Consequências do jovem sacrifício
*Caros irmãos recantistas, tomei a liberdade alterar o final do conto anterior para melhor se adequar a este. Sempre agradecido pelas opiniões e sugestões expressas no espaço destinado aos comentários. Espero que gostem.
- Vô Raimundo – disse Larissa enquanto abria a porta da grande casa onde o idoso residia. A princípio entrava da forma habitual, sem rodeios, mas ao perceber as luzes apagadas, sentiu um receio.
Quando olhou o ambiente ao redor, franziu o cenho. A garota viu dezenas de velas negras e grossas acessas. Espalhadas por toda a sala, sobre os moveis e no chão. Parada junto à porta chamou mais uma vez pelo idoso.
- Vô Raimundo? O senhor está aí? O que são essas velas? O que está acontecendo? – não houve resposta.
Contra seu extinto que a mandava dar meia volta e ir embora, Larissa continuou. Era conhecida também pela sua impetuosidade que a tinha permitido entrar no concorrido curso de medicina, mesmo quando muitos diziam que não conseguiria. Pensou muitas coisas, que o idoso tivesse caído e perdido os sentidos, sofrido algum mal súbito, ou até perdido o juízo, o que explicaria aquelas velas medonhas projetando sombras nas paredes da grande sala.
- Vô Raimundo? O senhor está bem? – disse mais uma vez.
- Estou bem. Venha até aqui. – disse convidando-a de outro cômodo - Siga essa trilha de velas e venha me encontrar na sala de jantar.
- Estou indo. – disse receosa.
Deixou a porta apenas encostada e seguiu pela trilha de velas negras que se estendiam por um longo corredor, onde havia portas para dois quartos. Era uma grande casa com muitos quartos. Larissa seguia cada vez mais insegura. Ao chegar na sala de jantar viu mais velas negras acesas. Caminhou um pouco mais.
- Onde o senhor está?
- Aqui.
A voz metálica veio de suas costas. Quando o viu teve dificuldade em reconhecê-lo. Não que sua aparência estivesse diferente, não estava, apenas o seu aspecto havia mudado. O velho cansado e frágil havia dado lugar a uma pessoa vigorosa. Com a postura totalmente ereta parecia bem mais alto. Os olhos bondosos foram substituídos pelo que parecia ser o olhar de uma máquina, sem sentimentos. Usava uma vestimenta ritualística muito semelhante às usadas pelos cardeais do Vaticano, no entanto, toda negra, sem detalhes.
- O que está havendo? Por que essas velas? Por que está usando essas roupas? Não estou entendo nada!
- Hoje servirá a um grande propósito – respondeu.
- Qual?
Como resposta viu a mão de Raimundo Olegário fechar-se contra seu pescoço com uma força descomunal. Ele a empurrou um quarto mal iluminado onde havia como único móvel uma cama envolta em lençóis brancos. O móvel estava disponibilizado no meio do aposento. Ao redor havia quatro seres vestidos de forma semelhante a Olegário, no entanto, usavam capuz, não era possível ver-lhes o rosto.
Quase sem conseguir respirar Larissa foi empurrada até a cama onde seus pés e mãos foram atadas com cordas.
- Não, por favor? Por que está fazendo isso? – perguntava enquanto se debatia e chorava.
Calmamente Olegário assumiu a cabeceira da cama.
- Apareça! Representante das sombras! – disse severamente.
Do escuro, como se brotasse da parede, surgiu o ser de aspecto grotesco, pele escamosa, negra e grudenta. Emanava enxofre. Caminhava lentamente e olhava para Larissa, amarrada e impotente. O grito de terror que ela emitiu fez com que o demônio esboçasse algo parecido com um sorriso.
- Esse jovem sacrifício me deixará feliz. Ande com isso. – ordenou – Mas dessa vez o sacrifício não perecerá por sufocamento como da outra vez, e sim pelo corte – apontou com os olhos grandes, redondos, brancos e vazios para um dos quatro encapuzados que entregou uma faca a Olegário.
- Ela deve ser cravada na garganta da jovem – disse o monstro.
Olegário meneou a cabeça obedientemente, ergueu a faca e iniciou a prece.
- Em troca de longevidade e força te entrego mais esta vida. Sangue do meu sangue, alma que dedicarei a ti, espírito de maldade! Invoco o teu poder obscuro e dê-me a força de outrora que o tempo que me roubou. Toda eternidade ao senhor das sombras!
Uma violenta pancada na porta quebrou a sua concentração quando ia descer a ponta da faca junto ao pescoço da jovem que gritava. Outra pancada atraiu o olhar irritado da besta. Com um movimento rápido o mostro abriu a porta sem tocar nela, como por telepatia, nesse instante Alves entrou voando com a perna direita estendida como se fosse dar mais uma pesada.
Era o namorado de Larissa que tinha ido até a casa dela, por não encontra-la foi até à casa do idoso. Ao chamar e não ser atendido decidiu entrar sem ser convidado. Estranhou as velas negras, o ambiente lúgubre e se arrepiou com o grito que ouviu. Teve certeza que era de Larissa.
Tentava arrombar a porta com pesadas quando esta se abriu inesperadamente. Viu de relance a namorada estendida na cama, amarrada, quando a mão gigantesca do demônio o agarrou pelo colarinho da camisa e o arremessou contra a parede oposta como se fosse uma bolinha de papel. Caiu aparentemente desacordado.
- Droga de interrupção, conclua o serviço velho inútil – ladrou o monstro.
Nesse momento sirenes de viaturas da Polícia Militar foram ouvidas parando em frente à casa de Raimundo Olegário, chamando a atenção de toda a vizinhança. Os policiais passaram rapidamente pelo portão de metal, entreaberto, e viram a porta da frente escancarada. Ao ouvirem os gritos de uma moça, não tiveram mais dúvidas em avançar com armas em punho.
- Maldição! – gritou Olegário – farei isso mesmo assim.
Quando mais uma vez ergueu a faca para cravá-la no pescoço de Larissa, foi empurrado por Alves que se jogou impetuosamente contra o velho, interrompendo o seu golpe final. Nisso a polícia avançava dentro da casa.
- Pagará muito caro pela sua incompetência velho idiota – disse o demônio. Enquanto se retirava virou-se e mirou Olegário encostado à parede devido o empurrão que recebeu – Longevidade, você queria? – e sumiu na escuridão de onde havia surgido.
- Nããããããõooooo! – gritou o velho sentindo as forças lhe faltarem repentinamente, como se tivessem sido sugadas.
Os demais homens encapuzados também sumiram pelas sombras seguindo o demônio.
Ao entrar no quarto e verem a jovem Larissa amarrada, Alves sangrando pela cabeça e estendido no chão e o velho Olegário com uma faca nas mãos, os policiais não demoraram a perceber a quem dar voz de prisão. Aquele que até minutos antes esboçava uma força sobre-humana, não conseguia mais falar, olhava desorientado ao redor.
Larissa e Alves foram socorridos pelos militares que chamaram uma ambulância. Já no hospital, após receberem atendimento médico, conversaram sobre o que aconteceu.
- Como você me encontrou? – ela perguntou.
- Fui a sua casa e sua mãe me disse que você tinha ido visitar o seu tio-avô. Quando entrei, vi o ambiente esquisito e ouvi seu grito, liguei para a polícia pelo meu celular, mas percebi que não poderia esperar, então tentei te salvar.
- Meu herói – disse Larissa com um fraco e sincero sorriso. Beijaram-se.
- Mas o que era aquilo? Nunca vi nada como aquela coisa que me arremessou contra a parede. Acho que jamais acreditarão na gente – disse Alves.
- Verdade. Nunca acreditarão – concluiu Larissa.
Já em uma das sujas celas da Delegacia de Polícia Civil, Olegário recebeu uma visita desagradável, das sombras emergiu o conhecido rosto de outrora. Começou a tremer quando o viu.
- Calma – disse a besta – só vim dizer que você ainda viverá por algum tempo antes de nos encontrarmos em outro lugar – falou isso com um sorriso – maravilhoso e quente – acrescentou.
Sentado em uma velha cadeira Olegário aparentava ter envelhecido 30 anos, não conseguia mais ficar em pé. Sua pele parecia querer soltar-se do corpo e ir de encontro ao chão. Estava totalmente desprovido de cabelo e sentia muitas dores por todo o corpo. Respirava com dificuldade. Com a não concretização do ritual sofreu o efeito inverso do acordado.
Olhou de forma tola enquanto o monstro desaparecia. Tudo havia dado errado, e agora pagaria um preço maior do que poderia suportar.
FIM.