Lamentos da escravidão

Há muitos anos numa fazenda secular ocorriam certos mistérios e o proprietário quase não conseguia caseiros para trabalhar lá.

Ana e o marido eram recém-casados e precisavam muito de um trabalho, qualquer que fosse ele, para ao menos começarem a vida, depois se encontrassem coisa melhor, tentariam.

Pois bem, o pai de Miguel, marido de Ana, tinha um velho conhecido de nome Altemar, que era um rico proprietário de fazendas, as quais já estavam todas ocupadas, mas estava procurando caseiros para uma delas, a única que ainda restava sem zeladores, pois diziam ser assombrada, e nunca ninguém conseguiu trabalhar em paz e nunca conseguiram ficar por muito tempo na fazenda.

Toda a cisma em torno de tal fazenda era porque, como a fazenda era muito antiga, lá há muito tempo havia a prática de escravidão, onde judiavam muito dos escravos e muitos haviam morrido lá, de fome, ou mesmo de maus tratos.

Ana e Miguel precisavam muito e não estavam em condições de escolher já que a família de ambos era muito humilde e não possuía recursos para ajudá-los.

Mas como o pai de Miguel conhecia Altemar resolveu indicar para ele o filho e a nora que eram ambos muito bons com tarefas de fazenda.

O fazendeiro então resolveu dar o trabalho aos jovens.

Mudaram-se e tudo corria bem durante o dia, apenas haviam ficado um pouco ressabiados por conta do que o patrão havia falado dizendo que não se assustassem com os gritos á noite, pois era normal, ao que nem foi questionado por parte de seus novos agregados, e também porque ainda havia ali as rodas onde os escravos eram surrados pelos feitores e também uma velha senzala e os cochos onde eram alimentados os escravos.

Porém como não tinham escolha ficaram por ali.

Ana sendo uma ótima cozinheira fez um jantar maravilhoso e que foi muito elogiado pelo seu marido, que fazia elogios também a esposa.

À noite já era chegada à hora de dormir, pois precisariam acordar muito cedo para dar conta de todos os afazeres com perfeição.

Mas mesmo que tivessem sido alertados sobre o que acontecia, levaram um grande susto, pois quando encostaram a cabeça no travesseiro para enfim dormir ouviram longos gritos de agonia e dor, os gritos eram tão desesperados que Ana por ser muito sensível, parecia sentir tudo que os escravos estavam sentindo, para darem tão dolorosos gritos.

Miguel sendo bastante corajoso foi até a grande janela de seu quarto para ver o que era, porém nada avistou, mesmo sendo noite de lua cheia, que brilhava em toda a sua majestade no céu azul marinho.

Voltou a se deitar e dessa vez ouviram o ranger de uma grande porteira que dava entrada pra o curral, e de repente a porteira bateu com demasiada força.

Ana estremeceu de medo e começou a temer pela própria vida e também pela de seu marido que tanto amava.

Porém foi acalmada pelo marido e conseguiu pegar no sono, pois se sentia protegida a seu lado.

Quando o relógio marcou quatro horas da manhã, Miguel levantou lavou seu rosto e se encaminhou para pegar o cavalo e ir buscar o gado que, diga-se de passagem, não era pouco.

Ana também despertou e foi fazer o café, e lavar a louça e dar início nos afazeres que cabia a ela na fazenda, mesmo sentindo um grande medo, por conta dos acontecimentos da noite anterior, mas a manhã estava bem calma e agradável, sendo que durante o dia tudo transcorreu muito bem.

Mas quando a noite começou a dar sinais de sua vinda, as coisas antes pacatas, tornaram-se horríveis.

Ana estava tomando seu banho e Miguel havia ido até o poço para retirar água para o seu próprio banho, mas nessa hora alguma força invisível arrastou-o e prendeu seu corpo a antiga roda de surrar escravos, começou então a surra, os golpes, que não podiam ser vistos, mas eram sentidos pelo corpo de Miguel eram violentos, esse começou a gritar desesperadamente por Ana, que já havia saído do banho e foi em socorro de seu amado marido.

Com a visão da cena, Ana somente conseguiu gritar, pois o corpo do marido era brutalmente açoitado por forças invisíveis.

Mas encontrou forças para tirar o seu amado marido daquelas garras sobrenaturais e livrá-lo de todo sofrimento e dor.

Levou-o para dentro de casa e cuidou dele que estava muito machucado.

Ana ficou então em estado de choque e pediu para irem embora daquele lugar naquele instante, mas Miguel que tinha a cabeça mais feita, disse que precisavam do trabalho e do dinheiro, que não era tão ruim assim, para começarem a sua vida juntos, e que tão logo conseguissem sairiam dali o mais rápido possível.

Ana se acalmou um pouco, pois também pensava em ter um belo futuro, e que pudessem dar o melhor para os filhos que viriam.

Miguel se recuperou bem e no outro dia, mesmo com alguma dificuldade, conseguiu dar conta de todos os afazeres, e agora sempre acompanhado de Ana, porque resolveram que se estivessem sempre juntos seria mais seguro.

À noite estavam apreensivos e resolveram então dormir ainda mais cedo, antes que começassem os lamentos.

Mas parece que o que quer que habitasse aquele lugar já sabia quando os moradores se deitavam e os lamentos e gritos começavam, e o mais estranho eram as batidas nas porteiras que por mais que Miguel e Ana olhassem não conseguiam ver ninguém, e a porteira também estava fechada normalmente, sem nenhum sinal de ter sido tocada.

Mas nessa noite as criaturas atormentadas resolveram vir para dentro da casa, e o piso do antigo casarão que era de assoalho e rangia com facilidade, começou a ranger furiosamente, ouviam-se batidas nas grandes janelas e o terror tomou conta dos dois, os ouvidos de Ana estranhamente começaram a sangrar e ela somente conseguia gritar para que parassem.

Miguel vendo aquilo não hesitou nem um momento e arreando um cavalo mesmo envolto em gritos de agonia e pegando sua amada e jovem esposa saiu dali deixando para trás todo o inferno que habitava naquela maldita fazenda, voltando somente no outro dia juntamente com o proprietário para buscar seus poucos pertences.

Foram embora e logo conseguiram arrumar outro trabalho dessa vez indicado pelo próprio fazendeiro que teve muita pena dos dois, porque sabia do inferno que tinham vivido em suas terras.

Altemar então resolveu arrendar a fazenda para o plantio de cana-de-açúcar, e mesmo assim com tudo destruído, os trabalhadores canavieiros diziam ouvir gritos de dor e lamentos tão logo a noite chegava.

kati
Enviado por kati em 08/02/2007
Reeditado em 26/11/2007
Código do texto: T374241