A Ratazana
Sofia estava na poltrona tricotando uma blusa de lã para a sua netinha. Era uma senhora de 60 anos - gorda, pele enrugada - as enormes olheiras faziam seus grandes olhos castanhos saltarem - o lábio superior da boca era maior que o inferior, e os grandes óculos de armação quadrada adornavam o rosto bizarro da velha.
Sua família a isolava porque era cheia de manias esquisitas, desde colecionar tampinhas de refrigerantes e embalagens de leite. O porão estava cheio de quinquilharias. Logo começou a juntar lixo. A sua casa exalava mau cheiro por todo o bairro. Os vizinhos tinham medo dela. Era conhecida como a Dona Lixo. Várias vezes a polícia foi chamada para dar um jeito na situação, mas Sofia só prestava esclarecimentos de suas estranhas manias e gostos excêntricos.
Sofia cada dia mais sozinha e indignada com a intolerância dos vizinhos, sofria em prantos na sua antiga e querida cadeira de balanço. Ao chorar baixinho - como um gemidinho de bebê - ouviu uns passinhos - e foi ao porão. Ao abrir a porta ela se deparou com uma ratazana enorme e seus filhotinhos vasculhando o lixo e bebendo o leite que sobrou das caixinhas tetra pak.
O pânico percorreu sua espinha - os grossos pêlos de seus braços ficaram eriçados e suas pupilas dilataram-se. A ratazana a encarava fixamente como se quisesse uma explicação daquela invasão de território. A velha achou que fosse ter uma parada cardíaca- sentiu o coração palpitar - um leve enjoo subiu até a sua fraca garganta - as pernas cambalearam - segurou- se na lateral da estante para não desmaiar. Os filhotinhos de rato a cercaram e a começaram a picar seus inchados pés - o sangue escorria pelas grossas meias de cor bege. Tentou sair do porão - mas ao voltar-se, chocou-se com uma pilha de jornais e quase caiu - seus óculos caíram no chão e míope não conseguiu encontrá-los. Tirou a chave para trancar a porta, mas em mais um ato desesperado, a chave quebrou-se na fechadura, impossibilitando sua saída. Começou a esmurrar a porta ao mesmo tempo que era cercada por pequenos ratinhos famintos e sedentos. Cansada e com medo agachou-se no chão sujo e empoeirado e como um bebê engatinhou para achar seus óculos. Os ratinhos a seguiam como se ela fosse uma refeição a ser devorada. Tateando o chão - encostou em um objeto asqueroso e cumprido - era o rabo da ratazana preta. Ao puxá-lo a ratazana emitiu um gemido pavoroso - era um grito que mais parecia o anúncio da morte. A velha ficou frente a ratazana, esta por sua vez, estava a encará-la novamente - os pequenos olhinhos pretos agressivos - famintos - e ameaçadores - intimidaram a pobre Sófia. A ratazana abriu a boca e mostrou suas garras, os dois dentes afiados era um convite para um jantar apetitoso. Uma tremedeira assolou o corpo cansado da velha e o suor escorria como água por todos os orifícios de seu corpo. A ratazana pulou em cima de Sófia a derrubando no chão gosmento - que era um misto de excremento de rato - com poeira e restos de lixo. A ratazana deu uma violenta mordida no seu seio direito que arrancou um pedaço de carne, o sangue jorrou para fora do corpo e os ratinhos atraídos pelo cheiro foram até a refeição que o esperavam. Sófia mesmo com dor tentava lutar contra a ratazana, que estava faminta. Mas logo chegaram mais dois ratos pretos, imensos e gordos - que pareciam sair de um filme de terror - a cercaram. Enquanto a ratazana mãe devorava o tronco, os ratinhos novamente passaram a comer seus dedos dos pés e as duas outras duas ratazanas atacaram sua cabeça.
Sófia deu um estrondoso grito quando um deles arrancou sua orelha - seu sofrimento contudo chegou ao fim - quando a ratazana com suas afiadas unhas lhe deu um golpe fatal em sua jugular e esguichou sangue pelo porão, lavando o chão. A velha agonizou até o ultimo suspiro - os ratos se fartaram com a gorda e suculenta carne da velha.
Depois de três dias os vizinhos chamaram a polícia pois o cheiro de carne podre exalava pelo bairro. Quando o policial entrou no porão - levou a mão a boca de repulsa - o suco gástrico misturou-se com o recém sanduíche de queijo que acabara de comer - o conteúdo subiu imediatamente pelo esôfago até chegar a garganta e vomitou sua refeição. A cena era pavorosa - pedaços de ossos - carne putrefada - orgãos humanos estavam sendo devorados pelos ratos.
Com nojo e medo o policial saiu dali e mandou chamar uma empresa contra pragas.
As pessoas da vizinhança indagaram ao policial o que houve com Sófia - mas este simplesmente não parava de vomitar tonto e aparentemente abatido.