Vaqueiro Fantasma
Corria a lenda de que às noites um Vaqueiro Fantasma montado em seu cavalo laçava pessoas e as arrastava pelo cerrado até não sobrar muito que puxar. Na cidadezinha de Mirante a lenda provocava arrepios, muitos divergiam de quem ou como teria sido esse vaqueiro, o que todos concordavam é que ele tinha morrido enquanto perseguia um garrote desgarrado e agora laçava quem aparecesse no seu caminho.
Nos últimos dez anos três pessoas foram encontradas mortas em meio à mata. Os crimes ocorreram em anos diferentes, mas possuíam características semelhantes. Os corpos estavam dilacerados e em estado de decomposição. A cidade nunca se recuperou das mortes, ninguém tinha dúvidas de quem tinha matado os três. Muitos afirmam ouvirem os sons de cascos de cavalo contra as pedras de paralelepípedos, outros dizem tê-lo visto ao longe. Todos dizem que aquele que pelo Vaqueiro Fantasma for laçado, será arrastado até o inferno.
- Vocês são todos uns idiotas se acreditam nesse monte de mentiras – disse Juarez, um advogado recém-chegado à cidadezinha de Mirante e que vinha conseguindo muitas causas junto aos idosos.
- Não somos! Acreditamos nisso porque é verdade, nunca encontraram o responsável pelas mortes, porque o responsável foi o Vaqueiro Fantasma! – rebateu Joaquim, dono do pequeno bar onde o grupo de amigos se reunia constantemente para jogar conversa fora.
Todos estavam sentados ao redor de uma pequena mesa de bar, de metal, posicionada na calçada do estabelecimento. Eram poucos naquela noite. Os amigos estavam em cinco.
- Besteira! – disse mais uma vez o advogado – aqueles tolos foram mortos por um assassino qualquer. Não acredito em assombração, e duvido que esse demônio exista. Não tenho medo de nada! – falou todo cheio de si.
- Não seja tão arrogante, Dr. Juarez – falou o agricultor Raimundo – nessas horas devemos recorrer ao Nosso Senhor Jesus Cristo e à Virgem Maria, que protejam a todos nós! – falou enquanto fazia o sinal da cruz no peito repleto de piedade. Era conhecido por está sempre presente nas celebrações católicas.
- Também não acredito nisso – não deixou passar o Juarez.
Todos se entreolharam.
Apesar de ser uma quarta-feira, os amigos se permitiram permanecer até mais tarde no bar, quando alguns começaram a sair já corria as 22h00. Ás 23h00 Juarez foi o último a sair. Estava a pouco mais de um mês naquela cidade, gostava dali, estava lhe rendendo um bom dinheiro, mas ria das superstições locais e da religiosidade excessiva do povo. “Gente matuta”, pensava consigo mesmo.
Como o bar ficava próximo a sua casa, não utilizou seu carro, caminhar um pouco. Enquanto voltava para casa, olhou ao redor e viu que todos já tinham se recolhido. A bonita praça em frente à Igreja Católica dava um ar acolhedor ao centro da cidadezinha. Caminhou pesadamente, sem preocupações, pensando nas causas recentes que tinha ganhado.
Cerrou as sobranceiras, olhou para trás. “Teria ouvido alguma coisa?”. Concluiu que não tinha sido nada e que estava ficando louco. “Cascos no calçamento?”, olhou mais uma vez para trás e dessa vez viu o que parecia ser um cavalo desaparecendo em uma esquina. “Malditas histórias mentirosas, me deixaram nervoso”, praguejou. Começou a caminhar mais rápido. Ia pelo meio da rua, decidiu seguir pelas calçadas. Olhou para trás, de novo e de novo. Passos rápidos.
Ao longe, abaixo de um poste de luz viu uma silhueta inconfundível. Um homem montado em cima de um cavalo.
- Mais que brincadeira é essa? – disse baixinho.
O cavalo começou a correr, veloz. O homem mostrava destreza no galope, uma mão segurava as rédeas e a outra uma corda, vinha em sua direção, avançando rapidamente, à medida que se aproximava o medo de Juarez crescia, transformando-se em pavor. Engoliu em seco. Afastou-se caminhado de lado, quase correndo, bateu na porta de uma casa.
- Deixe-me entrar!
Quando o cavalo se aproximava viu uma figura fantasmagórica, correu como se sua vida dependesse disso, e dependia. Correu, olhando para trás e vendo o fantasma chegar cada vez mais perto em cima do cavalo.
- Ahhhhhhhhhhhhhhhhh – o grito ecoou pelas ruas desertas.
Mas quando olhou novamente para trás não havia mais ninguém.
Parou para respirar, abaixou-se, pôs as mãos nos joelhos, sentia que sua pressão havia caído. Ofegava. Voltou a caminhar quase correndo, quando à esquina a figura surgiu do nada. Montado em um cavalo de pelo marrom, um homem usando gibão e chapéu de couro, olhava para Juarez fixamente, maldade emanava daqueles olhos mortos.
Seu rosto se encontrava em estado de decomposição, olhos sem pálpebras, boca sem lábios, pele seca agarrada aos ossos da face, um buraco sujo no lugar do nariz.
Juarez virou e voltou a correr, até que uma corda lhe envolveu, atando-se junto aos pés, sentiu o puxão que o derrubou. De repente estava sendo arrastado. Pedaços de roupas, sangue, pele e músculos deixavam um rastro vermelho por toda a rua de paralelepípedos.
Foi arrastado pelas ruas da cidade até entrar na mata fechada, saindo da área residencial e ganhando o Cerrado com sua mata retorcida.
A manhã seguinte começou agitada, dezenas de pessoas conversavam entre si, em grupinhos olhando o sangue no chão, em estado de aflição, ninguém duvidava de que o Vaqueiro Fantasma tinha surgido e levado Juarez, àquelas alturas todos sabiam que ele havia desaparecido. A polícia da cidade vizinha, mais equipada, foi até o local para agilizar as investigações, realizaram diligências, seguiram os rastros de sangue, nada.
Parado nos limites da rua de paralelepípedos, no ponto onde esta se encontrava com a mata, o agricultor Raimundo olhava para o sangue no chão. Virou o rosto para a esquerda e viu a trilha de terra, com plantas, galhos, folhas.
- Você não deveria ter zombado do Vaqueiro Fantasma, Juarez. Agora sabe que é verdade, mas é muito tarde para você.
Voltou para casa e nunca mais saiu à noite. O corpo do advogado foi encontrado dias depois, aos pedaços.
FIM.