Cutelo
_ A desgraçada, maldita “dus infernu” não parava de falar. – Disse BitShit DevilEvil, terminando torcer o pano que estava no rodo com o que ele limpava o chão, e continuou:
_ É blá, blá, blá, você não ajuda com a louça, você não ajuda a tirar pó, você não ajuda a limpar o chão! – tentando fazer voz fina, que ecoava agora no silencio da casa.
Sua esposa era modelo, e largou a carreira ao se encantar com aquele jovem jornalista que se formará a pouco e prometia uma carreira promissora como escritor. Hoje, vê na sala, sentado no sofá, um careca barrigudo que engorda dois ou três kilos sempre que pega seu canudo e algumas latas de cerveja. Um notebook nas pernas e nenhum livro editado.
Talvez por isso que ela vivia com a cabeça cheia de bobs e roupa de ficar em casa, gritando e reclamando, arrumando aquela casa que o serviço nunca acabava.
_ Ela sabia que a editora pediu o conto “O Autista”, falta três dias de prazo e não estou nem na metade! Mas nããããããão, ficava falando, falando, blá, blá, blá... blá, blá, blá... eu não conseguia escutar nem meus pensamentos. – Continuou BitShit DevilEvil, falando também incessantemente enquanto guardava o balde e rodo que usou para limpar o chão da sala e cozinha e se preparava para voltar para o notebook.
Mas o que aconteceu? O que fez careca barrigudo levantar-se e ajudar na limpeza que a esposa tanto reclamava a falta de ajuda?
Estava no quarta com o notebook trabalhando no conto. Sua esposa veio reclamando para perto dele. Sua voz entrava na sua cabeça, explodindo os tímpanos a cada agudo mais alto. Levantou-se lentamente e foi para sala, sem se importar com o falatório do satã – assim imaginava.
Para sua surpresa ela foi atrás dele. E ficava falando, falando, tirando pó dos móveis limpos. Calmamente se levantou e foi para cozinha, carregando, como sempre, o seu conto embaixo do braço.
Nem meia hora depois, ela estava lá, falando, falando com aquela voz esganiçada.
Enquanto ela falava, falava, passando pano no micro-ondas limpo, ele, levemente como uma bailarina, levantou-se foi a gaveta de talheres e pegou o maior cutelo de churrasco. Vagarosamente, como um gato a espreita de sua caça, foi até ela que estava de costas e deu-lhe um golpe no meio da cabeça, o que encerrou imediatamente o falatório do demônio.
Não contente, forçou para tirar o machado da cabeça dela e atacou seguidamente mais dezoito golpes, o que dilacerou totalmente sua caixa craniana.
Voltou a pia, pegou a scotch-brite e detergente e lavou o cutelo assoviando uma canção de Choppin, Nocturno.
Assoviando agora Blade Runner de Vangelis, pegou o corpo embrulhou-o com sacos de lixo e fita adesiva e colocou dentro do sofá. O sofá o qual ele geralmente sentava para escrever seus contos e artigos para sustentar a “voz do capeta”.
Encerrou os assovios com Lacrimosa de Mozart, enquanto ia para lavanderia pegar o balde, rodo e água sanitária para limpar o maldito sangue espalhado pelos cômodos e preparar-se para voltar a escrever seu conto com toda a paz do mundo que Deus ofereceu aos homens de bem.