O carrasco

A lâmina afiada desceu velozmente. A pequena multidão que acompanhava a execução desviou os olhos incomodada. O carrasco observava satisfeito. Para ele era sempre um prazer o momento em que a cabeça do condenado era separada do corpo. Sua alegria começava quando ao assistir a um julgamento, ouvia a palavra: Morte por decapitação. A partir desse momento, ele vivia do pavor do condenado. Era para ele, delicioso perceber o medo ir se intensificando no acusado. Muitos em desespero choravam e rogavam em vãopor clemência. A sala onde eram realizados julgamentos estava lotada. Era a primeira vez que havia na cidadezinha o julgamento de uma bruxa. Ali era proibido qualquer tipo de religião que não fosse católica. Benzeção e o uso de ervas desconhecidas, eram consideradas arte maligna. A ré uma senhora de mais de sessenta anos, assistia calmamente o seu julgamento. Até tentara se defender no momento da sua prisão. Explicara que não fazia bruxarias, que herdara da mãe o dom de benzer, mas os policiais não queriam explicação. Havia meses que ninguém era decapitado, e o povo começava a abusar. Era preciso manter a ordem a qualquer preço. Quando o juiz deferiu a sentença, a acusada olhou longamente para os presentes. Muitos desviaram o olhar, pois a conheciam bem demais para saberem que era inocente. A mulher encarou então o carrasco, e a satisfação que viu no rosto dele despertou nela uma forte fúria. Sem conseguir se conter ela gritou: “Está contente maldito?” O coveiro riu desdenhosamente. Adorava presenciar esses ataques, era sinal de que o (a) condenado (a) estava se borrando de medo. O sorriso do coveiro enraiveceu ainda mais a mulher, que continuou vociferando. “Maldito seja você que se compraz com a desgraça alheia. Essa será sua última execução. O sofrimento há de te acompanhar até o dia da sua morte.” A mulher voltou a olhar para seus conterrâneos e falou em uma voz profética. “Todos vocês que aqui estão assistindo esse julgamento abusivo, e que não se manifestaram em minha defesa. Uma grande calamidade vai assolar essa cidade. Vocês e seus filhos terão um fim terrível.” Muitos fizeram o sinal da cruz, enquanto um frio gelado percorria lhes o corpo. Outros deixaram o recinto apressadamente, levando com eles o pavor depois daquela profecia. Houve até quem tentou se desculpar, mas nessa hora o juiz fez sinal aos guardas para conduzirem a ré ate o local da execução. Dessa vez não houve plateia. Apenas o carrasco assistiu a decapitação macabra. Na semana em que a mulher foi morta, houve uma infestação de ratos na cidade. As ratazanas enormes destruíram víveres e atacaram a dentadas a população espalhando doenças. Houve muitas mortes. Na segunda semana, cobras venenosas apareceram nas casas e o número de mortos foi maior ainda. Na terceira semana uma tempestade forte varreu a cidadezinha do mapa. Quase todos os habitantes foram extintos, somente o carrasco que havia sido atacado pelos ratos e cobras, que tivera sua moradia levada pela água, permaneceu vivo. Grandes feridas cobriram todo o seu corpo, e uma febre persistente o acompanhava da manhã á noite. Deitado em meio aos escombros que restaram da cidade, ele implorava pela morte, mas essa na figura da idosa que ele executara, gargalhava horrivelmente com seus dentes apodrecidos. 27/08/2012 Para Julio Cesar Dosan