O punhal

...E na calada da noite, atribuído de imensa insônia, andava eu em “vai e vem” esperando o efeito da cápsula do sono.

Três batidas na porta como as de alguém que sempre me visitava. Antes de abri-la chamei pelo nome da esperada, mesmo sabendo que não poderia obter resposta alguma. Vi um copo com água sobre a mesa, engoli uns goles enormes que desceram quase que me afogando. Pensei em abrir a porta e ver se alguém estava com problemas, mas não seria prudente tal ação. Voltei para o meu “vai e vem” e “vem e vai” até que novamente três batidas. Com temerariedade abri abruptamente a porta e lá estava ela sentada na cadeira da varanda. Ainda que eu tentasse não poderia lhe tocar, pois era somente uma imagem sem matéria.

Senti-me estonteado. Talvez a cápsula me trouxesse o efeito desejado. Não. Eram minhas forças sendo roubadas por um ser sombrio que me atormentava. O mesmo ser que tantas vezes me sufocou com seu sentimento insano, o qual chamava de amor, estava bem a minha frente com o punhal cravado no peito olhando-me fixamente enquanto chorava lágrimas de sangue.

Encostei-me na parede tentando ficar em pé, mas enquanto meu corpo deslizava-se lentamente lembrei-me de quando já cansado de sofrer, traído e tendo que aceita-la diante de suas ameaças, chamei-a até minha casa e ouvindo as três batidas a recebi com aquele punhal.

Agora, deitado naquele piso frio, percebi que seus pés caminhavam em minha direção. Deitou-se sobre o meu corpo lentamente, enquanto retirava o punhal do peito, e encostou seus lábios gelados nos meus atrofiando-me os olhos e fazendo com que minhas lágrimas tão doídas pulassem como pedras saltitantes e estrondeantes.

Com o mesmo punhal perfurou-me o peito, enquanto ria da minha agonia, e levou-me com ela para continuar a aprisionar-me com a insanidade do seu sentimento.

Valenttina Rodrigues
Enviado por Valenttina Rodrigues em 22/05/2012
Reeditado em 21/07/2024
Código do texto: T3681891
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