A Foice

Havia cores no paraíso e flores no olhar. Nas lágrimas não havia desespero. Não havia resistência no sorriso. Não havia a dor, não havia o medo. Era pacato e leve, de tão leve floreado. Era frio a ponto de não se sentir frio e quente a ponto de não se sentir calor. Não era morno, mas era ameno. O cheiro era feliz e a felicidade doce.

Em meio a tanta serenidade, ela espreitava negra. Não era afável muito menos má. Era impassível do seu modo, derradeira do seu jeito. Era sua função e não havia consciência ou racionalidade que a mudasse, mesmo porque a racionalidade era si mesma embora a achassem irracional.

Ali estava a morte, olhando pra criança que brincava no parque, sozinha. A gélida e destineira foice dançava de um lado para o outro. Não havia o que a criança temer porque naquela vida, naquela idade e naquele lugar não há nada para se temer.

Entediada com o monte de areia que supostamente eram um castelo, a criança resolveu que ia subir na árvore. As goiabas estavam maduras. Não era uma má idéia.

Sorrateira como sempre, a morte aproximou-se da criança e parou ao pé da árvore. Observou-a subir cada vez mais alto, com a destreza que só as crianças possuem. Ela queria uma gorda goiaba que estava no ponto mais alto da árvore.

Os pezinhos ágeis apoiavam nos galhos. Porém havia chovido e muito limo havia se formado nos galhos. Quando estava quase alcançando seu objetivo, o pezinho escorregou. A criança veio abaixo. A morte ergueu sua foice, precisa e derradeira, e desceu-a sobre a criança.

Assustado e chorando, o menininho viu-se pendurado pela roupa em um galho a menos de cinquenta centímetros do chão.

A morte então guardou sua foice e partiu. Ainda não havia chegado a hora daquele ser e essa era uma das pouquíssimas vezes em que havia usado sua foice para algo que não fosse ceifar vidas.