O outro lado

Ouvi o barulho da freada e em seguida o de um forte impacto. Não olhei para trás, mas soube assim mesmo que alguém havia sido atropelado. Eu estava atrasada para o trabalho pela segunda vez na semana.Continuei apressada pelas ruas,e chegando no prédio onde trabalhava percebi que eu não estava cansada como sempre acontecia.Ao abrir a porta do escritório,uma colega de trabalho saiu chorando,perguntei oque era,mas ela não me ouviu e passou por mim apressada.Péssimo dia para ser ignorada.Eu estava completando vinte e cinco anos de idade. Esperando que os outros colegas tivessem lembrado e já antecipando em pensamento os agradecimentos de felicitação entrei na sala. Uma surpresa me aguardava: Não havia ninguém. Onde estava todo mundo? Não era feriado, nem nada! Desconfiada de uma brincadeira por parte deles, fui para minha mesa disposta a fingir que eu nem notara que estava sozinha na repartição. O telefone tocava toda hora, mas quando eu atendia, não falavam nada do outro lado. Estava tudo muito estranho. Trabalhava ali há mais e dez anos e nunca vi aquela calmaria. Às vezes o burburinho era tanto, que me provocava dores de cabeça. E onde estava o Maicon? Cadê o meu beijo de bom dia? Tínhamos uma espécie de amizade colorida. Ficávamos de vez enquanto. Apesar de ter sido pedida em namoro por ele diversas vezes, eu não aceitei. Estava focada em terminar minha faculdade de engenharia e não queria que nada me distraísse e me afastasse dos meus sonhos. Maicon era um homem paciente dizia que esperaria por mim, pelo tempo que fosse preciso. A ausência dele me deixou chateada.Ele era sempre o primeiro a chegar e invariavelmente quando eu chegava havia uma rosa na minha mesa.Hoje não foi diferente.A flor estava ali,mas meu cavalheiro apaixonado não. Por diversas vezes conferi o relógio, olhei pela janela aguardei que a porta se abrisse e por ela entrasse meus companheiros. O silêncio era total e logo uma grande lassidão me envolveu.

Devo ter dormido por uma hora e quando despertei, decidi voltar para casa. Se os outros podiam faltar ao trabalho, eu iria aproveitar para estudar para a prova que teria a noite. Deixei o edifício e comecei a percorrer o caminho de volta, mas ao chegar à avenida onde mais cedo, houvera o acidente, parei ao ver uma multidão observando o trabalho de policiais fazendo anotações e do medico legista. O corpo ia ser colocado em uma ambulância e agora que eu tinha tempo, resolvi me unir aos curiosos e ver quem era a pessoa que perdera a vida naquela linda manhã ensolarada. Ao chegar mais perto vi por ali o Maicon e alguns colegas de serviço. Todos traziam no rosto grande tristeza. Quem seria aquela pessoa que causara tão grande comoção? Seria da família de alguém do escritório? E por que ninguém veio falar comigo?Estavam aborrecidos com alguma coisa? Não era justo, todos sabiam que era meu aniversario! Indignada me aproximei um pouco mais e logo a realidade me atingiu com força. A moça que morrera e cujo sangue ainda escorria pela calçada, era eu. 31-05-2012