Paralisia do sono

Você vai acordando devagar, abrindo os olhos, mas quando vai se mexer não consegue, seu corpo está paralisado, tenta gritar, mas a voz não sai, imóvel na escuridão você ouve passos e chega à terrível conclusão de que não está só, sua respiração vacila algo se move lentamente e senta no seu peito. Está acordado dentro de um sonho, preso aos seus temores e não pode fugir.

Valéria aguardava Emilly na sala de espera do consultório do Neurologista, não conseguia se concentrar na revista que folheava e impaciente olhava para a porta da sala do doutor, esperava que ele fosse diferente dos outros médicos, que ele ajudasse sua filha.

- Sempre acontece um pouco antes de pegar no sono ou quando estou acordando, escuto um zumbido. – O médico observava Emilly que girava com a mão direita uma liga de borracha no pulso esquerdo enquanto falava. – Eu já falei para os outros médicos, já estou cansada. – Ela jogou a cabeça para trás e fitou o teto. - No final você vai me entupir de remédios eu aposto, igual aos outros.

- Você disse aos outros médicos não a mim. – O Doutor fazia algumas anotações em um bloco de notas. – Gostaria que você falasse o que ocorre com detalhes e a freqüência com que acontece.

- Tudo bem. – Ela respirou fundo. - O zumbido parece estar dentro da minha cabeça, meu corpo fica pesado, duro, não consigo me mover, depois sinto um peso no peito e uma presença no quarto, sinto uma respiração pesada é como estar sonhando, mas consigo ver e ouvir tudo que acontece na realidade, como se com um olho eu visse a vida real aqui fora e com o outro o sonho, eu sinto muito medo de não acordar, de que ele chegue até mim. – Emilly segurava os joelhos junto ao queixo e olhava para baixo. – Isso acontece sempre, com mais freqüência quando durmo de barriga para cima.

- Bem, por tudo que você diz sentir e pela conversa que tive com sua mãe a respeito do diagnostico dos outros médicos, fisiologicamente você sofre de Paralisia do sono, ao adormecer seu cérebro paralisa o corpo para evitar...

- Eu já sei disso tudo. – Emilly levantou derrubando a cadeira. – Já disseram isso, só que nada do que vocês dizem ou os remédios que vocês me fazem tomar resolve. - Emilly chegou junto à janela, alisava os cabelos enquanto olhava o trânsito. – Não é psicológico, não é!

- Emilly, por favor, saia de perto da janela. – Ele se aproximou com cautela, o barulho chamou a atenção da enfermeira que entrou no consultório.

- Doutor, o que está acontecendo? – A mãe de Emilly também entrou na sala.

- Emilly! – Ela se aproximou da filha.

- Eu preciso falar com a senhora dona Valéria, a sós. – Ele segurou Emilly de leve pelos ombros e a levou até a enfermeira. – Ela vai ficar bem.

- Então Doutor...

- Como à senhora já deve saber e só reforçando o que os outros médicos já diagnosticaram a sua filha sofre de paralisia do sono e terror noturno, ela está aparentemente cansada, por isso eu gostaria que ela passasse essa noite aqui na clínica, quero fazer alguns exames e para isso preciso que ela tenha uma boa noite de sono.

Valéria pensou um pouco e concordou, conversou com Emilly explicou tudo, ela não queria aceitar a situação, Valéria a deixou no quarto e saiu.

- Mãe, não me deixa aqui! – Emilly gritava. – Mãe! – Ela correu para a janela do quarto.

- Emilly. – O doutor entrou no quarto. – Eu preciso que descanse essa noite, tem que dormir, amanhã faremos uma bateria de exames, não se preocupe você vai ficar bem.

- Eu não vou ficar bem, não é psicológico, já disse! Eu não posso dormir, sempre que durmo fico presa, eu não posso dormir.

- Descanse. – O Doutor deixou a sala e foi de encontro à enfermeira. – Tratamento via intramuscular à base de Rivotril para começar, chame ajuda, a paciente pode oferecer perigo.

E realmente foi como o doutor pensou, Emilly reagiu, e foi preciso a ajuda dos seguranças para conseguirem sucesso.

- Me solta seus desgraçados! – Eles imobilizaram Emilly enquanto a enfermeira preparava a injeção. – Me solta, eu não posso dormir, não posso!

- É para o seu bem Emilly. – Aplicou a injeção.

- Eu não posso dormir. - Emilly chorava. – Não posso, não posso... - Alguns minutos passaram e Emilly já podia sentir os efeitos do remédio, começava a ficar sonolenta, se arrastou até a cama.

- Eu não posso dormir, não, não posso. – Falava para si mesma, tentava se agarrar a realidade.

Ela começou a ouvir um forte zumbido, seu corpo pesando, tentou se mover, falar, tudo em vão, havia perdido os movimentos e a capacidade de falar, mas estava consciente e via tudo que se passava ao seu redor, passos no corredor ecoaram em sua cabeça, ela podia ver a porta.

- Socorro, me ajuda. – Gritava em seu pensamento para a enfermeira que entrou no quarto. – Me acorda antes que ele chegue. – Ela chegou próxima a cama. – Por favor, me toca, por favor. -Tentava falar se mover e não conseguia, a enfermeira deixou o quarto, Emilly estava angustiada, começava a sufocar.

O desespero de Emilly era total, ela sentia uma forte respiração, algo subindo pelas suas pernas, e então vozes que ecoavam dos quatro cantos do quarto.

- Emilly, Emilly. – Vozes combinadas, crianças, adultos todas ao mesmo tempo. – Emilly, eu quero brincar. – Risadas.

- Socorro, socorro, por favor, alguém, por favor.

Ela estava em pânico, antes desse estágio era normal ela já ter conseguido acordar, mas dessa vez o remédio a impedia, ela sentia algo frio subindo por sua perna direita, uma mão, Emilly tentava piscar os olhos na tentativa de acordar era um truque que ela usava sempre que ficava presa, dessa vez não funcionou, o remédio estava agindo, foi então que a figura se ergueu sobre ela, sentou em seu peito, era horrível.

- Emilly. – Não existia definição para aquela voz, era uma aberração, assim como sua face. – Ele passou as garras em seu rosto e chegou bem próximo ao seu ouvido, ela sentiu a respiração rançosa. – Eu estava querendo isso faz tempo. – Com uma mão segurava seu queixo e com a outra cobriu os seus olhos.

A criatura sumiu e Emilly continuava deitada na cama, imóvel, não estava mais no quarto, estava aterrorizada, não conseguia se mover, sua cama estava na rua, uma noite movimentada mesmo com a chuva forte que caia, a criatura voltou rastejando até o seu peito e sentou, ela gritava no pensamento.

- Por favor, me ajudem, me ajudem. - Ela chorava.

- Emilly, Emilly. – Vozes ao seu redor, e as pessoas pareciam andar em câmera lenta.

Outras criaturas apareceram e começaram a morder seu corpo, arrancando sua carne, ela estava presa entre a realidade e o mundo dos sonhos, sentia a dor insuportável, mas continuava imóvel, em pouco tempo metade de seu braço esquerdo havia sido devorada, a criatura maior levantou o braço e as outras ficaram quietas, o braço de Emilly foi sendo reconstruído para logo em seguida ser devorado novamente com outras partes de seu corpo.

- Não se apresse Emilly, nós temos toda a eternidade.

Por mais que Emilly lutasse a criatura continuava sentada em seu peito, não se movia, ela estava presa e não conseguia voltar, no quarto do hospital sua mãe a observava, estava ligada a aparelhos.

- Quanto tempo ela vai ficar assim Doutor?

- O estado de coma varia de paciente para paciente, ela pode ficar assim um dia, um mês, anos, só podemos esperar e torcer já que os exames mostram que não existe problema algum com ela.

O mundo dos sonhos é real a sua própria maneira e tão perigoso e cruel quanto à realidade.

Dahlon
Enviado por Dahlon em 10/07/2012
Código do texto: T3771230
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