A maldição da família Fernandez

- Afaste-se de mim! – Gritou Álvaro Conrado, em total desespero.

Acordou enquanto sentia as mãos grandes e enrugadas fechando-se em sua garganta. Não podia reconhecer de quem se tratava uma vez que o ser estava envolto em uma grande bata negra que lhe cobria todo o corpo, inclusive a cabeça, assemelhava-se mais a um daqueles fantasmas dos desenhos animados, só que o lençol era negro, ao invés de branco e não tinha nada de engraçado. As mãos enrugadas, grandes e com unhas grossas e amareladas, era a única parte do corpo que podia ser vista.

Álvaro vivia sozinho em sua grande casa de três quartos, grande demais para alguém que não recebia muitas visitas, mas o seu salário lhe permitiu adquirir aquele imóvel do alto de seus 30 anos recém-completos. A engenharia civil era um ramo que estava compensando. No entanto, sentia-se atormentado nas últimas semanas por pesadelos recorrentes envolvendo sempre a mesma entidade que aparentava não querer-lhe muito bem.

Conversou com os amigos próximos que lhe deram os mais variados conselhos. Uns disseram que não era nada, outros que procurasse um padre, outros um pastor e por último o médico, para que lhe receitasse um medicamento, pois era óbvio que aquilo era fruto do estresse dos últimos dias provocado pelo excesso de trabalho em decorrência da mais nova construção de um edifício de dez andares.

Por ser católico foi a igreja, o padre lhe recomendou que rezasse o terço antes de dormir todas as noites. Não demonstrou muita crença com relação a esse suposto fantasma, e não soube identificá-lo pela descrição. Após algumas noites em claro devido a novos pesadelos em que a entidade tentava atraí-lo para um local escuro, procurou um pastor de uma igreja evangélica. Após ser indagado se queria aceitar Jesus, e responder que preferia pensar, passou a frequentar alguns cultos e fazer muitas orações, mas os terríveis sonhos continuavam. Por último foi ao médico que após uma bateria de exames lhe receitou remédios para dormir, mas nem estes o impediam de acordar à noite olhando para todos os lados imaginando estar sendo observado.

Os dias avançavam, quando soube como estava, a sua mãe, a imponente senhora Marcelina Fernandez foi visitá-lo. Levou consigo a irmã de Álvaro, do qual este não gostava muito. Recebeu-as bem e contou em detalhes o que se passava, os terríveis e reais pesadelos como se estivesse sendo perseguido por esse espírito ou entidade, não definida.

- Meu amor – disse a senhora Fernandez – eu sabia que você passaria por isso. Não é o primeiro de nossa família a sofrer essa perseguição.

- Como assim? Não estou entendendo – disse Álvaro olhando para a mãe. Os três estavam na sala de estar, sentados nos sofás e poltronas, Jeniffer, irmã de Álvaro a tudo observava, surpreendentemente em silêncio já que era conhecida pela tagarelice sem fim. A mãe queria que ela também ouvisse.

- Antes de morrer – continuou a senhora Fernandez – seu pai me deu isso e pediu que entregasse a você no momento certo – puxou da bolsa um pequeno caderno com poucas páginas, em torno de 10, parecia ser muito antigo, e entregou-o a Álvaro que o recebeu folheando-o com cuidado.

- Do que se trata?- perguntou enquanto lia palavras que não compreendia.

- Há muito tempo o tataravô de seu pai desejou riqueza e poder a todo custo, para isso procurou um sacerdote de artes ocultas que intermediou um pacto com uma entidade malévola definida como o “Cumpridor”, um demônio. Em troca do atendimento de seus desejos ele prometeu a vida e alma de seu filho mais velho. Isso se consumaria apenas quando o jovem completasse três décadas de vida. Tanto tempo era necessário para que o preço fosse mais alto. A entidade viria buscá-lo e levá-lo para as sombras eternas. Mas quando o filho nasceu, dotado de um arrependimento que parecia querer lhe destruir por dentro, o velho homem quis desfazer o acordo, não queria renunciar a vida do filho a quem tanto amava e investiu tempo e dinheiro na busca por uma saída. Após percorrer os lugares mais longínquos encontrou esse folheto com um sacerdote estudioso de ocultismo que há muito custo lhe vendeu e explicou como deveria ser lido. Trata-se de uma oração para neutralizar a vontade insaciável da entidade que o persegue. No entanto, a perseguição do “Cumpridor” continuaria pelas gerações seguintes, ele havia cumprido a sua parte no acordo e queria ser pago.

Após a primeira sensação de incredulidade Álvaro por fim perguntou:

- Como funciona?

- Hoje à meia noite deve ajoelhar-se e ler todo esse folheto em voz alta. Quando terminar deve começar de novo, e de novo, e de novo, até os primeiros raios solares banharem esta casa.

- Onde devo fazer isso?

- Não há um local específico ou sagrado, faça isso no seu quarto. Nós duas não o perturbaremos. Ficaremos em nosso quarto, mas saiba que estaremos ouvindo, e estaremos com você.

- Também precisarei fazer isso um dia, mãe? – perguntou Jeniffer.

-Não querida, essa maldição persegue apenas os primogênitos – respondeu a mãe.

- Ufa! Dessa eu escapei – disse Jeniffer deixando transparecer um excessivo alívio.

Álvaro lhe dirigiu um olhar que demonstrava a vontade que sentia de esganá-la, mas ao invés, olhou para a mãe e disse:

- Bem, então é só ler isso? – disse segurando o folheto com a mão direita.

- Não é apenas ler, é ler como se orasse, e acreditar! – respondeu efusivamente.

A noite já havia chegado. Todos foram jantar. Álvaro comeu pouco como era de se esperar, estava inquieto, apesar de ser conhecido entre os amigos pela tranquilidade. A noite avançou. O relógio da parede já acusava 23h30mim.

- Devo ir – disse Álvaro dirigindo-se ao quarto.

- Aconteça o que acontecer, não pare! Me ouviu? Não pare por nada! – disse determinadamente a senhora Fernandez.

- Sim, senhora!

Entrou no quarto e segurou as amarelas e frágeis páginas entre as mãos. Olhou para o relógio de pulso: 23h59min. Usando apenas um calção, ajoelhou-se no chão e começou a ler as estranhas palavras dispostas em versos como nos livros religiosos. Alguns faziam sentido, outros não, mas em todos podia perceber a clara intenção de deixá-lo livre do mal que o perseguia. A noite deu lugar a fria madrugada, tremendo e sentindo dores Álvaro não parava de ler nem para olhar o relógio que denunciava ser exatas 1h00.

A temperatura caiu mais ainda, teve o impulso de pegar uma coberta na sua cama, mas não o fez. Se tivesse se erguido teria visto a entidade atrás dele a observá-lo com punhos erguidos e fechados nunca clara demonstração de hostilidade, ali permaneceu por muito tempo, sumindo e ressurgindo. Enquanto desencadeasse a leitura nada poderia lhe acontecer, sentia-se com sono, cansado. As últimas noites mal dormidas estavam cobrando um preço. Persistia na leitura e foi até o fim. A entidade nunca saiu de seu quarto e para sua felicidade e saúde cardíaca, não a viu, mas sentiu-se observado durante toda a noite.

De repente, a porta de seu quarto começou a se abrir vagarosamente.

- Querido? – disse a sua mãe – já são 7h00. O sol nos brinda com a sua presença.

Nesse momento Álvaro deixou escapar um gemido de alívio, todo o seu corpo doía. Sentia câimbras por todo o corpo. Deixou-se cair apoiando-se na cama que estava próxima.

- Pensei que nunca fosse amanhecer. Acabou?

- Para você sim – disse a senhora Fernandez enquanto se dirigia rapidamente para o filho e olhava a horripilante inscrição em vermelho sangue na parede.

Ao perceber a face da mãe Álvaro virou-se e também viu: “Seus descendentes jamais terão paz! Ainda voltarei para buscar o que é meu!”. O jovem guardou o folheto como o tesouro valioso que era, para um dia repassá-lo ao seu primogênito.

FIM.

Aermo Wolf
Enviado por Aermo Wolf em 31/07/2012
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