes foram arrancados enquanto ele engasgava com seu próprio sangue.

A dor era insuportável e ele não tinha mais forças para lutar, a criatura foi na direção das sombras e sumiu, um tempo depois estava de volta, e então Hiago pode ver o seu rosto, era um homem assustador, visivelmente desequilibrado, durante todo o tempo não falou nada.

A mão esquerda do homem estava cheia de pequenas moedas que reluziam quando passavam pelos fechos de luz, ele pegou uma e levou em direção da boca de Hiago e cravou em sua gengiva, depois outra e outra, de um canto a outro, fez a mesma coisa na parte de cima, uma dor lancinante tomou conta de Hiago. O homem recolheu os dentes na bandeja e saiu, Hiago estava perdendo os sentidos lentamente, fechou os olhos e agora ouvia os passos ao longe se distanciando no corredor, passou que se misturavam ao canto melancólico dos Urutaus.

Na Rua Marlon e Edu ainda se recuperavam dos efeitos das drogas quando o smartphone de Edu começou a vibrar.

- Olha isso Marlon. – Ele estendeu o smartphone.

- O que é isso?

- É mais uma daquelas noticias falsas que circulam pelo Whatsapp, só pode.

- Certo, me deixa ver. – Marlon pegou o Smartphone e começou a ler. - Os quinze presos, que estavam custodiados no Complexo Penitenciário de... Foram transferidos para unidades prisionais federais fora do estado do... Nesta quarta-feira e bla, bla, bla. Depois de um acidente envolvendo o veiculo que os transportava os criminosos de alta periculosidade fugiram, incluindo um louco conhecido como “fada dos dentes”, não saiam de casa até que seja seguro, a policia decretou toque de recolher...

- Fada dos dentes? – Edu riu.

- É melhor a gente ir, vai que a fada aparece junto com o coelho da páscoa.

Dahlon
Enviado por Dahlon em 29/08/2012
Reeditado em 29/07/2017
Código do texto: T3855313
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