O neto do nazista

A terceira geração da família Staden se mantinha tão arrogante quanto a primeira a chegar ao país. Carlos Staden sentia profundo orgulho pelo avô, Klaus Staden. A história desse não era tão gloriosa. Após fugir da Alemanha ao final da Segunda Guerra Mundial, veio para o Brasil depois de uma rápida estadia na Argentina. Em terras tupiniquins casou-se, teve filhos e transmitiu a sua tradição Nazista pelas gerações seguintes. Serviu ao partido de Hitler, e como tenente da temida SS conduziu milhares de judeus, homossexuais, prostitutas, ciganos, dentre tantos outros considerados inferiores, à morte nos campos de concentração, onde eram assassinados nas câmaras de gás ou fuzilados.

Apesar de um criminoso de guerra, Klaus Staden viveu tranquilamente no Brasil. Manteve em sua casa um pequeno espaço secreto de adoração ao Nazismo, doutrina que jamais abandonou. A tradição de ódio foi repassada de pai para filho. Carlos Staden, seu neto, era visivelmente arrogante e não muito querido de seus colegas de trabalho na multinacional onde servia como um habilidoso linguista. Às vezes deixava passar assuntos sobre a Alemanha, e o orgulho de ser descendente daquele povo. Seu preconceito era notório entre os amigos. Ficava orgulhoso ao ver notícias sobre movimentos neonazistas e skianheads. Adorava saber sobre atentados contra os civis em Israel. Odiava as mesmas pessoas que o avô havia odiado, e sem motivo algum.

Nos últimos dias vinha duvidando da própria sanidade, achava ver sombras de pessoas muito magras e debilitadas, ouvia gritos quando andava pela rua, gemidos, pedidos de socorro, a grande maioria em alemão, idioma em que era fluente. Não chegou a consultar um médico embora a ideia tenha lhe ocorrido. Em breve conversa com seu pai, James Staden, perguntou se ele nunca duvidara de que o avô, morto há muito tempo, tenha agido corretamente. Perguntou também se acreditava que os pecados de uma pessoa poderiam atingir a sua descendência, ouviu uma risada como resposta, e reafirmação do orgulho de ser filho de um nazista, e que mal algum poderia lhes acontecer. Carlos não se sentiu reconfortado.

O certo é que seu estado de nervos não estava bom. Naquela noite, quando foi dormir, se automedicou, ingeriu um calmante. Começou a pensar que seu quarto parecia maior, sentia-se só, talvez devesse ter se casado. Oportunidades não faltaram, as mulheres o adoravam, mas ele nunca quis nada mais do que uma noite ou um relacionamento rápido. Ouve apena uma garota, Nádia, de quem realmente gostara a ponto de falar sobre o passado de sua família e do quanto se sentia orgulhoso, mas dessa vez a recusa partiu da moça. Jamais esqueceria os olhos dela, a encará-lo, expressavam repulsa, nojo. Jamais esqueceria aquele olhar.

O sono veio. De repente viu-se debaixo de uma fraca chuva em um amplo espaço cercado por arame farpado, fazia muito frio. Envergava um uniforme de tenente da SS e empunhava um fuzil. A lama sob suas botas tornavam o caminhar difícil. Ao seu lado havia muitos outros vestidos de forma semelhante, mostrando arrogância, empunhado armas, agredindo pessoas indefesas, ladrando e ouvindo ordens. À sua frente passava uma coluna com centenas de pessoas maltrapilhas, com aspecto moribundo. Eram empurradas para um galpão. Na porta estava escrito “ducha”. A expressão nos rostos mostrava que todos já sabiam que não havia chuveiro algum naquele lugar.

Acordou repentinamente, mesmo o calmante não pôde mantê-lo naquele sonho. Ao ligar a luminária viu ao redor de sua cama dezenas e mais dezenas das mesmas pessoas maltrapilhas e esfomeadas que vira no sonho. Estavam apertadas umas às outras, muito magras, usando uma roupa esfarrapada branca com listras negras na vertical. Seus rostos eram ossudos e as cabeças raspadas. A inconfundível estrela de Davi desenhada no peito atestava de quem se tratavam. Judeus. Vítimas do Holocausto.

Aquela visão era mais chocante do que todas as fotos e vídeos que tinha assistido. Um cheiro insuportável começava a dominar o quarto, era um odor nunca aspirado. Ficava cada vez mais forte, tornando difícil respirar. O cheiro envolvia a todos, mas apenas ele parecia sentir os efeitos em seu organismo. Perdeu as forças, o gás o estava matando. Pendeu na cama, imóvel, sua última visão fora os rostos marcados pelo sofrimento, os olhos sem vida. Morreu.

Como não fizera mais contato com a família, o pai decidiu procurá-lo. Após arrombar a porta da casa James farejou o odor nauseante que o corpo emana após entrar em estado de decomposição. Ao ver o filho morto, estendido na cama, braços, boca e olhos abertos, dobrou os joelhos. Uma vez lhe disseram que a morte dos milhares de inocentes do qual seu pai foi cúmplice e colaborador, seria cobrada às futuras gerações, até aquele momento jamais dera importância, mas agora acreditava, e o preço era alto. Chorou.

FIM.