Versões de um crime-continuação
Vi o carro se aproximando, sabia que tinha que me levantar se quisesse continuar viva, mas fiquei paralisada de pavor. Antes de ser atingida, pude ver o rosto do assassino. Seus olhos fixos demonstravam ódio e a determinação de matar. Sempre soube que Marcos não me amava que se casou comigo forçado pelos pais. Ao contrário de mim que sempre o amei e que inventei uma gravidez para obriga-lo a ficar comigo. Tinha a ilusão de que com o tempo, conseguisse conquista-lo, já que a gente se dava tão bem na cama! Marcos era um conquistador incorrigível, sempre envolvido com mulheres. Sabendo o quanto eu era ciumenta, ele fazia de tudo para me provocar. Foram muitas as vezes que o peguei com garotas na faculdade, e algumas diziam que ele era meu marido só no papel. O próprio Marcos espalhava que eu e ele não tínhamos uma vida sexual, que vivíamos como dois irmãos. Se não transávamos era porque eu não queria, pois por mais de uma vez durante o ato sexual, ele me chamou pelo nome de outra pessoa. Algumas vezes eu senti vontade e entrei no banheiro enquanto ele tomava banho, mas me decepcionei ao vê-lo se masturbando entregue as suas fantasias. Mancha de batom na camisa era coisa corriqueira. Seu celular tocava o tempo todo e quase sempre, eram mulheres marcando encontro. Marcos sentia prazer ao presenciar meu descontrole. Apesar de ainda o amar eu estava disposta a pedir o divorcio. Quando ele me convidou para irmos á churrascaria, aceitei esperando a oportunidade de falar na separação. Marcos estava carinhoso, falou que queria que nosso casamento desse certo. Que descobriu que gostava muito de mim e que queria que tivéssemos um filho. Feliz com sua súbita mudança me calei.
Quando o carro me atingiu pela primeira vez, fui envolvida pela escuridão. Na segunda vez eu me encontrava fora do corpo e assisti horrorizada os ossos se quebrando com o impacto. Marcos deu a partida e foi embora e eu ainda fiquei por ali me recusando a aceitar que estava morta. O dia amanheceu e um carro parou e dele desceram três rapazes. O mais velho constatando minha morte, ligou para a policia e logo fui colocada no rabecão e levada ao necrotério. Engana-se quem pensa que não há atividade naquele lugar. Milhares de desencarnados vagam comentando o motivo do seu falecimento, da vontade de continuarem vivendo e principalmente encontrando aliados para ajudar a se vingarem em caso de assassinato. Sentimento de amor por ali é raro, o ódio é o que predomina.
Quando meu corpo foi levado ao cemitério para o enterro, eu ainda estava meio atordoada. Não sabia ao certo oque fazer. Pensei até em seguir uma moça com quem fiz amizade no necrotério, para outro pais. Ela me disse que sempre sonhou em conhecer a França e que apesar de mortas, poderíamos curtir a beleza de Paris. Ela veio comigo ao sepultamento, já que seu corpo ainda passaria por uma autópsia e ia demorar ser liberado para o enterro. Havia pouca gente para se despedir de mim: Dois professores, três meninas que se diziam amigas, minha tia Oneida que sempre nutriu uma grande raiva de mim, meus sogros, meu assassino Marcos e uma jovem novata na faculdade. Foi justamente por causa dessa moça, que decidi ficar e me vingar. Percebi que ela e Marcos estavam íntimos. De mãos dadas os dois ignoravam as pessoas presentes e sorriam enlevados olhando-se nos olhos. Uma raiva muito grande me dominou. Meu marido além de me matar, tivera a audácia de levar a amante para assistir ao meu funeral. (continua) 27/05/2012