Lamentação de um amaldiçoado

Do quintal de sua casa olhava o céu escuro salpicado de pontos brancos. Aquela noite estava linda, como jamais estivera. Rodeada pelas estrelas a lua imperava, cheia, magnifica. Não havia expressão no rosto de Rubens, sabia que dentro de instantes iria começar, era uma infame rotina em sua vida. Lembrou-se de quando sua mão lhe contou que era amaldiçoado, não fizera 18 anos, mas ela achou que deveria ser preparado para o sofrimento futuro. Jamais teria problemas de saúde, seria robusto, forte e inteligente, sempre disposto, o mesmo não poderia ser dito de suas vítimas.

Aos 25 anos teria a primeira transformação, e daí não pararia mais. Nascera com esse mal, e era só. Seu pai havia sido antes dele, e agora carregava a sina de um demônio. Nos últimos cinco anos já havia feito muitas vítimas inocentes, pessoas que correram, lutaram, mas não conseguiram se defender, ao fim terminaram esquartejadas, servindo de pasto para saciar seu incontrolável apetite. Lamentava muito, quando mudava perdia o estado de consciência, não via as pessoas que matava, mas sempre sonhava com elas. Nunca contou quantos matou ao longo dos anos, aumentaria o sofrimento. Às vezes jurava ouvir vozes lhe chamando, imaginava para onde.

Por ser muito inteligente, pode escolher a profissão que melhor acobertaria a sua maldição, dessa forma permanecia pouco tempo nas cidades, não firmava raízes, não gerava suspeitas. Era muito bem sucedido e as mulheres se sentiam atraídas por ele, mesmo com a expressão permanentemente triste em seu rosto, talvez a sua beleza compensasse esse detalhe. Também se sentia atraído por elas e sempre que possível, gostava de dormir acompanhado, no entanto, os pesadelos o acometiam e o faziam acordar aos gritos, pedindo perdão, lamentando a sua sorte.

Enquanto olhava teve de reconhecer a beleza da lua. Quando chegava a uma nova cidade tomava o cuidado de se alojar em casas distantes, onde seu segredo permaneceria tristemente seguro. Pensou inúmeras vezes em tirar a própria vida, mas não o fez, esperava que alguém o fizesse, esperava pela libertação. Uma velha havia lhe dito que o “lobo demônio” não precisava ser mau, variava de acordo com a natureza da pessoa, então, dissesse aquilo para todos os que morreram entre suas garras e mandíbulas enquanto eram esquartejadas vivas.

Deu um passo. Aproximava-se da meia noite. Iria começar, sentiu. Descalçou os chinelos de dedo. Tirou a camiseta branca que usava. Despiu-se do curto calção preto e da cueca. Ficou em pé, nu. Era forte e robusto, e tão peludo quanto qualquer homem poderia ser.

- Sinto muito – disse alto, como se as suas futuras vítimas fossem capazes de ouvir.

A dor já lhe corroía as entranhas, sentia os músculos aumentando exponencialmente como se fossem explodir, os pelos cresciam por todo o corpo, grossos e de um cinza escuro assustador, caiu no chão, rolando, sentido dor, os ossos aumentavam de tamanho provocando estalos, a agonia era atroz. A face inchou, se contorceu e o focinho cresceu proeminente com dentes grandiosos e prontos para mastigar. Em questão de segundos deixara de ser homem para ocupar o estado intermediário de Lobisomem ou “lobo demônio”, como chamam alguns. Não sabia mais quem era. De um salto subiu o elevado muro de sua casa, estava com fome, ia à procura da caça, das presas.

- Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu – o uivo cobriu redondezas.

Saltou, e de quatro patas correu em direção às luzes da cidade. Aquela seria uma noite perigosa para sair de casa.

FIM.