O Choro do Demonio
Com o gosto de cachaça ainda na boca, cruzo a serra do Andirá de volta para casa. Minha única companhia é meu cavalo, o vento frio que lambe meu rosto e a intensa escuridão da madrugada.
Meu pensamento ainda esta no festejo que acabo de ser expulso, como iria adivinhar que aquela mulata era enrolada com um valentão?!
-Eitaaa...rabo de saia ainda vai ser minha destruição!
Derrepente meu cavalo empina quase me derrubando. Tento acalmar o animal que aos urros luta para fugir. Domando o animal com ignorância continuo minha jornada.
Agora atento a tudo, ouço um choro de criança. Como poderia uma criança estar ali? Isso é coisa da minha cabeça? Mas o choro se torna cada vez mais próximo!
Tendo certeza que se tratava de uma criança, saio da estrada e adentro a escuridão da mata. Com grande dificuldade avisto algo se mexendo no chão, que para minha surpresa era um bebê de aproximadamente sete meses, rolando nu ao lado de um cupinzeiro. Desço do cavalo, apanho o pequeno ser e retiro os insetos que se deliciam em seu corpo.
Minha boca seca com aquela cena! Indignado, retiro a camisa, cubro a criança e prendo-a na traseira do meu cavalo. Minha única reação foi segurar a mãozinha daquele menino e rezar a Deus. Olho para ele ainda chorando e o elogio por sua força é coragem! Saio imediatamente da mata voltando para minha jornada e pensando o que levou alguém a fazer isso com aquela criança.
Com o passar do tempo sinto o cavalo mais pesado e lento. O animal já não respondia aos meus comandos e cada vez mais seu galope diminuía a força. Quando o cavalo já se arriava no chão, escuto uma voz furiosa, uma voz infernal em minhas costas:
-Quem é você amaldiçoado?! Quem é você para retirar-me da minha morada? Volta! Volta agora, pois eu sou a desgraça e você não tem forças para me carregar! Você não me conhece. Não tenha pena de mim, pois não tenho piedade de nada!
O medo foi tão grande que enrijeceu meu corpo, minha voz sumiu e me senti desprotegido. Com os cabelos arrepiados, olhei para trás e vi que aquela criança havia se transformado no diabo, em toda sua gloria e poder. A imagem daquele monstro disforme em meio à escuridão fez-me entender o motivo do cansaço do cavalo.
Com grande dificuldade, retorno o caminho que leva ate a mata e conforme me aproximo do local, sinto o cavalo mais leve e rápido. Ao entrar na mata já ouço o bebê chorar em minhas costas. Rapidamente retiro aquela blasfêmia do meu cavalo e deixo-o nu ao lado do cupinzeiro. Olho aquele pesadelo pela ultima vez, o vendo rolar entre as formigas que cobrem seu corpo e saio desesperado daquele lugar amaldiçoado.
Volto a estrada, vejo a escuridão ao meu redor, sinto o vento frio em meu corpo, mas não consigo pensar em mais nada. Fico concentrado apenas no que escuto, em um lamento sofrido, uma lamuria...eu só ouvia o choro do demônio!
Esse conto é para meu avô Gabriel!!