Admirável Apocalipse
O mar, verde, elevava-se em ondas. Do alto da minha cobertura, estendia os olhos ao infinito enquanto manchas escuras pontilhavam o oceano aqui e acolá. Na extensa orla, antes ocupada por banhistas, via-se apenas os militares em suas trincheiras, com metralhadoras e canhões apontando para o horizonte.
A tensão habitava o ar deixando-o elétrico. Sentia-se a angústia de cada respiração ofegante. A água agitava-se com as manchas movendo-se nervosamente. Os militares não queriam desperdiçar munição. Podia-se antever que a empreitada poderia ser mais um redundante fracasso. Outros países já haviam sido atacados e, a maioria, era muito melhor armada que o nosso. O fator surpresa os desnorteara e agora, diante daquela imprevisível e inédita força, não se sabia ao certo o que fazer.
As especulações eram inúmeras. Diziam ser fruto de experiências secretas dos americanos. Outros afirmavam que seriam alienígenas. A corrente, no entanto, que mais ganhava força dizia que foram mutações originárias do desastre na Usina japonesa de Fukojima, após a explosão do reator provocada pelo terremoto de 2011.
Primeiro constataram mutações em borboletas, depois em outros insetos, em peixes do mar, nos pássaros e até nos humanos. Entretanto, nossa espécie herdara o pior tipo de alteração desenvolvendo tumores que matavam em pouco tempo. Seja como for, estávamos diante de uma nova força da natureza.
Para nossa surpresa, quase ao meio-dia, as manchas pararam de se movimentar e afastaram-se para o mar adentro. Do nosso vigésimo andar, pude ver que se uniam constituindo uma enorme fileira negra alguns quilômetros adiante. Os militares na praia, a princípio, chegaram a comemorar o afastamento do estranho adversário. Sua alegria durara pouco. Formando uma corrente, percebeu-se que as criaturas, um tipo de molusco gigantesco e negro, disforme, similares a uma massa compacta de piche, agitavam-se em movimentos elevando-se até a tona após mergulharem a alguma profundidade.
Como se fossem inteligentes, criaram ondas que, a cada minuto, cresciam em tamanho e intensidade. Nas outras investidas não fora assim. Simplesmente saíram do oceano e, literalmente, tragaram e digeriram tudo que encontravam. Não tivemos a mesma sorte. Uma gigantesca tsunami foi formada e Copacabana começou a ser varrida do mapa. Pude ver os soldados em pânico, fugindo sem sucesso antes que as ondas os tragassem.
Atendendo a uma ordem do comando, os caças e bombardeiros avançaram sobre nossas cabeças alvejando aquela forma negra que provocava nossa destruição. Os mísseis e bombas pareciam não fazer efeito, ao contrário, conforme já fora relatado em outras localidades, nossa agressão parecia ampliar-lhes o poder. As explosões, ao invés de ocorrer, eram absorvidas pelas criaturas que, multiplicavam seu tamanho como se a energia despendida fosse uma forma de alimento. Na verdade, tudo parecia alimentá-las.
Após as ondas devastarem a orla, vimos, para nosso espanto, as águas ficarem calmas e uma extensa muralha negra erguer-se no oceano. Nosso oponente, em seu magistral poder, avançava agora sobre a cidade como se fossem as próprias trevas de nossas iniquidades condenando o mundo e a humanidade por todos os pecados que havíamos cometido até então. Sempre soubemos que um dia a nossa espécie chegaria ao fim, somente não sabíamos que se daria daquela maneira, diante de um novo e colossal organismo, o qual, de maneira provável, se originara como subproduto de nosso descaso pelo meio-ambiente. O apocalipse avançava naquela textura reluzente de uma negritude que, se não fosse o próprio decreto de nosso fim, seria de magistral beleza...