Amálgama Fantasma - Cap 1
Antes de começar gostaria de pedir desculpas pois não sabia como classificar o texto, não sabia se ele se enquadraria em terror mas como têm fantasmas acabei colocando aqui, se por algum motivo o pessoal achar errado, só colocar nos comentários que mudo.
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I
- Isso é tão–
- Normal? – o homem respondeu com um sorriso cansado.
- É. Normal seria uma boa palavra. Não é o que normalmente se espera–
- De uma casa mal-assombrada? – O homem voltou a completar.
Enzo assentiu conforme caminhávamos por uma pequena ponte que cobria um riacho com não mais de meio palmo de profundidade. Mais a frente seguimos por um caminho onde centenas de flores nos recepcionaram. Eram tantas que um especialista teria dificuldades em nomear, e de tantas cores que seria preciso um moderníssimo equipamento para distinguir todas as tonalidades.
Mas o mais incrível era a casa.
Casas assombradas deveriam ser grandes, escuras e assustadoras. Se possível com uma névoa obscurecendo seus traços, tornando-os indistintos como os fantasmas que ali habitavam. Estava certo que a casa diante de nossos olhos era grande, dois andares distribuídos por um espaço do tamanho de algumas quadras de futsal, mas as semelhanças paravam por ai... Sua pintura era branca com toques azuis no telhado, a entrada feita com colunas de mármore abraçadas por uma hera de tons esverdeados, gigantescas janelas cobriam as laterais e podiam escurecer o exterior ao permitirem toda a luz do Sol entrar.
Se houvesse uma palavra para definir aquela construção essa palavra seria deslumbrante.
Bem, isso para os outros. Porque para mim aquele lugar era bem assustador.
- Com os senhores aqui poderemos começar. É... Senhor...
- Enzo – Enzo disse num tom monótono – E a histérica ali atrás é Talita.
Ótimo, estávamos ali a menos de cinco minutos e o Enzo já pegava no meu pé. Mas eu não deixaria aquilo barato, ainda mais diante do nosso anfitrião, então engoli meu medo e acelerei parando diante daquele chato. Coloquei uma mão no quadril e comecei a bater o pé para que ele soubesse o que eu pensava de seu comentário.
- Eu não sou uma histérica, tá legal!
Aquilo pareceu meio histérico mas eu não me importei.
- Tudo bem – Enzo disse dando de ombros – Só vamos logo, quero me livrar desse peso. – Terminou dando tapinhas na mochila que carregava.
Eu rapidamente engoli minha raiva e levei meus punhos fechados diante dos lábios, finalmente expressando minha opinião sobre o que achava daquele lugar.
- Eeeeenzooooo... Nós temos mesmo que entrar... Esse lugar me dá arrepios...
Enzo passou por mim como se eu não tivesse dito nada.
- Não tenho culpa. Precisamos de dinheiro e esse é o primeiro trabalho em meses. Quem sabe se você não tivesse recusado aquele emprego de garçonete...
Eu não evitei corar. Enzo tinha um problema com jogos de azar e chocolates o que nos deixava a maior parte do tempo no vermelho, e como sua profissão não era muito requisitada ele volta e meia tentava me arrumar algum bico de natureza duvidosa.
- Você queria que eu me tornasse garçonete... de um bordel! – disse virando para ele.
- Eles pagavam bem.
Apontei um feroz polegar em minha direção.
- Eu só tenho quinze anos!
- Por isso eles ofereceram o dobro do salário.
- Eu... Eu... Eu... Eu devia te denunciar!
Enzo deu de ombros e se calou. Ele e nosso anfitrião já estavam a uns bons vinte passos e o medo de ficar sozinha acabou me fazendo seguí-los.
Vou explicar a situação até aqui.
Desde que me lembro estou sozinha nesse grande mundo. Sem pais, família, amigos ou conhecidos. Minha vida se resumia a fugir e ser recapturada por diversos orfanatos, roubar comida ou qualquer coisa que pudesse ser convertida nela e tentar evitar problemas com marginais. Às vezes alguma dessas coisas dava errado e eu precisava passar uma temporada em algum hospital que tivesse a bondade de atender uma coitada como eu. Não nego que sempre tentaram me ajudar, os orfanatos, os hospitais, as pessoas que me encontravam pelas ruas... mas elas nada podiam fazer. Eu mesma nada podia fazer contra aquelas companhias que volta e meia cruzavam meu caminho...
Eu sabia quando alguma coisa ruim ia acontecer. Sabia que aquela seria a última vez que aquela jovem atravessaria a rua. Sabia que o coração daquele senhor era uma estrada esburacada que não tardaria em ter um acidente sério. Sabia que o jovem que caminhava com fone nos ouvidos teria um desagradável encontro com outros jovens que levariam mais do que seu Ipod.
Isso quando eu não encontrava todas essas figuras depois que elas passavam para o outro lado...
Podia ser um arrepio, um cheiro, um vulto, uma voz, ou um misto de tudo. Sensações tão assustadoras que me faziam fugir para qualquer direção na esperança de me ver livre delas. Mas não importava o quanto eu corresse, o quanto me escondesse, elas sempre me encontravam. Eu era um grande ímã para o sobrenatural.
Eu sentia a morte, os mortos e qualquer coisa relacionada a eles. Como as gentis pessoas nos orfanatos, nos hospitais ou nas ruas poderiam me ajudar?
Mesmo jovem eu já havia me conformado com a solidão e só não decidira dar um fim a minha vida porque sabia que encontraria muitas mais daquelas coisas se abraçasse o suicídio.
Então ele apareceu.
Foi num episódio particularmente desagradável que acabei conhecendo Enzo. Um quase-quarentão rabugento, com olhos como buracos-negros, cabelos escuros e enrolados como um ninho de ratos, uma barba que sendo feita ou não tinha a mágica de permanecer com o tamanho certo para fazer-lhe parecer um vagabundo que está a dias enchendo a cara.
Ele era assustador para uma garota de nove anos mas era a única pessoa que podia me ajudar.
Enzo era orgulhoso por ser o único parapsicoinvestigador do mundo. Eu não demorei a entender o que aquela inovadora profissão era... Enzo basicamente ia para os lugares mais assustadores do planeta resolver os problemas de seus moradores, e a partir do momento que nos tornamos uma dupla eu passei a acompanhá-lo em missões que fariam até o mais valente dos soldados molhar as calças.
Estávamos em uma missão dessas agora.
Nosso anfitrião, senhor Basílio, já tinha certa idade. Seu ralo cabelo era branco e seus olhos cor de mel cobertos por tantas rugas que era difícil saber quando estavam abertos ou fechados. Ele caminhava com o corpo arqueado como se a gravidade o afetasse mais do que afetava as pessoas normais, para completar a sensação suas pernas corroídas pela osteoporose estavam flexionadas como as de um recém nascido.
Ele nos conduziu até a porta da frente, em madeira ricamente trabalhada e com um puxador de bronze na forma de uma gárgula. Antes de entrar respirei fundo ajeitando meu rabo de cavalo, meus cabelos castanhos eram compridos e eu não gostava de deixá-los soltos. Esfreguei meus olhos cor de mel com dedos trêmulos e me preparei para pôr minha vida em risco mais uma vez...
- Com vocês o grupo está completo então poderemos começar. – Nosso anfitrião, senhor Basílio, disse antes de nos convidar para entrar.
A porta foi aberta revelando uma escadaria de mármore claro, os degraus possuíam um carpete próprio que deveria ter custado algumas fortunas. Haviam quadros nas paredes de temas diversos e passagens laterais dos dois lados. O senhor Basílio nos conduziu para a direita colocando-nos diante de uma sala que me fez esquecer por um momento as terríveis sensações que já começavam a me assolavar.
- Uau!
Era grande! Mais do que isso, era imenso! O pequeno casebre do Enzo era uma piada perto daquele cômodo! As imensas janelas estavam com as imensas cortinas abertas, jogando uma luz clara por todo o local. Num dos cantos existia uma grande lareira com o quadro de um austero homem sobre ela. Próximo, uma grande fileira de armários com peças de cristal tão brilhantes que algum efeito de computador parecia adicionado a atmosfera. Uma série de sofás estavam dispostos junto a uma mesa de centro, tão macias que um rato poderia se perder em seu meio até ser encontrado por algum azarado morador.
Mas não parecia haver nenhum rato pelas redondezas. Pelo menos as duas figuras sobre os sofás faziam parecer que não.
Uma era de um senhor na casa dos cinquenta. Pelo menos era o que seus cabelos brancos e as rugas diziam, porque se você visse a profundidade de seus olhos azuis era como olhar um adolescente no auge da juventude. O senhor usava uma batina negra com um tecido roxo sobre os ombros vindo até a cintura, a Bíblia aberta sobre o colo deixava claro que não fora só Enzo e eu os convocados para acabar com as assombrações daquela casa.
No outro extremo havia uma mulher com não mais de trinta anos. Cabelos castanhos viçosos que chegavam ao meio das costas. Olhos verdes que pareciam observar cada canto da sala independente de onde apontassem. A mulher vestia calças jeans e camiseta casuais. Minha percepção me dizia que ela tinha perturbações parecidas com as minhas.
Enzo foi até um dos sofás largando a mochila com um baque. Eu me sentei a seu lado. Nosso anfitrião buscou lugar em outro assento e acabamos os cinco encarando uns aos outros.
- Aos que chegaram mais cedo, peço desculpas pelos que se atrasaram – Basílio saudou e os olhares vieram para mim e Enzo. Eu não sabia a hora que Enzo havia marcado mas já tinha noção de seu histórico de não pontualidade. – Agora que estamos todos aqui poderemos começar, e é bom fazermos isso antes que eles decidam nos matar.
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Um texto mais longo, espero que o pessoal goste e se possível comente (normalmente acho meus escritos longos meio maçantes...)
Continua dia 08/08
Até lá!