O PSICÓLOGO DO DIABO

Raimundo Nonato era um ex- perito criminal, depois de ter periciado todo tipo de vítima de crime, começou a ter pesadelos assim que se aposentou, achando que estava ficando louco, começou a fazer seções de psicanalise.

Deu o nome na clínica como Carlos Alberto.

Deitado no divã ele começou a contar seu drama:

- doutor, eu sei que tudo o que vou contar, não sairá daqui, mas o senhor promete que isso vai acontecer mesmo?

- claro seu Carlos, pode ficar tranquilo, tenho cliente de mais de 20 anos, pode ficar á vontade.

Raimundo se sentindo seguro, relaxou no confortável divã e começou a relatar seu caso.

- presenciei todos os tipos de vítimas dos mais diversos tipos de mortes, assassinatos, mortes suspeitas, suicídios, mortes de causas naturais, crianças, velhos, jovens, gente de todo tipo, cadáveres de todas as formas possíveis, recentes, em decomposição, ossadas, etc.

- enquanto estava na ativa estava tudo bem, meu sono era tranquilo, dormia que nem um anjo, nem nunca tive sonhos, muito menos pesadelos, mas foi só me aposentar, que tudo começou, isso afetou de certa forma a minha vida, acabei perdendo a minha casa e minha família, hoje vivo da minha aposentadoria e moro em uma pensão no centro do Brás, como irei passar com o senhor uma vez por mês, vou contar um dos sonhos, aí o senhor tira sua conclusão... – sonhei que saia de casa numa noite fria, era junho estava muito frio, assim como hoje, uma garoa fina quase imperceptível, molhava o asfalto e os carros estacionados na rua, era tão fina que só se podia vê-la através da luz dos postes da rua, ia até a rua Bresser onde ficava perto da estação do trem, não havia ninguém nas ruas, só alguns moradores de rua e drogados que ficavam deitados debaixo das coberturas das lojas, e enrolados com aqueles cobertores doados pela prefeitura ou por algumas ONGs, eu estava com um sobretudo de lã e botas,luvas de couro e um cachecol no pescoço e um chapéu de panamá, segurava um guarda chuva preto, não sabia bem o que eu estava fazendo, só sei que caminhava em direção a algum lugar quando saiu de um dos becos, uma prostituta, apesar de estar muito frio, ela estava apenas com uma saia muito curta vermelha com espartilho por baixo, um sutiã que cobria a metade dos seios, boa parte ficava á mostra, deveria estar drogada ou cheia de cachaça para ficar daquela forma num frio daqueles, ela me pegou pelo braço e praticamente me arrastou para o beco, dizendo que faria sexo por apenas alguns trocados, eu não falava nada, ela tomou a iniciativa ajoelhou-se e fez sexo oral, depois levantou-se e empenhou um punhal, encostando na minha garganta e pedindo todo o meu dinheiro, disse á ela que ia pegar no bolso do casaco, quando retornei com a mão, já estava em poder de uma peixeira tão afiada que podia cortar o mais fino papel, segurei aquela vagabunda pelo braço torcendo para trás e á golpeei no peito, depois dobrei sua cabeça para trás e cortei sua garganta que começou a jorrar sangue, ela tentou gritar, mas sua voz era tragada pelo sangue que engolia, larguei seu corpo caído ali no chão molhado e frio daquele beco escuro, limpei a peixeira na sua saia e lavei na água que caía do telhado, guardei a novamente no bolso do casaco, não me lembro o que aconteceu depois disso, acho que devia ter acordado durante o sono.

... Mas o estranho doutor, é que quando acordei pela manhã, a roupa que havia usado no sonho, estava jogada sobre uma cadeira, o sobretudo, a bota e o guarda chuva, as luvas ainda permaneciam em minhas mãos, depois que voltei do banheiro verifiquei o bolso do casaco e para meu espanto a peixeira ainda estava úmida e com algumas gotas de sangue, assustado e atônito a lavei novamente enquanto tomava banho, depois a guardei numa gaveta do criado mudo, durante o dia fui até uma banca de jornal próxima á pensão, o jornaleiro já me conhecia, sempre comprava o jornal da tarde, foi quando ele comentou uma noticia do jornal:

- rapaz você viu o que aconteceu na Bresser? Saiu até ai no jornal, mataram uma prostituta nessa madrugada, deram duas facadas no peito e lhe cortaram a garganta que quase separou do corpo, a policia acha que deve ter sido algum usuário de droga, já que naquele lugar perto da estação de trem tem muita gente desse tipo, alguns que dormiam por perto foram presos e soltos em seguida porque eles não viram nada e não foi encontrada nenhuma evidencia que foi algum deles, aquela noticia me deu um calafrio que doeu até a espinha dorsal, sem saber o que dizer, apenas disse que a cidade estava cada dia mais violenta, retornei para o meu quartinho na pensão e fui ler a noticia, na foto havia apenas uma pessoa coberta por jornais sob uma poça de sangue que se misturava com a água da chuva fina, um cordão de isolamento e alguns policiais que protegiam o local que provavelmente estava aguardando ex colegas de profissão, depois fui até um bar onde servia almoço e comi um virado á paulista, afinal era segunda feira, enquanto para alguns a semana começava, pra mim era apenas mais um dia como outro qualquer, já não sabia mais a diferença de segunda para domingo, só percebia quando via poucas pessoas nas ruas e o comercio fechado, mas sinceramente doutor, não fiquei preocupado com aquilo porque eu não me lembrava absolutamente de nada, aquela seria a primeira vez de outros pesadelos que desabafarei para o senhor mês que vem, quando eu retornar aqui.

- e agora seu Carlos, você esta se sentindo melhor? Quer falar mais alguma coisa?

- não senhor, por hoje está bom, mas me sinto aliviado, já estava ficando louco sem ter com quem me desabafar, eu retornarei novamente.

E assim aconteceu, passou-se um mês e Raimundo estava de novo lá na clinica deitado absoluto no seu confortável divã.

- boa tarde seu Carlos, fique a vontade quando quiser falar.

Raimundo relaxou o corpo robusto e com seus 1,90m, tomou um copo de água e respirou fundo antes de começar a falar.

- depois daquele ocorrido doutor, já foram muitos outros pesadelos da mesma forma, a segunda vez foi exatamente três semanas depois, neste dia eu lembro que estava chovendo o dia inteiro e tinha ido dormir mais cedo, antes de ir deitar estava com algumas pessoas que moravam na pensão, a maioria eram homens vindos do nordeste procurando emprego, outros eram trabalhadores que tinham deixado a família em outro Estado, peões de obra, ajudantes e garçons de restaurantes, tomamos algumas cervejas quando me despedi deles para ir pro meu quarto, no meu sono profundo sonhei que colocava uma capa de chuva amarela com capuz, uma casaco por baixo me protegia do frio, vesti minhas luvas e sai com meu guarda chuva

pelas ruas do Brás, eu sei que era madrugada, porque estava muito escura, a chuva estava muito forte, dessa vez tinha menos gente ainda nas ruas, era dia de domingo, provavelmente as pessoas de bem já estavam em casa se preparando para ir trabalhar, andei pela Avenida Celso Garcia até chegar á Rangel Pestana, nenhuma alma eu via no caminho, até que um individuo maltrapilho, mal cheiroso e com um cachimbo de crack na mão saiu de trás de um carrinho de sucata, me abordou pedindo uns trocados, eu disse que não tinha, mas ele não acreditou e veio pra cima de mim, eu o empurrei, mas um outro individuo de aparência idêntica veio por trás de mim e me agarrou mas, suas forças eram limitadas, o segurei pelo braço e torci por trás de seu corpo, enquanto o outro veio me agredir, foi quando não pensei duas vezes, puxei minha peixeira de dentro do casaco e desfechei o primeiro golpe, o acertei de cheio no peito enquanto o outro seguro pelo braço pedia por favor para não mata-lo, mas sua voz me irritou tanto que golpeei sua garganta imunda, o soltei e ele segurava tentando estancar o sangue, me abaixei e dei mais dois golpes no que estava caído, este já não se mexia mais, enquanto o outro abaixado e tentando andar para trás fugindo da morte era seguro por minhas mãos, olhava para ele impiedosamente e com um golpe fulminante Passei a peixeira no seu pescoço sujo, o sangue corria lavando aquela crosta de sujeira grudada ao seu corpo imundo. Encostei a ponta da faca no pescoço e desci até o umbigo fazendo um rasgo não muito profundo, o sangue era lavado pela chuva, puxei seu parceiro e os deixei um sobre o outro, como se estivessem se protegendo do frio, olhava para o céu e observava a água da chuva cair sobre meu rosto, foi nesta hora que acordei doutor, acordei ainda cansado , quando percebi estava deitado nu, a minha roupa estava pendurada no cabideiro, a capa de chuva ainda estava molhada, retirei a peixeira de dentro do casaco, eu não sabia como aquilo acontecia, a faca estava totalmente suja de sangue, a peguei e levei para o banheiro e lavei enquanto tomava banho, depois tive o cuidado de olhar no bolso do casaco que estava sujo com o sangue da faca, que depois levei para a lavanderia, antes de sair de casa fiz questão de cumprimentar as pessoas que estiveram comigo na noite anterior, - nossa, com essa chuva e esse friozinho dormi como urso.

- é seu Raimundo, essa noite choveu demais, o senhor já leu as noticias de hoje?

- ainda não por quê? Alguma coisa boa?

- antes fosse mais é só desgraça, a polícia encontrou dois moradores de rua mortos numa travessa da Rangel Pestana, um horror seu Raimundo, os dois homens em cima do outro e um rio de sangue debaixo deles, a água da chuva espalhou o sangue na avenida, fizeram um corte de cima abaixo na barriga de um deles, o outro teve a garganta furada e um corte no pescoço, mais um pouco a cabeça era separada do corpo, a policia acha que o assassino é o mesmo que matou a prostituta da Rua Bresser.

- desse jeito ninguém mais vai querer andar na rua a noite, ainda bem que vou dormir cedo, mas deve ser algum psicopata solto aí nas ruas.

- deve ser com certeza, já avisei pra minha esposa tomar cuidado quando sair do trabalho.

Eu concordei com ele, e sai para ver o jornal, mas ainda era cedo e fui tomar um cafezinho na padaria, todo mundo comentava a mesma coisa e eu segurava a sacola com o casaco dentro, levei logo para a lavanderia e retornei pra casa.

Depois disso doutor, eu percebi que as coisas estavam descontroladas, resolvi me mudar, sai da região do Brás e fui pro Tatuapé, dessa vez aluguei uma casa, minha aposentadoria não era tão ruim, achei que se mudasse de lugar e conhecer novas pessoas aquilo tudo que estava acontecendo comigo iria melhorar, as coisas acontecia e não me lembrava de nada no dia seguinte, nem mesmo de como eu chegava em casa, mas mesmo assim continuou a acontecer doutor, passou se dois meses, eu estava crente que tudo voltaria a ficar normal, e muitas outras vezes aconteceu, a ultima vitima doutor, foi ontem a noite, eu fui com uns amigos no Morumbi em um bar famoso que tem lá, na volta eles resolveram ir para uma boate, eu estava cansado e resolvi voltar pra casa, na avenida Melo Peixoto próximo á um hotel, um casal brigava, acho que a moça não queria dormir e ele insistia, ela saiu do carro e disse que ia pra casa sozinha ele a segurou pelo braço e começou a xinga-la de coisas horríveis, dava pra ver que ela era de uma família descente, era bonita educada e bem vestida, ela saiu correndo e foi em sentido ao metrô, mas já era tarde, ela teria que pegar um taxi para voltar pra casa, já o rapaz entrou no carro e foi embora, eu fui pra minha casa que era bem perto dali, o problema doutor é que pela manha quando acordei, vi meu casaco pendurado novamente no cabideiro, a faca estava lá, suja de sangue no mesmo bolso, de todos os casos eu nunca conseguia me lembrar de nada, só depois de algumas horas é que relampejos na minha mente me mostrava aos poucos os detalhes do que tinha acontecido, eu tinha que montar o quebra cabeça aos poucos até entender o que tinha feito, mas como havia voltado para casa é que fica um mistério, acordei com a sirene dos carros de policia pra lá e prá cá, quando liguei a tevê vi no noticiário da manhã avisando de um assassinato brutal numa rua próxima ao metrô, então doutor eu não sai de casa, fiquei o dia todo preso até agora e confesso que estou preocupado, agora Vou pra casa e trancar a porta e jogar a chave para o lado de fora e pegar só quando estiver acordado.

O doutor não disse nada porque tinha uma filha que morava no Tatuapé e se chamava Letícia.

Raimundo se levantou do divã e disse que aquela era a ultima vez que eles se viam, ele estava viajando para um lugar distante, afastado de tudo e de todos e que ia para o aeroporto, antes de sair pela porta, Raimundo disse suas ultimas palavras:

- doutor muito obrigado por ter me escutado, o senhor não vai mais ter que aturar minhas confissões. E antes dele bater a porta ele ainda disse:

- ah doutor já ia me esquecendo, eu nunca vou esquecer o nome daquela garota, antes de morrer ela olhou nos meus olhos e disse que seu nome era Letícia, fique com Deus doutor.

Raimundo partiu para o aeroporto enquanto o doutor meio incrédulo, não queria acreditar no que estava se passando na sua cabeça.

- não, não pode ser, é só uma coincidência, há varias moças com nome de Letícia, mas no Tatuapé? Bem o Tatuapé é grande, pode ser só coincidência.

Quando na sua clinica sua esposa acompanhada de dois policiais vieram dar a noticia, ele não acreditando no que estava acontecendo, não sabia se contava para a polícia, afinal ele não podia revelar os segredos dos clientes, mas nesse caso era o assassino confesso da sua filha que há poucos minutos saiu pela sua porta para um destino desconhecido, mas se ele não contar para a polícia e para a sua esposa, ele mesmo não se perdoará, foi quando ele sentou e contou a historia para a esposa e para os policiais que imediatamente passaram a noticia pelo radio avisando para procurar o criminoso nos aeroportos de congonhas e Guarulhos, já que ele não informou para onde estava indo, o doutor não acreditava que seu cliente se tornaria o assassino de sua única filha.

Raimundo era esperto, antes de ir ao consultório já havia planejado sua viagem, ele combinou com um motorista de carro cegonha de viajar dentro de um dos carros para um estado do nordeste.

- Qual o nome dele doutor? Perguntou o policial

- ele deu o nome de Carlos Alberto, mas provavelmente deve ser falso.

A esposa do doutor, dona Maria da gloria, era amparada por um policial, parentes também chegam á clinica e socorre dona Maria, o doutor deu um calmante para a esposa, mas na verdade ele também estava precisando de um, os amigos levam dona Maria até um hospital para medir a pressão, enquanto isso os policiais vasculham os aeroportos e também as rodoviárias Tiete e Barra Funda, procuram pelas características descritas pelo doutor, já que pelo nome será impossível encontra-lo.

O tempo passou e Raimundo Nonato nunca foi encontrado, alguns casos de assassinatos semelhantes foram noticiados nas cidades de Itapajé e Catarina no estado do Ceará e dois meses depois em Natal RN, mas nada que comprovasse que teria alguma ligação com os casos de São Paulo.