A moradora

Na primeira semana em que eu estava morando aqui nessa cidadezinha encravada no meio das montanhas, tudo correu muito bem. A casa que eu alugara era bem pequena e antiga. Na sua frente um jardim bem velho, antigo, com algumas plantas secas e uma pequena estátua bem ao centro. Na verdade aquela estátua me incomodava mais do que deveria.

Era uma espécie de anjo, mas sua fisionomia era de maldade. Era uma criança com asas bem pequenas. E lógico, com aparência muito envelhecida. Evitava até olhar para tal objeto. E para ser sincero, não me lembro de tê-la visto lá quando visitei a casa pela primeira vez.

Minha intenção ao me mudar para aquela cidade era primeiramente me reencontrar após alguns infotúnios pelos quais estava passando. Meu filho havia se suicidado e minha esposa me culpava por isso. A situação ficou de tal maneira insustentável que ela me deixou. Não tive mais notícias dela, simplesmente não a encontrei mais numa tarde quando voltei para casa.

Entrei em crise, não estava mais conseguindo trabalhar e nada mais.

Comecei a passar os dias e as noites pelas ruas, perdi o sentido de tudo.

Acabei tomando a decisão de mudar de vida, mudar de cidade, ir para onde nada me lembrasse minha vida passada.

Cá estou eu.

Me levando pela manhã sem nada para fazer, vou dar uma volta pelas ruas, compro algo para comer.

Sento um pouco na praça e converso com pessoas.

Nada de interessante.

À noite volto para casa e passo as horas lendo e escrevendo em meu diário.

Certa tarde ao voltar para casa, ao entrar e me virar para fechar o portão, me deparei com algo estranho.

Do outro lado da rua bem em frente á minha casa, vi uma menina sentada na calçada, devia ter uns 8 anos e me olhava fixamente. Tinha um olhar melancólico. Triste. E usava uma roupa bem antiga, me fazendo lembrar antigas fotografias.

Isso me incomodou a ponto de sentir um certo arrepio. Dei um sorriso e fiz um aceno. Ela continuou ali, sem expressar nenhuma reação. Quando me distrai fechando o portão, ao voltar meu olhara para a menina, não a vi mais. Simplesmente desapareceu.

Outras vezes vivi a mesma experiência. Sempre no começo da noite. E escrevi no meu diário todas as sensações dessas experiências.

Mas a noite passada foi diferente. Eu chegava em casa, abri o portão e quando me virei, ela estava vem de frente ao portão.

Em pé, e me olhava com um olhar perdido no tempo. Nunca a tinha visto tão d eperto. e para meu espanto notei a semelhança entre ela e a estátua no meio do jardim que me dava tanto medo.

Mas sua fisionomia não tinha aquela aparência de maldade, e nem de bondade. Era uma fisionomia neutra.

Notei também que ela era de uma palidez que eu nunca tinha visto em outra pessoa.

Ela me disse oi. Demorei a responder. Perdi a voz. Estava realmente apavorado.

Depois de um tempo respondi e perguntei se ela morava por perto.

Apontando para minha casa, ela respondeu: Sim, eu moro ali.

Fiquei confuso. Disse a ela que eu morava ali.

A menina então, baixou a cabeça e pude perceber que estava chorando.

Fiquei sem saber o que fazer. Minha imaginação voou. E a certeza de que aquela menina não estava viva, tomou posse de meu ser.

A chamei e ela olhou para mim, mas agora não era mais a menina, mas sim uma criatura em decomposição. Um cadáver deixando expostos seus ossos, sua carne putrida a se decompor. Dei vários passos para trás, quase caí.

Ela olhou novamente para o chão por alguns segundos e depois me olhou de novo. Era novamente a garota.

E agora tinha um sorriso nos lábios, um tanto assustador.

Posso entrar? Ela perguntou me olhando nos olhos.

Automaticamente respondi sim.

Ela passou pelo portão fechado e por mim como se não existíssemos.

Me virei e a vi caminhando para o quintal da casa até desaparecer com uma névoa.

Nunca mais a vi.

Sempre olho para a calçada quando chego em casa. Mas nunca mais.

Algum tempo depois fiquei sabendo que há muitos anos atrás, naquela casa, um crime havia acontecido.

Uma menina havia sido assassinada pelos próprios pais, que abandonaram o corpo da filha no quintal e nunca mais foram vistos. E nem o motivo do crime foi descoberto.

Ela sempre iria morar lá naquela casa.

Apesar de nunca mais a ter visto, comecei a ter pesadelos e acabei me mudando de cidade.

E quando eu estava saindo para ir embora, notei que a estátua não mais estava no jardim.

Fechei o portão e olhei para o quintal. Pela última vez eu a vi. Ela perecia um pouco mais velha, me acenou e deu um sorriso.

Percebi que ela estava bem. Ela morava lá. Somente ela.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 21/08/2012
Código do texto: T3842083
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