A Capela
Munhoz Velho, 1.934.
Um jovem viajante que passava pela pequena vila, em uma noite de muita chuva, frio e escuridão buscou um local coberto para se proteger. A única estalagem estava já de portas fechadas e com um aviso, informando a falta de vagas.
Então, o mancebo avistou ao longe, a adentrar pelos matos uma velha capela. Por julgar ser ali um local santo, no qual poderia repousar-se madrugada adentro envolto da proteção, assegurada pelos santos, caminhou, a pisar em longas poças de lama até alcançar seu objetivo.
Para sua intensa satisfação, a porta da mesma se encontrava apenas encostada. Adentrando, encontrou uma pequena tramela, com a qual travou o acesso.
Lá dentro, uma tremenda escuridão, quebrada apenas pelos fachos de luz que penetravam pela velha vidraça, quase toda já quebrada.
Tirou sua capa de chuva, colocando-a pendurada em uma imagem de São Benedito. De seu alforge retirou um pequeno manto, estirando-o sobre o chão frio, cobrindo-se com partes do mesmo, para finalmente recostar e descansar um pouco da longa caminhada.
O pobre rapaz logo adormeceu, sendo, horas mais tarde despertado por ruidosos trovões. Um tanto assustado, observou a pouca claridade ali residente sombras de santos católicos e alguns vasinhos em prateleiras, mas nada visto de forma clara.
Tomado pelo imenso cansaço reclinou-se novamente e pegou no sono minutos depois.
De repente um novo despertar. Algo atingiu uma das poucas vidraças inteiras, com ruído semelhante a uma pedra lançada. Além do barulho, o pobre homem agora teria que conviver o restante da noite com o pinga e pingo da chuva sobre seu rosto. Tentou mudar de posição, mas devido às constantes despertadas, o sono já havia partido.
Então, sentou-se sobre o manto a observar as escuras paredes do local. A ausência quase total da luz fazia-lhe enxergar o nada, como se este remetesse alguma realidade.
A tempestade cada vez mais intensa parecia querer invadir a saleta santificada.
Por volta da quarta vigília, o sono finalmente retornou, e o pobre viajante deitou-se a pegar no sono. Mas isso durou pouco tempo. Alguns ruídos fortes entoaram a porta da velha edificação, semelhante ao som de alguém batendo na porta, querendo entrar.
Mas quem seria naquela hora?
Incomodado e já cansado por não conseguir dormir, levantou-se, bradando sobre quem o estaria incomodando naquela hora.
Ao abrir a velha porta não avistou ninguém à princípio, até olhar para baixo e enxergar um menino, de aparência assustadora, de pé, olhar sombrio, com uma pequena capa azul, todo molhado pela chuva.
Vendo tal figura misteriosa e macabra, o homem saltou para trás, escorregando e caindo com as nádegas no chão.
O menino caminhou alguns passos em sua direção. Nesse momento, não se sabia qual das duas figuras ali presentes estavam mais tomadas pela palidez, se o rapaz ou o garoto, que ao que tudo aparentava, não era deste mundo.
Então o homem, tomado por um terror imenso, já a encharcar as peças debaixo, pedia, em tom de clamor:
-Por favor, sai daqui, coisa ruim, alma do outro mundo, me deixe em paz, eu sou de paz...
O garoto, de olhos avermelhados e pele muito branco-esverdeada abriu sua boca e disse, com voz grossa, semelhante a de um adulto:
-Saia da minha casa!
O rapaz gritava ainda mais assustado, quando, levantando-se repentinamente, bateu com a cabeça em uma das prateleiras, sendo atingido por um dos vasos nela colocado, vindo a desmaiar.
Na manhã seguinte, por volta das sete horas, o viajante acordou com certa tonteira, e uma forte dor de cabeça.
Ao passar a mão, encontrou um pequeno ferimento e estilhaços do vaso à sua volta.
A porta estava fechada e travada com a tramela. Uma vaga lembrança vinha-lhe ao pensamento, acerca daquela noite assustadora.
Após alguns minutos de adaptação psíquica e reconhecimento do local, veio então um susto: a capela, na verdade era um túmulo. Olhando pela janela, percebeu que estava dentro de um cemitério, daquele vilarejo.
Com o fim da tempestade, os raios de Sol da manhã brilhavam sobre o chão barrento do campo santo, ainda tomado por várias poças de água.
Vislumbrando para o interior da capela, viu uma pequena lápide com alguns dizeres.
O terror viria nesse momento, quando viu um nome, algumas datas e uma foto, a do mesmo garoto que o visitara de madrugada. Estranhamente, a imagem pareceu se mexer, os olhos avermelhar-se e nos dizeres abaixo da mesma a inesquecível frase: “saia da minha casa”.
O rapaz deu um pulo, indo até a porta, que teimava em não se abrir. Com um golpe, quebrou a velha estrutura de madeira, saindo em disparada, com seu alforge e largando seu manto para trás.
Seus pés espatifavam sobre a terra ainda mole pela chuva, fazendo-o tropeçar e cair várias vezes.
Um dos moradores do vilarejo correu ao seu encontro, tentando ajuda-lo. Assustado, o viajante somente dizia:
-Me deixe ir, ele vai me pegar, o garoto da capela vem me pegar!
-Que garoto rapaz, que capela?
-Aquele ali, olhe só, olha lá!
Quando virou seu rosto para o fundo, não havia capela alguma, nem cruzes ou catacumbas. Um pouco mais calmo e de pé, reconheceu seu pai, que o levantava novamente, e paciente o conduziu para dentro de casa.
-Mulher, você esqueceu de novo o remédio dele? Ele tava lá fora, gritando, todo cheio de lama.
-Ah, o que eu faço com esse menino? Eu dei o remédio sim, homem, mas acho que não faz mais efeito.
Mais calmo e após um banho e algumas injeções, o rapaz deitou-se novamente na cama. Quando seria o próximo acesso de loucura, não se sabe.
Sobre a penteadeira do quarto, frascos, comprimidos, um copo com água e uma imagem de São Benedito.