Carta de um Vampiro - "Inspirado na série Diário de um Vampiro"

“A sede pelo sangue não é uma opção e sim uma necessidade”

Carta de um vampiro

Isabelly estava vasculhando as coisas da mãe. Sentou-se a beira de um baú velho e abriu-o. Ali havia de tudo, antiguidades, roupas de época, livros, até um estranho envelope. Ela o abriu e encontrou a carta.

Meu nome é Gregório Fontini, mas para maioria sou Greg. Escrevo essa carta com um único intuito. Estou disposto a morrer por uma segunda vez, e me livrar dessa maldita maldição. Entretanto a sede tem sido cada vez mais insaciável e tenho lutado incontidamente contra minha parte humana que ainda insiste em se sobressair. Se você achar essa carta terá a chance de matar um vampiro de verdade.

Hoje retornei a minha cidade, já faz quinze dias que fui transformado e deixado à beira da morte.

Havia acabado de tomar o trem rumo a Vitória, o vagão estava praticamente vazio. Estávamos eu, uma senhora e seu filhinho, e mais atrás uma linda e bela mulher. O mais fascinante naquela eterna jovem, eram seus olhos e o tom da pele, pálida, entretanto deveras, instigante.

Sentei-me enquanto o som austero da locomotiva reinava sobre nossos ouvidos. A noite era serena e ao mesmo tempo se revelava perversa por detrás da mata fechada que nos cercava. O garotinho trazia consigo um pequeno boneco de madeira, provavelmente um presente do pai, pois se agarrava a ele de tal forma que aquilo me transmitia lembranças de meu falecido progenitor.

A mulher, mãe do garoto, o abraçava enquanto o carregava em seu colo. Sempre tive esse problema, ou quiçá isso de alguma forma seja uma solução. Sempre analisava cada pessoa, e buscava entender seus medos, os anseios, os olhares e principalmente seus corações.

Entretanto aquela jovem que trajava um vestido preto e longo, um chapéu da mesma cor, enquanto um véu quase lhe cobria o rosto, revelava apenas o necessário para que eu pudesse admirar sua intrigante beleza.

Nela não conhecia detectar nada, não dava para entender seu coração, seus sentimentos, era como se o olhar daqueles olhos esverdeados e quase iluminados por uma energia mórbida não carregasse desprezo ou amor algum. Era como se não existisse vida no cerne de seu peito.

Apanhei o relógio que meu avô havia me dado, um belo objeto de ouro legítimo, que geralmente ficava no bolso de meu paletó. Olhei as horas, e vi que ainda eram vinte e trinta e oito. Encostei a cabeça no vidro e passei a contemplar a lua cheia e neutralizante. Meu coração praticamente parou enquanto me lembrava de minha amada Emanuelly.

Onde estaria ela? O que estaria fazendo? Lembrei-me de nosso ultimo encontro, de nossa ultima dança. Ela estava linda, seus cabelos caindo à altura dos ombros e seus olhos me enfeitiçando a cada passo enquanto eu a guiava, ela me levava a sentimentos perceptíveis. O toque de suas mãos em minhas mãos, os dedos em meus dedos. Joelhos encontrando-se enquanto continuávamos sob os olhares de todos naquele amplo salão de festas.

E lá estava eu agora, indo para uma ultima viagem, eu precisava encontrar o Coronel e tratar dos assuntos devidos para que ele me concedesse a mão de sua filha. Estava feliz e não tinha duvidas que ele me concederia isso. Pois era de bom grado que Emanuelly se juntasse a uma família importante como a minha. Os Fontini eram uma das famílias mais influentes daquela cidade.

Senti o trem oscilar e meus olhos piscaram. Ao abrir deles não enxerguei nada, pois as luzes do vagão haviam sido apagadas. Conheci um vento que bateu gélido contra meu corpo, como se algo passasse em alta velocidade ao meu lado e então ouvi o grito da mulher. Levantei-me apressado e confuso, na verdade imerso em meu medo.

- Acendam as luzes! O que está acontecendo aqui? – Perguntei completamente desolado. Ouvi mais um barulho, outro grito, agora o da criança, um choro quase abafado pelos ruídos das rodas deslizando sobre os trilhos. O frio voltou a me tocar, em forma de pavor.

As luzes se acenderam novamente e lá estavam eles caídos no chão de metal. A mulher ainda na poltrona, seu pescoço decaído enquanto uma ferida funesta se relevava em seu pescoço. Como se um animal a tivesse atacado, havia duas marcas de presas. Mais a frente o garoto estava no chão, estava de bruços e o pescoço estava quebrado enquanto outras duas feridas como as de sua mãe deixavam notória aquela semelhança.

Logo procurei a mulher, mas ela não estava ali, não onde eu pudesse vê-la. Vi-me perdido no centro do vagão. Meus olhos me enganavam, minha mente estava embaralhada. Lembrei-me de todas as estórias bobas que costumávamos ouvir. Mas não, eu não queria acreditar naquilo. Continuava a olhar para os corpos enquanto vias as feridas, o sangue, e tudo aquilo me paralisava.

Caminhei lentamente para perto dos corpos e os encarei mais de perto. Aquilo ainda me deixou mais confuso e inoperante. Não havia vida alguma neles, estavam secos e sem cor, como se todo sangue que houvesse neles tivesse sido sugado para fora de si. Senti que algo estava a minha espreita e então me virei abruptamente para trás num giro de cento e oitenta graus. Olhei e não vi nada, mas pude sentir algo se mover como se brincasse comigo.

- O que é você? – Perguntei amedrontado, mas seguro que ou aquilo era um pesadelo ou por mais que eu não quisesse aceitar, a lenda na verdade era real.

- Você já sabe, Greg – A voz disse incrivelmente sedutora, parecendo estar atrás de mim – Ainda confuso, e relutante dei um giro de trezentos e sessenta graus e não vi nada. Não poderia ser verdade. Eu teimava em acreditar, mas como ela sabia meu nome?

Pensei em correr e me dirigir a porta. E a voz dela chegou novamente aos meus ouvidos.

- Faça isso! Corra, pois eu quero caçar você! – Ela disse como se lesse meus pensamentos.

- Você é uma vampira? – Perguntei já sabendo a reposta óbvia.

- Sim – Disse ela, enquanto eu olhava para cima e a via zombeteira no teto do vagão. Estava ali, segura, seus braços abertos acima de minha cabeça. Os dentes afiados e engrandecidos. Enquanto a face, diferentemente do que havia visto antes, estava enrugada e horrenda. Seus olhos esverdeados agora eram completamente brancos e obscuros.

Dei dois passos com toda velocidade que pude arrancar de meu corpo e me senti seguro por ela. Ela me puxou para traz, uma mão segurava meu ombro, a outra minha cabeça. Lembro-me de um ultimo sorriso maquiavélico e por fim sua boca se abrir e seus dentes perfurarem meu pescoço.

Agora estou aqui e disposto a fazer a coisa certa. Chega de matança, chega disso tudo. Estou me afastando desse mundo e não resta nada que eu possa fazer. Emanuelly está morta. Não pude me conter e enquanto nos beijávamos não me controlei. Beijei-a como se aquilo tudo nunca fosse acabar. Senti o gosto de seu sangue, e aquilo era fascinante. Mesmo sabendo que ela morreria eu fui até o fim. Quando me dei por mim e a ultima gota foi tragada para dentro de meu ser deixei-a cair aos meus pés. Recuei enojado, mas estranhamente satisfeito.

Era um misto de sentimentos obscuros. Meus olhos voltaram ao normal e me assustei. Como eu pude fazer isso? Como? Eu pensava. Saltei da janela e fui caçado por dias. Na floresta não encontrei humanos, apenas animais. E o sangue deles era amargo, mas me sustentava. Porém faltava algo, faltava Emanuelly.

A culpa trouxe minha humanidade a tona novamente, mas de que adiantaria isso, pois eternamente eu seria um monstro. Decidido fui até a casa dele, e coloquei meu plano em prática.

- Quero que faça algo para mim! – Disse enquanto segurava sua mulher.

- O que você quer? – Ele me perguntou – Eu faço qualquer coisa, Greg.

- Me desculpe, mas preciso de sua ajuda, e sei que não fará nada sem minha ameaça. Quero um caixão de aço.

- Como? – Martim Perguntou – Mas, para que?

- Tentei me matar e não consigo, a fome fala mais alto, a vontade de continuar vivo. Eu não queria matá-la, não quis matar nenhum deles! – Eu dizia enquanto lágrima alguma chegava, meus olhos pareciam uma fonte seca.

- Se fizer você a deixa livre? – Ele perguntou.

- Faça isso por nossa amizade, Martim – Eu disse a soltando e me entregando a ele.

Ele fez o caixão e eu escrevi a carta. Agora a deixo aqui, dentro desse baú. Estou enterrado ao lado de Emanuelly, não posso garantir que esteja vivo, se estou definhando com o tempo, ou se vou ficar preso aqui, pois na verdade não tenho noção sequer do que é ser um vampiro. Tive muito pouco tempo. Quero apenas me entregar à sorte. Se você acha que isso pode ser real, apenas não abra o caixão.

Isabelly olhou para a carta, e então viu uma foto do casal. Uma foto colada à carta. Ela não podia entender aquilo. Olhou para o homem na antiga foto, seus dedos escorregaram pelo papel. Admirou aquilo enquanto se assustava com o rosto da mulher. Engoliu em seco e pensou se aquilo poderia ser verdade e o que explicaria toda a semelhança com a mulher da foto.

Sentiu algo incontrolável tomar conta de seus pensamentos e então chorou como alguém que acabasse de reencontrar algo.

- Mas o que é isso? – perguntou para si própria tentando entender seus sentimentos. Ela estava confusa, pegou a carta dobrou-a e saiu dali.

Continua...

Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 15/07/2012
Reeditado em 16/07/2012
Código do texto: T3779032
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