ALMA VENDIDA

Chegou tarde aquele dia, estava cansado precisando de um banho e dormir, no banheiro já nu encarou seu rosto no espelho, gostava de fazer aquilo... torcer a face e fazendo caretas quando estava sozinho. Alcançou a escova de dente e o tubo de creme dental... vazio... já completamente espremido e torcido.

Enrolou-se na toalha de banho e saiu meio frustrado para procurar um tubo novo, mas para sua ira, tinha esquecido de comprar... praguejou todos os nomes que conhecia e de súbito falou, “venderia minha alma pro capeta se tivesse uma pasta aqui, agora”.

Ergueu os olhos sobre o armário do banheiro e lá estava ela, por um momento pareceu brilhar e ele pensou que sua esposa provavelmente passou no mercado mais cedo. Tentou afastar o pensamento que o fazia ligar a frase dita anteriormente com o fato de o tubo de creme dental aparecer na sua frente, mas não conseguiu. A espera por sua esposa pareceu durar um século, então resolveu ligar para ela e perguntar, mas para o seu desespero a reposta foi “não”.

Os olhos do homem se arregalaram aterrorizado e a mulher nada mais ouviu do outro lado da linha... um cheiro forte de enxofre e cera de vela invadiu a casa... ouviu-se passos do lado de fora e uma fumaça vermelha começou a infiltrar pelas frestas... então sete batidas na porta cortaram o silêncio e paralisaram o homem dos pés a cabeça, um arrepio frio subiu por suas pernas até o pescoço e ele soube que estava condenado...

Naquele dia o homem não dormiu, ficou sentado no sofá olhando para porta a noite toda, sua esposa estranhou o fato, mas permaneceu em silêncio. E ele não podia acreditar no que havia acontecido, tinha que ser apenas um sonho ruim, levantou meio tonto e foi até o banheiro... a pasta ainda estava lá... abriu o armário com espelho na porta, pegou a escova, colocou o creme dental, quando fechou a pequena porta seu coração quase parou... viu pelo espelho que atrás de si em um canto do banheiro... havia uma... uma criatura. Jogou a pasta com força no lixo e saiu correndo dali.

Por semanas o homem não pode encarar o espelho, dormia com dificuldade e quase não comia... ele não conseguia esquecer a imagem que o assombrava e ele sabia que ela ainda estava lá... quando a via, nos vidros dos carros e das lojas, nas poças d’água, nos olhos da sua amada, sua sombra o perseguia nos sonhos e na realidade e seria assim para o resto de sua vida. A criatura tinha o tamanho de uma criança e a cabeça de mula com olhos vermelhos flamejantes... sussurrava, em seu lamento, guardião das almas vendidas.

Eliane Verica
Enviado por Eliane Verica em 09/07/2012
Reeditado em 09/07/2012
Código do texto: T3768556
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