Ceia de Natal
O Sol descia calmamente tingindo o céu e as nuvens com um laranja mágico, escondendo-se atrás de um paredão de montanhas que tinham uma face na luz e outra nas trevas. Do lado negro havia uma pequena casa feita de tijolos artesanais, rodeada por uma generosa plantação de milho pintada de verde contra o entardecer. Na casa a chaminé jogava para o céu uma fumaça escura, não era a primeira vez que essa fumaça ia para o céu no início da noite, mas era a primeira vez em muito tempo que ela vinha acompanhada por um delicioso aroma de carne de panela.
- Eu sou obrigado a dar meu braço a torcer – disse o homem largando os talheres sobre o prato agora vazio – Você é magnífica querida.
- Não precisa falar assim – a mulher respondeu não evitando corar. Ela adorava receber elogios sobre sua comida.
O casal de magros idosos estava sozinho na pequena cozinha, o fogão de lenha no cômodo ao lado mantendo, ao mesmo tempo, refeição e lar aquecidos. A mesa estava decorada com uma bela toalha com o tema de Natal e algumas velas, deixando espaço apenas para que a dupla de idosos pudesse apoiar os pratos para a refeição.
Ah... A refeição! A quanto tempo não tinham aquele aroma delicioso de comida enchendo a atmosfera do lar. Os tempos haviam sido difíceis, uma estiagem sem precedentes exterminara todos os animais da pequena propriedade. O milho fora o único sobrevivente e alimentara a dupla por quase dois meses agora. Estavam agradecidos ao milho, mas era impossível não estarem enjoados do mesmo. Por isso aquele noite era tão especial. Era a primeira em que voltavam a comer comida de verdade.
- Sabia que eu quase me esqueci do gosto disso – disse o homem passando a mão pela barriga que há muito tempo não se sentia satisfeita – É perfeito, e com seus dotes culinários...
A mulher estava distante, tão distante que não ouviu o elogio. Ao ser questionada pelo esposo foi obrigada a confessar.
- Sinto por nossa querida Jéssica não poder estar aqui conosco...
- Ela está bem – disse o homem apoiando sua mão contra a dela – Ela está lá para nos ajudar. Você sabe muito bem que a Jéssica adoraria passar esse Natal com a gente mas, você também sabe, que se ela estivesse aqui nós não teríamos condições de comer essa comida.
- Eu sei querido – a mulher disse após um suspiro – Tudo bem... Bom, eu vou limpar as coisas, vai me ajudar a espantar a tristeza.
- Sem essa – ele respondeu enérgico – Você cozinhou então eu lavo a louça. Pode colocar essas suas pernas de molho.
Os dois riram.
- Sem essa, mesmo com você lavando a louça eu ainda tenho muito o que fazer.
- Como assim?
- Eu tenho uma receita que estou há muito tempo querendo fazer, mas para isso vou ter que deixar o joelho de molho por essa noite.
- Eu ainda lembro daquele joelho de porco que você fazia... – O homem respondeu saudoso e mesmo depois da farta refeição não evitou a boca de salivar.
A mulher deixou o esposo com seus afazeres e caminhou até a escadaria que levava ao porão. O ambiente ali era úmido mas ela não ligava, havia tido os cuidados para que a carne se mantivesse conservada. Ao tocar o solo abaixo de sua casa retirou um machado que deixara mergulhado num grande tonel de vinho, sacudindo-o para que o álcool da bebida deixasse o metal agora esterelizado.
- Adivinhe querida – falou erguendo o machado – Teremos joelho amanhã.
- Não mamãe! Não!
Whap. A refeição estava garantida.
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Um texto meio antigo que achei no computador, por algum motivo eu gosto dele e pensei que alguns de vocês pudessem gostar, então está aí.