JANELAS MARCADAS
Por entre aqueles vidros marcados pelo tempo, calcinados pelas intempéries externas e a falta de limpeza interna, observo uma silhueta esguia, mas deformada e gasta, como o prédio já deteriorado e fico a imaginar o que se passa por entre aquelas paredes, pois pelos boatos das pessoas, sei que nela habita somente du-as pessoas. Uma idosa, com quase seus 80 anos e a outra, a deformada com aproximadamente 30 anos.
A porta, a pintura, o telhado, tudo indica um passado sombrio e sofrido por aquela que já foi uma grande mansão, que ostentava grandes poderes e era freqüentada pela alta sociedade da pacata cidade de Rafice , interior do nosso estado.
Duas, pois os outros moradores da grande família já haviam partido para o além em função de diversos acontecimentos que deixavam as pessoas do lugarejo bastante temerosos.
Certo dia, encontro aquela figura idosa, tentando alcançar um pequeno poço construído no fundo da mansão, para que com um pequeno balde pudesse recolher uma pouco de água, observei que suas forças não agüentavam o peso e tentei ajuda-lá, foi em vão, pois ao me avistar, criou uma força sobrenatural e recolheu a água sumindo por entre os alamos do fundo do quintal. Fiquei a imaginar o por que daquele receio em manter contato com as pessoas.
Ao procurar o barbeiro do lugarejo, para aparar meus já escassos cabelos indaguei sobre a dita família e este procurou mudar de assunto e eu insisti. Algo o pôs em sobressalto, suas mãos tremeram, sua tez demonstrou pavor e continuou com outro assunto alheio ao meu pedido.
Como era um morador recém chegado, não insisti, pois ficaria cada vez mais isolado dentro da já pequena e fechada comunidade.
Todos os dias dirigia-me a pequena escola para lecionar aos poucos alunos que a freqüentavam, pois os pais não acreditavam muito no poder do saber, dedicavam-se sim a culturas em suas pequenas propriedades.
Aqueles fatos transtornavam meu pensamento e faziam que eu me interessasse cada vez mais sobre o caso. Descobri que o nome da jovem era Sofi e que quando criança havia perdido seus pais e sua outra irmã. Vivia somente com sua avó paterna naquela que seria a moradia do desespero.
Certa manhã na mercearia ao comprar uma pequena quantidade de mantimentos para mim, observei uma pequena lista de compras exposta sobre o balcão a ser entregue na mansão, ofereci-me para entrega-lá, pois por lá havia de passar. Em que o comerciante de pronto aceitou a minha oferta.
Levando as sacolas em minha já gasta bicicleta de fabricação inglesa, paro defronte a casa, abro o portão já corroído e podre pelo tempo e ao me aproximar da porta, sinto um cheiro forte que para mim era desconhecido, mas assemelhava-se a enxofre. Bato, e espero. Lá de dentro ouço um pedido seco e rude. Quem se atreve a nos importunar? Marcos o professor! Estou com suas compras encomendadas na mercearia. Entre e deixe no hall de entrada.
Entrei e pude observar o quanto realmente era velha a mansão, os móveis rústicos e empoeirados, o tapete já gasto pelo tempo, os quadros já desbotados nem podiam ser identificadas as silhuetas neles expostos. Sofi, ao ver-me, tentou pronunciar algumas palavras, mas foi impedida pela avó que a mandou para o quarto. Deixei as compras no chão e despedi-me da velha senhora, solicitando seus nome, está me disse: Os nomes são como o tempo, passam e não voltam, mas assim mesmo lhe direi chamo-me Vani, com V de vida, A de muitos anos N de nunca e I de impura. Deixei o prédio intrigado com tudo aquilo. Naquela noite pensei no que havia sido dito para mim por aquela senhora idosa e fiquei a pensar. O que teria acontecido com aquela família, isolada pelo tempo e esquecida pela pacata comunidade. Adormeci e meu sono foi coberto por sonhos estranhos, sem sentido, vi a morte e vi a vida, acordei-me de sobressalto na madrugada, bebi um copo de água e tentei novamente dormir, sem sucesso.
Aproveitei para anotar em meu pequeno caderno alguns pensamentos que me passaram pela cabeça, como por exemplo: Por que não investigar, como faria qualquer pessoa entusiasmado por casos insolúveis. Me deparei com o primeiro problema, como chegar a Sofi sem ser notado pela avó.
Aproveitei a noite de lua nova para fazer minha primeira incursão à mansão. Mas, ao abrir a porta de minha pequena casa, encontrei pendurado na parte externa da porta uma aviso. Não se aproxime da casa para não enfrentar forças desconhecidas. Este aviso estava assinado com sangue em forma de cruz. Retornei ao meu quarto e fiquei apavorado e naquela noite não tomei mais atitude alguma.
Sempre ao entardecer notava que um senhor idoso, desconhecido para mim, deixava na entrada da velha mansão um cesto envolto em veludo vermelho. Certo dia aproveitei o vazio da pequena ruela e aproximei-me para verificar o conteúdo e qual foi minha surpresa ao abrir o veludo, fiquei estarrecido com o que avistei, tratava-se de um envelope lacrado, contendo algo muito pesado. Não tive coragem de abrir, pois poderia ser surpreendido pela velha senhora ou Sofi. Me escondi por detrás de uma velho álamo e notei quando a velha senhora recolheu o cesto com tanta ligeireza, fechando a porta com grande satisfação.
Pensei, algum dia Sofi terá de sair para procurar um médico, cabeleireira, jardineiro ou alguém mais. Dito e feito, certa tarde ao cruzar pela pequena praça avisto a jovem, com seus longos cabelos, esbelta, mas desnutrida e envelhecida pelo tempo. Procurei aproximar-me dela e fui impedido pelo então padre da Igreja que ao me abordar disse-me: Deixai as coisas desconhecidas de Deus e buscai forças junto aos livros de sabedoria.
Perguntei por que tudo aquilo estava acontecendo com aquelas duas frágeis senhoras, por que tanto abandono, tanto desprezo, tanto pavor. E o velho padre como que adivinhando meus pensamentos disse-me: Deixai para Deus o que é de Deus a aos homens tudo aquilo que não entendem.
Mas, nada me convencia de poder solucionar por mim mesmo aquele caso que parecia insolúvel. Voltei na tarde seguinte, ao cair o sol, para de trás do velho álamo, esperando o velho homem. Passaram-se alguns minutos e lá estava ele com o mesmo cesto. Criei coragem, aproximei-me do conteúdo e tomei a decisão de abri-lo. Tratava-se de vários cravos ou pregos de razoável tamanho, pontiagudos e bastante enferrujados. Afastei-me ligeiramente para não ser notado e a mesma rotina se repetia. A velha recolhia o cesto com um ar de alegria e sumia por detrás da porta.
Ao cair daquela noite, resolvi enfrentar o que para mim era algo a ser resolvido a qualquer custo. Aproximei-me da velha casa, o vento era forte fazendo com que as sombras das árvores tornavam-se vultos apavorantes, mas estava decidido. No interior tudo estava em silêncio, forcei o trinco da janela que por sinal soltou-se de tão corroído e entrei. Caminhando silenciosamente cheguei até a sala que se encontrava as escuras e notei uma peque-na claridade na peça ao lado. Aproximei-me pé ante pé e de repente através de uma velho espelho bisote observo a velha com um martelo, pregando os tais pregos nas duas mãos da jovem Sofi e esta não exprimia sequer dor, simplesmente dizia duas palavras: “Querida irmã”. E pouco a pouco o sangue que escorria de suas mãos era aparado em uma pequena vasilha de barro, até atingir uma certa quantidade. Após a avó com uma turquês extraia um a um os pregos e os colocava em uma toalha branca, descia aos po-rões da casa e os enterrava numa pequena vala.
Aquele sangue era levado até uma pequena cripta improvisada num velho jardim interno da casa, onde jazia o corpo de uma pessoa aparentando ser jovem e derramado sobre ele o sangue da vasilha, pela velha que pronunciava algumas palavras para mim desconhecidas e por incrível que parecia a carne aos poucos se regenerava. Parte do corpo já estava formado, faltando principalmente a cabeça, braços e pernas.
Apavorado, afastei-me daquele ambiente e evadi-me da casa e fui rapidamente até o distrito policial comunicar o fato. O velho comissário olhou-me, riu e me disse: É melhor esquecer tudo, pois a bebida nos mostra até o que a mente cria e os olhos imaginam ver. Insisti em meu pedido e este alterado expulsou-me do recinto, ameaçando-me de passar algumas horas atrás das grades para curar algo que a bebida havia feito em mim. Sai e pensei. Quem procurar? O velho padre. Passavam das 2 horas da madrugada e resolvi procura-lo no dia seguinte.
Naquela noite, fiquei a pensar o porque de tudo aquilo e não cheguei a conclusão alguma. Agora sim precisava de uma boa bebida para esquecer aquela cena horripilante, procurei algo forte para apagar meus medos e num dos armários e encontrei uma bebida bastante forte e amarga, bebi o suficiente para ficar com meus músculos relaxados. Adormeci e vi em meus sonhos a jovem Sofi derramando seu sangue sobre aquele corpo desfigurado e es-ta expressava um sorriso melancólico e ao mesmo tempo apavorado sobre o que iria acontecer com tudo aquilo que sua velha avó estava a preparar com todo um ritual macabro e sórdido.
Levantei-me diversas vezes para pedir ajuda a minha querida esposa que também já havia partido para o além, vitima de um enfarto fulminante, não recebia resposta alguma, somente ouvia as minhas próprias preces.
Ao levantar-me no dia seguinte, pensei vou esquecer tudo e viver a minha própria vida, sem interferir com nada que possa me abalar. Tentei, mas algo dizia dentro de mim. Faça algo! E rápido.
Ao me dirigir a escola, passei defronte a Igreja e fiquei impelido a entrar como fiz. Por encanto lá estava o padre Jonas a me esperar a me aconselhou de como agir com este caso. Disse-me: Meu filho algumas coisas não são respondidas nesta vida é o caso dessa família, esqueça para seu próprio bem. Padre, algo muito sério está acontecendo e ninguém faz nada. Este me respondeu: Tentei muitas vezes me aproximar da dita casa, mas sempre que me aproximava uma força feroz me impedia e meu corpo era to-mado de pavor e de um frio tão intenso me forçando a recuar. Deixe os quase mortos seguir seu caminho e aproveite seu resto de juventude, não interfira nos desígnios de Deus, pois este quando vê que o livre arbítrio das pessoas são tomados por verdadeira convicção, este não interfere. Despedi-me do padre e este me abençoou com água benta.
Ao seguir meu caminho para a escola, resolvi encontrar a residência o velho homem do cesto e fiquei sabendo que este era o coveiro da pacata cidade. Descobri também que os pregos eram retirados a noite dos velhos caixões abandonados nos fundos do pequeno cemitério. Realmente algo estranho estava acontecendo.
Procurei no final de minhas aulas, ajuda junto a pequena biblioteca da cidade, algo que pudesse me dar alguma pista. Encontrei um velho jornal datado de 1857, uma história muito estranha sobre a morte da família Publiski, na noite de 21 de abril daquele ano. O cocheiro numa pomposa carruagem da dita família voltava para casa com os pais, Malis e Martina e a filha mais nova Karina, quando de repente um vulto surge a frente dos seis cavalos, o cocheiro para desviar perde o controle da carruagem e tomba diversas vezes, matando os que se encontravam em seu interior, salvando-se somente ele, pois foi jogado para fora, caindo numa relva macia. Os seis cavalos tiveram suas cabeças esfaceladas, Malis foi de encontro a uma estaca que lhe traspassou seu coração, Martina foi degolada pelo vidro da porta e Karina a única jogada para fora teve seu corpo esmagado pelo peso das ferragens da carruagem. A notícia correu de boca em boca no povoado e todos indagavam de quem seria o vulto que o cocheiro tanto falava.
O cocheiro, passou a trabalhar no cemitério da pacata cidade, por imposição da velha mãe de Malis, no início relutou em aceitar, mas o tom de voz da velha senhora o colocou onde ela realmente o queria, no velho cemitério para facilitar o seu futuro trabalho macabro.
Com aquelas revelações vi que realmente algo estava acontecendo e nada mais me faria parar para encontrar a solução daqueles estranhos episódios.
Resolvi encarar com todas as minhas forças, até para mostrar para mim mesmo que não seria uma mera história acontecida há vários anos que me faria desistir, pois como todo homem eu também procurava uma aventura.
Voltava constantemente a velha mansão, sempre através do velho jardim já abandonado e mal cuidado, onde as roseiras não mais mostravam toda a sua beleza, os cravos não brotavam e a relva tomava conta do espaço junto com as velhas folhas caídas daqueles antigos álamos. Observava constantemente a mesma silhueta nas janelas marcadas e ficava a imaginar o quanto teria sido bela Sofi se não fosse enclausurada e maltratada pela avó. Certa noite, aproximei-me da casa e com um gesto bruto agarrei a jovem, tapando-lhe a boca para não gritar e a levei para junto do poço. Apresentei-me a pedi para que a mesma fizesse silêncio. Esta aceitou. Acalmei-a, acariciando seu rosto pálido, aproximei meus lábios junto aos dela e com um forte abraço beijei-lhe com toda a minha força. Sofi, ficou paralisada e começou a chorar. Disse-me que era impossível, não era digna de amar alguém, somente sua irmã, que aos poucos voltaria a vida com seu sangue. Podia-se notar em seu semblante a fragilidade de sua pele esbran-quiçada pela falta de uma saudável alimentação e pela retirada constante de sangue por sua avó. Disse-me, também, que logo tudo chegaria ao fim e voltaria a ser como era antes. Antes do que respondi. Antes da partida, respondeu-me. Desvencilhando-se dos meus braços fugiu para dentro de casa apavorada com o acontecido.
Esta tinha sido minha primeira investida com sucesso, falei com a mais sofrida de todas as jovens que havia conhecido, mas estava satisfeito com aquele beijo roubado quase por encanto.
Voltei para casa um pouco mais satisfeito e ao chegar dirigi-me ao banheiro para minha higiene e ao fitar-me no espelho notei que ao redor da minha boca havia algo estranho, uma marca que circundava meus lábios, marca esta com uma cor acinzentada, como a se formar pequenas feridas, também algumas manchas azuladas em meu rosto. Pensei, pode ter sido algum arbusto nocivo a pele. Deitei e adormeci pela primeira vez, sem pensamentos macabros. A noite passou rápida e acordei com uma pequena febre, mas não me preocupei. Dirigi-me ao banheiro para um longo banho e ao cruzar pelo velho espelho notei que as marcas ao redor de meus lábios haviam aumentado e as manchas começavam a avançar pelo corpo.
Pela manhã procurei o único médico prático da cidade, examinou-me, folhou alguns livros, escreveu algumas linhas em seu caderno e receitou-me um único remédio disponível no seu pequeno ambulatório. Era um destilado de ervas colhidas na floresta que circundava a cidade. Amargo como um fel, lilás e muito espesso. Não me restava outra solução a não ser beber o dito remédio. Este ao me retirar disse que se não resolvesse deveria procu-rar uma velha senhora chamada Vani, numa velha mansão a-bandonada. Novamente o pavor tomou conta do meu corpo.
O dito remédio de nada adiantou, pois as manchas continuavam a brotar.
Ao chegar na escola os alunos notaram o acontecido e começaram a gritar em couro, mais um, mais um. Bati com a palma de minha mão na velha mesa e pedi silêncio. Alguns riram e disseram, mais uma cova será aberta. Aberta porque respondi? E o aluno mais velho disse: Foste beijado pela morte e dela não escaparás. Enraivecido com aquelas palavras e para não tomar outras medidas mais drásticas com o aluno, dispensei a turma inteira pedindo para todos voltarem no dia seguinte.
O resto da manhã fiquei a pensar de como agiria daquele momento em diante. Voltei para casa, já bastante cansado e sentindo algo muito estranho no meu corpo. Pensei, talvez o remédio estivesse agindo. Adormeci no velho banco de madeira esculpido pelo antigo professor. Ao acordar-me, notei que as horas haviam passado rapidamente. Estava decidido, iria até a mansão falar com a velha senhora, custasse o que custasse.
Já estava anoitecendo quando me aproximei da mansão e decidi ir pela porta de frente. Bati uma vez, duas e nem sinal de que alguém viesse atender ao meu chamado. Pensei alguns momentos e forcei a maçaneta e notei que a porta não estava trancada. Entrei, olhei e não vi sequer barulho que indica-se a presença de pessoas em seu interior. Dirigi-me para a sala e notei que alguma coisa estava acontecendo na pequena cripta no centro do jardim interno. Ao me aproximar deparei com uma jovem totalmente diferente daquela conhecida, seus olhos brilhavam, seu corpo escultural nada tinha a ver com a jovem Sofi, passou por mim sem notar-me e dirigiu-se ao quarto no andar superior da mansão. Corri até a cripta e avistei a jovem de quem havia roubado o beijo, deitada sobre uma lápide, despida e totalmente imóvel. Ao seu lado sua avó procurava cobri-lá com um lençol velho. Cheguei mais perto e vi que a jovem estava sem vida.
Em nada adiantou gritar com a velha, pois está só ria como uma louca e dizia, minha querida neta voltou e esta retornou ao seu devido lugar. Que lugar disse eu ? Aquele de onde os mortos jamais deveriam retornar sem o meu pedido e a partir de agora serás uma nova vítima preparando os caminhos do inferno, pois fostes tocado pela morte e toda a vez que fechares os olhos para dormir verás em seus sonhos o seu destino sendo preparado.
Velha louca não sabes o que dizes.
Sei, pois somente eu possuo o poder de dar e levar a vida.
Corri para a sala, subi as escadas e dirigi-me o quarto em que a jovem havia entrado. Ao entrar vi a jovem na janela e quando esta voltou-se para mim, vi que o brilho em seus olhos haviam se transformado no inferno. Pedi seu nome está prontamente respondeu-me: Karina a que voltou para substituir a impura. Aquela que lhe marcou para sempre através de seu beijo. E toda a vez que me aproximar das janelas desta mansão saberás e virás ao meu encontro para saciar o meu corpo, mesmo sabendo que não permanecerás muito tempo entre nós. Como, assim? O que acontecerá comigo? Fostes o escolhido para dar continuidade a nossa grande família, a família marcada pela morte e pelo inferno, dor e sofrimento, angustia e desespero, pois minha avó encontrou o caminho para trazer da morte os seus mais queridos e levar ao inferno os seus mais odiados.
Sai do quarto em correria, afastando-me daquela casa o mais rápido possível e quanto mais corria, mais ouvia seus pedidos. Entrei em minha residência, tranquei a porta e deitei, procurei novamente rezar à minha querida esposa e eis que de repente esta surge diante de mim para dizer-me: Marcos, traíste o meu amor e pagarás caro pelo resto de teus dias e eu nunca mais te beijarei, pois tens na boca a marca do demônio e sofrerás o teu castigo.
Supliquei, implorei, mas tudo em vão, a imagem se desfez e entrei em desespero, chorei pelo pecado que havia cometido e meu corpo começava a apresentar os sinais deixados pela jovem Sofi.
Recordei do pedido deixado pelo médico e só me restava uma saída procurar Vani. Era voltar ao medo, pavor e quem sabe a própria morte. Voltei.
Agora, já como de casa, fui entrando e busquei encontrar a velha senhora, esta encontrava-se na sala com vários pregos na mão e um martelo e disse: Aproxima-te de mim Marcos! Não tenhas medo já não vives neste mundo. O primeiro pensamento que me veio à cabeça foi de perguntar a velha senhora o porque da morte da neta. Fiz a pergunta e esta respondeu. Foi impura por buscar a satisfação de seu corpo fora dos meus domínios, entregou-se a homens que fizeram de seu corpo um verdadeiro habitat do mal, como sua mãe que traia meu filho com vários que já partiram e a sombra daquela noite do acidente era minha. Pagou com sua vida para trazer de volta a mais pura das jovens, Karina, a única filha legítima da família Publiski. Hoje seu corpo só é admirado pelas janelas marcadas e nenhum homem poderá toca-lá a não ser por você Marcos.
Como por encanto aproximei-me de Vani e esta cravou vários pregos em minhas mãos, o sangue jorrou e foi recolhido na mesma vasilha de barro. Este sangue vai servir para nutrir nossos corpos, o meu, principalmente, pois estou bastante envelhecida e o de Karina para mante-la cada vez mais jovem. Minhas feridas estavam curadas, as manchas desapareceram, mas eu me tornei um escravo diário do mal, somente para nutrir aqueles corpos das janelas marcadas pelo terror.
Por entre aqueles vidros marcados pelo tempo, calcinados pelas intempéries externas e a falta de limpeza interna, observo uma silhueta esguia, mas deformada e gasta, como o prédio já deteriorado e fico a imaginar o que se passa por entre aquelas paredes, pois pelos boatos das pessoas, sei que nela habita somente du-as pessoas. Uma idosa, com quase seus 80 anos e a outra, a deformada com aproximadamente 30 anos.
A porta, a pintura, o telhado, tudo indica um passado sombrio e sofrido por aquela que já foi uma grande mansão, que ostentava grandes poderes e era freqüentada pela alta sociedade da pacata cidade de Rafice , interior do nosso estado.
Duas, pois os outros moradores da grande família já haviam partido para o além em função de diversos acontecimentos que deixavam as pessoas do lugarejo bastante temerosos.
Certo dia, encontro aquela figura idosa, tentando alcançar um pequeno poço construído no fundo da mansão, para que com um pequeno balde pudesse recolher uma pouco de água, observei que suas forças não agüentavam o peso e tentei ajuda-lá, foi em vão, pois ao me avistar, criou uma força sobrenatural e recolheu a água sumindo por entre os alamos do fundo do quintal. Fiquei a imaginar o por que daquele receio em manter contato com as pessoas.
Ao procurar o barbeiro do lugarejo, para aparar meus já escassos cabelos indaguei sobre a dita família e este procurou mudar de assunto e eu insisti. Algo o pôs em sobressalto, suas mãos tremeram, sua tez demonstrou pavor e continuou com outro assunto alheio ao meu pedido.
Como era um morador recém chegado, não insisti, pois ficaria cada vez mais isolado dentro da já pequena e fechada comunidade.
Todos os dias dirigia-me a pequena escola para lecionar aos poucos alunos que a freqüentavam, pois os pais não acreditavam muito no poder do saber, dedicavam-se sim a culturas em suas pequenas propriedades.
Aqueles fatos transtornavam meu pensamento e faziam que eu me interessasse cada vez mais sobre o caso. Descobri que o nome da jovem era Sofi e que quando criança havia perdido seus pais e sua outra irmã. Vivia somente com sua avó paterna naquela que seria a moradia do desespero.
Certa manhã na mercearia ao comprar uma pequena quantidade de mantimentos para mim, observei uma pequena lista de compras exposta sobre o balcão a ser entregue na mansão, ofereci-me para entrega-lá, pois por lá havia de passar. Em que o comerciante de pronto aceitou a minha oferta.
Levando as sacolas em minha já gasta bicicleta de fabricação inglesa, paro defronte a casa, abro o portão já corroído e podre pelo tempo e ao me aproximar da porta, sinto um cheiro forte que para mim era desconhecido, mas assemelhava-se a enxofre. Bato, e espero. Lá de dentro ouço um pedido seco e rude. Quem se atreve a nos importunar? Marcos o professor! Estou com suas compras encomendadas na mercearia. Entre e deixe no hall de entrada.
Entrei e pude observar o quanto realmente era velha a mansão, os móveis rústicos e empoeirados, o tapete já gasto pelo tempo, os quadros já desbotados nem podiam ser identificadas as silhuetas neles expostos. Sofi, ao ver-me, tentou pronunciar algumas palavras, mas foi impedida pela avó que a mandou para o quarto. Deixei as compras no chão e despedi-me da velha senhora, solicitando seus nome, está me disse: Os nomes são como o tempo, passam e não voltam, mas assim mesmo lhe direi chamo-me Vani, com V de vida, A de muitos anos N de nunca e I de impura. Deixei o prédio intrigado com tudo aquilo. Naquela noite pensei no que havia sido dito para mim por aquela senhora idosa e fiquei a pensar. O que teria acontecido com aquela família, isolada pelo tempo e esquecida pela pacata comunidade. Adormeci e meu sono foi coberto por sonhos estranhos, sem sentido, vi a morte e vi a vida, acordei-me de sobressalto na madrugada, bebi um copo de água e tentei novamente dormir, sem sucesso.
Aproveitei para anotar em meu pequeno caderno alguns pensamentos que me passaram pela cabeça, como por exemplo: Por que não investigar, como faria qualquer pessoa entusiasmado por casos insolúveis. Me deparei com o primeiro problema, como chegar a Sofi sem ser notado pela avó.
Aproveitei a noite de lua nova para fazer minha primeira incursão à mansão. Mas, ao abrir a porta de minha pequena casa, encontrei pendurado na parte externa da porta uma aviso. Não se aproxime da casa para não enfrentar forças desconhecidas. Este aviso estava assinado com sangue em forma de cruz. Retornei ao meu quarto e fiquei apavorado e naquela noite não tomei mais atitude alguma.
Sempre ao entardecer notava que um senhor idoso, desconhecido para mim, deixava na entrada da velha mansão um cesto envolto em veludo vermelho. Certo dia aproveitei o vazio da pequena ruela e aproximei-me para verificar o conteúdo e qual foi minha surpresa ao abrir o veludo, fiquei estarrecido com o que avistei, tratava-se de um envelope lacrado, contendo algo muito pesado. Não tive coragem de abrir, pois poderia ser surpreendido pela velha senhora ou Sofi. Me escondi por detrás de uma velho álamo e notei quando a velha senhora recolheu o cesto com tanta ligeireza, fechando a porta com grande satisfação.
Pensei, algum dia Sofi terá de sair para procurar um médico, cabeleireira, jardineiro ou alguém mais. Dito e feito, certa tarde ao cruzar pela pequena praça avisto a jovem, com seus longos cabelos, esbelta, mas desnutrida e envelhecida pelo tempo. Procurei aproximar-me dela e fui impedido pelo então padre da Igreja que ao me abordar disse-me: Deixai as coisas desconhecidas de Deus e buscai forças junto aos livros de sabedoria.
Perguntei por que tudo aquilo estava acontecendo com aquelas duas frágeis senhoras, por que tanto abandono, tanto desprezo, tanto pavor. E o velho padre como que adivinhando meus pensamentos disse-me: Deixai para Deus o que é de Deus a aos homens tudo aquilo que não entendem.
Mas, nada me convencia de poder solucionar por mim mesmo aquele caso que parecia insolúvel. Voltei na tarde seguinte, ao cair o sol, para de trás do velho álamo, esperando o velho homem. Passaram-se alguns minutos e lá estava ele com o mesmo cesto. Criei coragem, aproximei-me do conteúdo e tomei a decisão de abri-lo. Tratava-se de vários cravos ou pregos de razoável tamanho, pontiagudos e bastante enferrujados. Afastei-me ligeiramente para não ser notado e a mesma rotina se repetia. A velha recolhia o cesto com um ar de alegria e sumia por detrás da porta.
Ao cair daquela noite, resolvi enfrentar o que para mim era algo a ser resolvido a qualquer custo. Aproximei-me da velha casa, o vento era forte fazendo com que as sombras das árvores tornavam-se vultos apavorantes, mas estava decidido. No interior tudo estava em silêncio, forcei o trinco da janela que por sinal soltou-se de tão corroído e entrei. Caminhando silenciosamente cheguei até a sala que se encontrava as escuras e notei uma peque-na claridade na peça ao lado. Aproximei-me pé ante pé e de repente através de uma velho espelho bisote observo a velha com um martelo, pregando os tais pregos nas duas mãos da jovem Sofi e esta não exprimia sequer dor, simplesmente dizia duas palavras: “Querida irmã”. E pouco a pouco o sangue que escorria de suas mãos era aparado em uma pequena vasilha de barro, até atingir uma certa quantidade. Após a avó com uma turquês extraia um a um os pregos e os colocava em uma toalha branca, descia aos po-rões da casa e os enterrava numa pequena vala.
Aquele sangue era levado até uma pequena cripta improvisada num velho jardim interno da casa, onde jazia o corpo de uma pessoa aparentando ser jovem e derramado sobre ele o sangue da vasilha, pela velha que pronunciava algumas palavras para mim desconhecidas e por incrível que parecia a carne aos poucos se regenerava. Parte do corpo já estava formado, faltando principalmente a cabeça, braços e pernas.
Apavorado, afastei-me daquele ambiente e evadi-me da casa e fui rapidamente até o distrito policial comunicar o fato. O velho comissário olhou-me, riu e me disse: É melhor esquecer tudo, pois a bebida nos mostra até o que a mente cria e os olhos imaginam ver. Insisti em meu pedido e este alterado expulsou-me do recinto, ameaçando-me de passar algumas horas atrás das grades para curar algo que a bebida havia feito em mim. Sai e pensei. Quem procurar? O velho padre. Passavam das 2 horas da madrugada e resolvi procura-lo no dia seguinte.
Naquela noite, fiquei a pensar o porque de tudo aquilo e não cheguei a conclusão alguma. Agora sim precisava de uma boa bebida para esquecer aquela cena horripilante, procurei algo forte para apagar meus medos e num dos armários e encontrei uma bebida bastante forte e amarga, bebi o suficiente para ficar com meus músculos relaxados. Adormeci e vi em meus sonhos a jovem Sofi derramando seu sangue sobre aquele corpo desfigurado e es-ta expressava um sorriso melancólico e ao mesmo tempo apavorado sobre o que iria acontecer com tudo aquilo que sua velha avó estava a preparar com todo um ritual macabro e sórdido.
Levantei-me diversas vezes para pedir ajuda a minha querida esposa que também já havia partido para o além, vitima de um enfarto fulminante, não recebia resposta alguma, somente ouvia as minhas próprias preces.
Ao levantar-me no dia seguinte, pensei vou esquecer tudo e viver a minha própria vida, sem interferir com nada que possa me abalar. Tentei, mas algo dizia dentro de mim. Faça algo! E rápido.
Ao me dirigir a escola, passei defronte a Igreja e fiquei impelido a entrar como fiz. Por encanto lá estava o padre Jonas a me esperar a me aconselhou de como agir com este caso. Disse-me: Meu filho algumas coisas não são respondidas nesta vida é o caso dessa família, esqueça para seu próprio bem. Padre, algo muito sério está acontecendo e ninguém faz nada. Este me respondeu: Tentei muitas vezes me aproximar da dita casa, mas sempre que me aproximava uma força feroz me impedia e meu corpo era to-mado de pavor e de um frio tão intenso me forçando a recuar. Deixe os quase mortos seguir seu caminho e aproveite seu resto de juventude, não interfira nos desígnios de Deus, pois este quando vê que o livre arbítrio das pessoas são tomados por verdadeira convicção, este não interfere. Despedi-me do padre e este me abençoou com água benta.
Ao seguir meu caminho para a escola, resolvi encontrar a residência o velho homem do cesto e fiquei sabendo que este era o coveiro da pacata cidade. Descobri também que os pregos eram retirados a noite dos velhos caixões abandonados nos fundos do pequeno cemitério. Realmente algo estranho estava acontecendo.
Procurei no final de minhas aulas, ajuda junto a pequena biblioteca da cidade, algo que pudesse me dar alguma pista. Encontrei um velho jornal datado de 1857, uma história muito estranha sobre a morte da família Publiski, na noite de 21 de abril daquele ano. O cocheiro numa pomposa carruagem da dita família voltava para casa com os pais, Malis e Martina e a filha mais nova Karina, quando de repente um vulto surge a frente dos seis cavalos, o cocheiro para desviar perde o controle da carruagem e tomba diversas vezes, matando os que se encontravam em seu interior, salvando-se somente ele, pois foi jogado para fora, caindo numa relva macia. Os seis cavalos tiveram suas cabeças esfaceladas, Malis foi de encontro a uma estaca que lhe traspassou seu coração, Martina foi degolada pelo vidro da porta e Karina a única jogada para fora teve seu corpo esmagado pelo peso das ferragens da carruagem. A notícia correu de boca em boca no povoado e todos indagavam de quem seria o vulto que o cocheiro tanto falava.
O cocheiro, passou a trabalhar no cemitério da pacata cidade, por imposição da velha mãe de Malis, no início relutou em aceitar, mas o tom de voz da velha senhora o colocou onde ela realmente o queria, no velho cemitério para facilitar o seu futuro trabalho macabro.
Com aquelas revelações vi que realmente algo estava acontecendo e nada mais me faria parar para encontrar a solução daqueles estranhos episódios.
Resolvi encarar com todas as minhas forças, até para mostrar para mim mesmo que não seria uma mera história acontecida há vários anos que me faria desistir, pois como todo homem eu também procurava uma aventura.
Voltava constantemente a velha mansão, sempre através do velho jardim já abandonado e mal cuidado, onde as roseiras não mais mostravam toda a sua beleza, os cravos não brotavam e a relva tomava conta do espaço junto com as velhas folhas caídas daqueles antigos álamos. Observava constantemente a mesma silhueta nas janelas marcadas e ficava a imaginar o quanto teria sido bela Sofi se não fosse enclausurada e maltratada pela avó. Certa noite, aproximei-me da casa e com um gesto bruto agarrei a jovem, tapando-lhe a boca para não gritar e a levei para junto do poço. Apresentei-me a pedi para que a mesma fizesse silêncio. Esta aceitou. Acalmei-a, acariciando seu rosto pálido, aproximei meus lábios junto aos dela e com um forte abraço beijei-lhe com toda a minha força. Sofi, ficou paralisada e começou a chorar. Disse-me que era impossível, não era digna de amar alguém, somente sua irmã, que aos poucos voltaria a vida com seu sangue. Podia-se notar em seu semblante a fragilidade de sua pele esbran-quiçada pela falta de uma saudável alimentação e pela retirada constante de sangue por sua avó. Disse-me, também, que logo tudo chegaria ao fim e voltaria a ser como era antes. Antes do que respondi. Antes da partida, respondeu-me. Desvencilhando-se dos meus braços fugiu para dentro de casa apavorada com o acontecido.
Esta tinha sido minha primeira investida com sucesso, falei com a mais sofrida de todas as jovens que havia conhecido, mas estava satisfeito com aquele beijo roubado quase por encanto.
Voltei para casa um pouco mais satisfeito e ao chegar dirigi-me ao banheiro para minha higiene e ao fitar-me no espelho notei que ao redor da minha boca havia algo estranho, uma marca que circundava meus lábios, marca esta com uma cor acinzentada, como a se formar pequenas feridas, também algumas manchas azuladas em meu rosto. Pensei, pode ter sido algum arbusto nocivo a pele. Deitei e adormeci pela primeira vez, sem pensamentos macabros. A noite passou rápida e acordei com uma pequena febre, mas não me preocupei. Dirigi-me ao banheiro para um longo banho e ao cruzar pelo velho espelho notei que as marcas ao redor de meus lábios haviam aumentado e as manchas começavam a avançar pelo corpo.
Pela manhã procurei o único médico prático da cidade, examinou-me, folhou alguns livros, escreveu algumas linhas em seu caderno e receitou-me um único remédio disponível no seu pequeno ambulatório. Era um destilado de ervas colhidas na floresta que circundava a cidade. Amargo como um fel, lilás e muito espesso. Não me restava outra solução a não ser beber o dito remédio. Este ao me retirar disse que se não resolvesse deveria procu-rar uma velha senhora chamada Vani, numa velha mansão a-bandonada. Novamente o pavor tomou conta do meu corpo.
O dito remédio de nada adiantou, pois as manchas continuavam a brotar.
Ao chegar na escola os alunos notaram o acontecido e começaram a gritar em couro, mais um, mais um. Bati com a palma de minha mão na velha mesa e pedi silêncio. Alguns riram e disseram, mais uma cova será aberta. Aberta porque respondi? E o aluno mais velho disse: Foste beijado pela morte e dela não escaparás. Enraivecido com aquelas palavras e para não tomar outras medidas mais drásticas com o aluno, dispensei a turma inteira pedindo para todos voltarem no dia seguinte.
O resto da manhã fiquei a pensar de como agiria daquele momento em diante. Voltei para casa, já bastante cansado e sentindo algo muito estranho no meu corpo. Pensei, talvez o remédio estivesse agindo. Adormeci no velho banco de madeira esculpido pelo antigo professor. Ao acordar-me, notei que as horas haviam passado rapidamente. Estava decidido, iria até a mansão falar com a velha senhora, custasse o que custasse.
Já estava anoitecendo quando me aproximei da mansão e decidi ir pela porta de frente. Bati uma vez, duas e nem sinal de que alguém viesse atender ao meu chamado. Pensei alguns momentos e forcei a maçaneta e notei que a porta não estava trancada. Entrei, olhei e não vi sequer barulho que indica-se a presença de pessoas em seu interior. Dirigi-me para a sala e notei que alguma coisa estava acontecendo na pequena cripta no centro do jardim interno. Ao me aproximar deparei com uma jovem totalmente diferente daquela conhecida, seus olhos brilhavam, seu corpo escultural nada tinha a ver com a jovem Sofi, passou por mim sem notar-me e dirigiu-se ao quarto no andar superior da mansão. Corri até a cripta e avistei a jovem de quem havia roubado o beijo, deitada sobre uma lápide, despida e totalmente imóvel. Ao seu lado sua avó procurava cobri-lá com um lençol velho. Cheguei mais perto e vi que a jovem estava sem vida.
Em nada adiantou gritar com a velha, pois está só ria como uma louca e dizia, minha querida neta voltou e esta retornou ao seu devido lugar. Que lugar disse eu ? Aquele de onde os mortos jamais deveriam retornar sem o meu pedido e a partir de agora serás uma nova vítima preparando os caminhos do inferno, pois fostes tocado pela morte e toda a vez que fechares os olhos para dormir verás em seus sonhos o seu destino sendo preparado.
Velha louca não sabes o que dizes.
Sei, pois somente eu possuo o poder de dar e levar a vida.
Corri para a sala, subi as escadas e dirigi-me o quarto em que a jovem havia entrado. Ao entrar vi a jovem na janela e quando esta voltou-se para mim, vi que o brilho em seus olhos haviam se transformado no inferno. Pedi seu nome está prontamente respondeu-me: Karina a que voltou para substituir a impura. Aquela que lhe marcou para sempre através de seu beijo. E toda a vez que me aproximar das janelas desta mansão saberás e virás ao meu encontro para saciar o meu corpo, mesmo sabendo que não permanecerás muito tempo entre nós. Como, assim? O que acontecerá comigo? Fostes o escolhido para dar continuidade a nossa grande família, a família marcada pela morte e pelo inferno, dor e sofrimento, angustia e desespero, pois minha avó encontrou o caminho para trazer da morte os seus mais queridos e levar ao inferno os seus mais odiados.
Sai do quarto em correria, afastando-me daquela casa o mais rápido possível e quanto mais corria, mais ouvia seus pedidos. Entrei em minha residência, tranquei a porta e deitei, procurei novamente rezar à minha querida esposa e eis que de repente esta surge diante de mim para dizer-me: Marcos, traíste o meu amor e pagarás caro pelo resto de teus dias e eu nunca mais te beijarei, pois tens na boca a marca do demônio e sofrerás o teu castigo.
Supliquei, implorei, mas tudo em vão, a imagem se desfez e entrei em desespero, chorei pelo pecado que havia cometido e meu corpo começava a apresentar os sinais deixados pela jovem Sofi.
Recordei do pedido deixado pelo médico e só me restava uma saída procurar Vani. Era voltar ao medo, pavor e quem sabe a própria morte. Voltei.
Agora, já como de casa, fui entrando e busquei encontrar a velha senhora, esta encontrava-se na sala com vários pregos na mão e um martelo e disse: Aproxima-te de mim Marcos! Não tenhas medo já não vives neste mundo. O primeiro pensamento que me veio à cabeça foi de perguntar a velha senhora o porque da morte da neta. Fiz a pergunta e esta respondeu. Foi impura por buscar a satisfação de seu corpo fora dos meus domínios, entregou-se a homens que fizeram de seu corpo um verdadeiro habitat do mal, como sua mãe que traia meu filho com vários que já partiram e a sombra daquela noite do acidente era minha. Pagou com sua vida para trazer de volta a mais pura das jovens, Karina, a única filha legítima da família Publiski. Hoje seu corpo só é admirado pelas janelas marcadas e nenhum homem poderá toca-lá a não ser por você Marcos.
Como por encanto aproximei-me de Vani e esta cravou vários pregos em minhas mãos, o sangue jorrou e foi recolhido na mesma vasilha de barro. Este sangue vai servir para nutrir nossos corpos, o meu, principalmente, pois estou bastante envelhecida e o de Karina para mante-la cada vez mais jovem. Minhas feridas estavam curadas, as manchas desapareceram, mas eu me tornei um escravo diário do mal, somente para nutrir aqueles corpos das janelas marcadas pelo terror.