MSS - A infância na periferia de São Paulo.
Sua primeira lembrança é a de sair de casa, abrindo apenas a parte de baixo da porta que se dividia e ir ao doceiro em frente a calçada comprar balas.
Lembra-se também de seu pai e sua mãe, abraçados, com ele e seu irmão brincando e fazendo loucurinhas, sente até o cheiro deste momento.
O problema é que depois disso, talvez aos seis ou sete anos de idade do Marcio, a empresa em que seu pai trabalhava faliu e não pagou nada ao funcionário dedicado e pontual pelos dezoito anos de trabalho, o que fez aquele pai, homem bom, honesto e dedicado, se tornar um alcoólatra, aliás, alcoólatra não, mas sim cachaceiro de boteco, legal e companheiro para todos da rua, mas um monstro desgraçado dentro de casa.
As próximas lembranças de Marcio seriam todas relacionadas à violência, hematomas e sangue, mas muito sangue mesmo, que, às vezes, jorrava de sua mãe, mas a maioria das vezes de buracos na cabeça de seu pai.
Ele se lembra de que em todos dias que seu pai ia para casa, sempre bêbado, parecia que seu hobby era bater em sua mulher e seus filhos. Lembrou-se também da vez que seu pai estava grudado no cabelo de sua mãe – que não deixava por menos, também o cacetava para não morrer – deixou a faca cair e sua mãe gritava “jogue fora, jogue fora” para a criança de sete ou oito anos. Marcio, mais que depressa pegou a faca e saiu correndo para fora. Escutou um grito e o monstro vindo em sua direção. Marcio havia jogado a faca dentro do bueiro, mas isso não impediu o interrogatório a respeito da arma, seguido de um soco no qual não se lembra de mais nada.
Isso ocorreu todos os santos dias que o maldito aparecia, passava três semanas longe e uma em casa, o que preocupava Marcio que temia por sua mãe e irmãos que o viam como pai substituto, pois, primogênito, era Marcio que os alimentava, dava banho, arrumava-os para ir para escola, os corrigia e até os ajudava na lição de casa, enquanto sua mãe se matava de trabalhar em todo tipo de serviço e sub emprego para dar de comer aos quatro filhos.
Marcio, até então ia para a igreja, pois sua mãe o obrigava, mas detestava Deus, ao ver que sua devota, evangélica pentecostal, sofria tanto na mão do Diabo. Pensava Márcio aos seu onze anos: “pra que perder tempo, nesses malditos cultos, pra que dar dízimos, ofertas, fazer votos para a vida continuar dessa maneira, sofrendo tanto”.
Marcio não brincava muito, pois todo o seu tempo era dedicado a ajudar sua mãe e aos doze, começou a fazer cursos e cursos gratuitos, ler livros, e arranjou um “bico”, o que o deixou sem tempo nenhum para ser criança, mas sim, um pai pré-adolescente.
Um dia a mãe de Marcio achou um sofá no lixo e reformou para colocar na sala vazia para seus filhos não dormissem mais no chão. Ficou bom, quase novo. O Demônio Espancador, apelido carinhoso que Marcio dera ao seu pai biológico, chegou em casa e depois de agredir a família toda, pegou o sofá, jogou no meio do quintal e colocou fogo, labaredas que Marcio lembra de vê-las queimando o varal e algumas roupas que ali se encontravam, chamando a atenção dos malditos vizinhos que não faziam nada para ajudar, mas sim os ridicularizavam no dia seguinte e nos próximos.
Outro dia, Marcio achou no lixo um aquário trincado, pegou este e o colou com Durepox – uma boa marca de massa plástica adesiva – que custou horrores, pois dava todo o dinheiro que ganhava nos seus “bicos” para sua mãe, para ajudar nas contas e na compra mensal.
Enfeitou-o com pedras e areia bem peneirada e lavada. Pegou alguns peixinhos no laguinho que ficava a uns cinco quilômetros de sua casa e no fim de semana no riachinho do Parque do Carmo. O Demônio Espancador chegou e depois de espancar toda família viu aquele aquário com peixinhos, bem enfeitado, na medida do possível, o pegou e levantou acima da cabeça e jogou no quintal. O menino Marcio de doze anos, com manchas roxas e sangue respingado pelo corpo, junto aos seus irmãos menores, puseram-se a salvar os peixinhos com tupperwares, enquanto o monstro pisava nos que a embriagues permitia ver.
Foi assim que Márcio libertou-se das correntes da religião que sua mãe lhe forçava a seguir e se tornou cético, na realidade ateu, mas não foi isso que o levou a internação na Febem (hoje Fundação Casa).
E você, também saberá, nos próximos capítulos, porque Marcio disse que se vingará ao ver sua esposa Jaque morrendo em sua frente.
Leia, nos próximo capítulos, sem data estipulada para postagem.
Esta história foi baseada em fatos reais, todos os fatos citados são verdadeiros, sendo fictícios apenas os nomes e locais, para preservar os protagonistas da história real.