CURITIBA, INVERNO DE 1975

Há coisas que palavra nenhuma consegue explicar, coisas tão ricas em sentimentos que se tornam inexpressivas e vazias traduzidas em letras... pelos corredores brancos iluminados ela caminhava com dificuldades, arrastando um soro e apoiando-se nele a velha de longos cabelos grisalhos se dirigia lentamente para o jardim do hospital, em um velho banco de madeira embaixo da paineira ela sentou-se, com um sorriso e os olhos cheios de lágrimas contemplava a cena mais pura e linda de toda sua vida... as painas caiam em abundância naquele inverno, plumas brancas dançavam no ar com o sopro do vento, macias e leves forravam o chão, transformando a grama em nuvem... como no inverno de 75...

Corria desesperada descalça pela grama orvalhada, farpas e pedras ferindo seus pés já em carne viva, de longe avistou um casebre de madeira, sentiu a esperança brotar em seu coração... correu o mais rápido que pode, mas ao se aproximar temeu pelo pior, a casa parecia abandonada, bateu na porta e janelas. E nada, não havia ninguém.

Ele a alcançou, a agarrou pelas costas pressionando uma mão em sua garganta e outra desnudando seus seios, soube a intenção do meliante, um odor podre de seu caráter imundo a sufocava tanto quanto a força de seus braços... ela não tinha chances, apesar de seus quase quarenta anos, era pequena e magra, enquanto ele, embora fosse de baixa estatura, tinha os ombros largos e braços fortes... ela queria gritar, mas a pressão em sua garganta impedia que o fizesse, lágrimas escorriam de seu rosto marcado, então soube que morreria ali.

O homem a derrubou e pressionou seu rosto contra o chão de lama escura, rasgou sua roupa e a fez gritar, pressionava seu corpo tão forte contra o dela que lhe impedia a respiração, uma dor insuportável acompanhava as investidas do sujeito, e ela mãe de três filhos não podia imaginar nada mais monstruoso que um estupro, pois já não era jovem e nunca tinha sido bonita o suficiente para despertar o desejo incontrolável de um homem, mesmo assim estava sendo violentada sem nenhuma chance de defesa. Quando achou que aquilo tinha acabado, o agressor virou-a de frente e deu continuidade a tortura, ela pensou em seus filhos, dois ainda pequenos, e um instinto de sobrevivência invadiu a mãe dona de casa, que em um súbito acesso de raiva agarrou a cabeça do homem e cravou os polegares em seus olhos com força... e mais força. Ele tentou libertar-se mais era tarde demais, a mulher pode ouvir o estralo de algo estourando e uma geléia branca começou a sair da cavidade em seu rosto e o homem gritou...

Ela deu início a uma nova fuga, sangue escorrendo por entre as pernas, com o corpo e o orgulho ferido saiu em disparada para liberdade, ao lado da velha casa de madeira tropeçou em uma pilha de lenha e caiu, bateu a cabeça contra o cabo de um machado, mas levantou-se depressa para continuar a correr, porém alguns poucos metros à frente, parou... olhou para traz... viu o agressor com o rosto coberto de sangue se arrastando, tateando o chão e praguejando, voltou devagar pegou o machado e seguiu em direção a ele...

O primeiro golpe foi nas costas, uma fenda vermelha se abriu o homem caiu com o rosto no chão e gemeu, outro golpe nas pernas o sangue jorrou pela veia artéria e o homem... chorou e suplicou pela vida. Ela o virou, encarou seu rosto ensanguentado e sem dizer uma palavra desferiu mais golpes, um na virilha, ainda a mostra, que dividiu seu membro em dois, outro no peito, o agressor estirado no chão apenas tentava inutilmente defender-se com as mãos, mais dois golpes arrancaram seus braços de seu corpo e então um golpe em seu rosto o silenciou. A mulher enlouquecida continuou a retalhar o indivíduo como se fosse um galho podre até transformá-lo em uma poça de sangue, carne e ossos quebrados.

Estava frio, uma névoa branca saia de sua boca a cada respiração, olhou para seu feito, o homem não parecia diferente de um animal qualquer morto, estraçalhado, o sangue era vermelho em qualquer raça... de repente um súbito desejo invadiu o corpo e a mente da mulher, ela se ajoelhou frente ao corpo, enfiou o braço até o cotovelo entre as costelas quebradas do morto, sentiu o calor morno do sangue confortá-la, segurou algo que poderia ser um pedaço do coração do homem, sem pensar duas vezes com uma voracidade desconhecida por ela, colocou a carne crua na boca e mastigou, era dura mais tinha um sabor doce, provou outros pedaços de texturas diferentes e gostou de todos, sentindo um prazer que nunca havia experimentado na vida. Comeu até sentir-se saciada, e então... continuou a comer, um vento gelado soprava em seu rosto, quando viu pequenos flocos brancos caírem do céu.

Era neve... parecia inacreditável que nevasse ali, ela nunca tinha visto algo tão lindo. Levantou-se, o gelo delicadamente desenhado caia em seu rosto derretendo em suas bochechas, ela rodopiou, dançando com os pontos brancos levados pelo vento, sorrindo. A grama verde tornou-se um imenso tapete branco em poucos minutos e ela caminhou em direção a sua casa, sentindo o gelo macio embaixo dos pés descalços, com certeza chegaria a tempo de preparar o almoço para os filhos.

Eliane Verica
Enviado por Eliane Verica em 25/07/2012
Reeditado em 26/07/2012
Código do texto: T3796494
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