DELICIOSO JANTAR

Cada dia que passava era mais exaustivo para Madalena. Ela não conseguia dinheiro suficiente para sustentar seus cinco filhos. As crianças estavam crescendo, os mais velhos já com treze e onze anos, ajudavam. Faziam pequenos serviços, mas a recompensa era pouca, e ela se sentia culpada, pois o trabalho precoce os tirava da escola, único caminho que poderia tirá-los daquela condição quase desumana em que viviam.

A casa era pequena, úmida, feia. Madalena e os filhos faziam o que podiam para tornar aquela pobre habitação num lar, e eram felizes com todos os obstáculos que encontravam no caminho.

O último final de semana tinha sido bem triste, faltou comida, e as crianças menores foram dormir com fome, beberam água, e comeram alguns biscoitos que tinham ganhado na merenda da escola na sexta-feira. Ela estava cada dia mais magra. A minúscula pensão que recebia após a morte do seu marido, era insuficiente. Ela tentava arranjar trabalho pelas casas como diarista, mas era raro encontrar algo fixo, também tinha medo de ausentar-se por muitos dias, pois tinha a Maria, a Ritinha e a Cleide, com oito, seis e quatro anos. Ela morria de medo só de pensar que poderia acontecer alguma coisa ruim com suas meninas durante sua ausência. O mais velho, o Cosme, olhava os irmãos, mas algumas vezes, ela soube que ele os deixava e ia jogar bola em um campinho afastado dali.

Segunda-feira foi um pouco melhor, Madalena investiu seus últimos trocados nas passagens de ida e volta de ônibus, para um bairro mais distante de sua casa. No final da feira, um pouco sem jeito, envergonhada, começou a catar, sobras de legumes, verduras e algumas frutas que poderiam ser apreciadas pelas crianças, era uma forma de amenizar o apetite voraz de sua turma. Andou um bom trecho a pé com duas sacolas bem pesadas nos ombros. Ao passar por uma encruzilhada, olhou para o despacho muito revoltada. Ficou imaginando, como tinha gente que desperdiçava dinheiro, deixando aqueles belíssimos frangos ali para serem comidos pelos bichos, ou recolhidos pelos lixeiros. Parou, olhou, notou que estavam “fresquinhos”, olhou para um lado, olhou para o outro, não passava ninguém, meteu a mão no primeiro, colocou dentro de uma bolsa, meteu a mão no segundo, enrolou em uma espécie de saco plástico e colocou dentro da bolsa. Ficou mais feliz ainda, pois ainda encontrou algumas notas de dinheiro de bom valor que lhe quebrariam o galho por mais de uma semana.

Ao chegar a casa, sorria satisfeita para si mesma, pois encontrara uma maneira de comer frango com mais frequência, tinha só que prestar mais atenção para as encruzas que ficavam perto da feira onde ela catava as sobras. Preparou magnífico e delicioso jantar com um dos frangos, o outro limpou e colocou no congelador para outro dia.

As crianças estavam felizes, pois comeram tudo muito rapidamente, não sobrou nada para Madalena, que repugnada com o que fizera, comera apenas as verduras e legumes e preferiu assistir a felicidade dos filhos que finalmente estavam com a barriga cheia. O quadro da felicidade dos filhos fixou-se na memória de Madalena. Por mais que ela tentasse encontrar explicação para o que ocorrera não conseguia e repetia, sempre a mesma frase para o homem que a interrogava na delegacia. – Eu não sei o que aconteceu, eu preparei um dos frangos pretos que roubei de uma macumba, ele estava tão fresquinho, como pode ter matado todos os meus filhos. O homem da lei parecia não acreditar no que ela falava. Madalena foi presa, e só depois que saiu o resultado do exame toxicológico dos cadáveres e do frango que estava congelado na velha geladeira, sua versão começou a ser aceita pela polícia. Os frangos tinham sido envenenados ao ser despachados. Ela inocente, querendo matar a fome dos filhos, deu-lhes morte fatal. Madalena não chegou a ser condenada, dizem que ela morreu atropelada logo depois e que todas as segundas-feiras de lua cheia, ao passar por aquela encruzilhada, as altas horas da noite, é preciso ser rápido se não quiser encontrar com a estranha mulher que fica andando por ali, e atacando as pessoas com seus gritos de horror.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 08/06/2012
Reeditado em 25/07/2015
Código do texto: T3713535
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