Espíritos na Estrada
Lia e Carlos seguiam por uma estrada federal. Eles saíram de sua casa rumo ao centro, a fim de visitarem um amigo. Era início da noite.
Durante o percurso, em uma curva acentuada, são surpreendidos por um homem que aparece repentinamente no meio da pista. Carlos, em uma manobra inesperada, desvia-se do homem para não atropelá-lo e acaba caindo em uma ribanceira, capotando o veículo por várias vezes.
Depois de um tempo, Lia desperta dentro do carro, mas não vê seu marido ao lado. Assustada, começa a chamar por ele em meio à mata escura, julgando que o mesmo tenha caído do carro, enquanto capotavam.
Lia caminha no sentido da estrada. Chegando ao acostamento e ainda sem encontrar seu marido, Lia acena para os poucos veículos que passam pedindo ajuda. Os carros avançam e ela se sente ignorada por todos, até que uma caminhonete finalmente para. Do carro desce homem de meia idade, ao qual Lia tenta explicar sobre o acidente, pedindo ajuda para encontrar seu marido, que estaria perdido no meio do mato.
O homem desce mata adentro com Lia, mas não consegue enxergar as marcas do veículo que capotou. No local do acidente, estranhamente o veículo não está.
Lia está muito nervosa e não consegue entender tal situação.
- Vamos até a polícia, pede Lia. Talvez já tenham socorrido meu marido, disse ao homem.
De prontidão, ele aceita o pedido, e os sobem na caminhonete, seguindo para o próximo posto policial, que fica ha cerca de vinte quilômetros. No caminho, Lia continua tentando explicar o acidente, mencionando ter visto um homem no meio da pista, do qual seu marido teria desviado e assim ocorrido o acidente.
Dois quilômetros à frente, Lia grita, apontando que o mesmo homem que eles quase teriam atropelado está de pé, no meio da rodovia. O motorista também o vê, mas devido à aproximação não desvia, indo com o carro de encontro ao homem. Ao atingi-lo, o veículo simplesmente o atravessa, e o tal homem da estrada desaparece.
- É um fantasma! O senhor o viu?
- Vi sim, moça.
- Foi ele, o mesmo homem que meu marido tentou desviar. Já entendi. Deve ser um espírito que assombra a estrada, e tenta levar as pessoas ao abismo, responde Lia, com voz trêmula.
A moça então pede ao motorista, se possível, que antes de seguirem ao posto policial, faça o retorno e siga em sentido oposto, rumo à sua casa, que fica há cerca de três ou quatro quilômetros.
Sem pedir maiores explicações ou expressar dificuldades, o motorista retorna com seu carro, parando em frente à casa da moça.
De longe, ambos avistam as luzes acessas e um carro parado em frente. Estranho, pois eles não costumavam receber visitas.
Com receio de ser invasores ou ladrões dentro da casa, Lia pede ao homem que se aproxime lentamente. Ele segue e começa a observar pela janela. Lá dentro, um casal está sentado à mesa para jantar. Junto com eles, um bebê.
Lia pergunta maiores detalhes. O homem tenta explicar, mas a moça irrompe, aproximando-se da janela de vidro, para ver com os próprios olhos.
O rapaz sentado à mesa é na verdade seu marido e a mulher com ele, uma desconhecida.
Lia fica irritada com tal situação e quer entrar para tomar satisfações com seu marido, mesmo sem entender como ele teria escapado do acidente e já estar em casa, tão rapidamente.
O homem, porém a olha com um gesto de ternura e diz:
- Não, minha querida, você ainda não entendeu. Aquela agora é a esposa de seu marido. Você sabe que dia é hoje?
- Sim, eu sei. Hoje é dia três de abril de dois mil e um.
- Não, filha. Hoje é dia três de abril, mas de dois mil e oito, exatamente sete anos após o acidente que vocês sofreram. Na verdade, naquele dia Carlos se salvou do acidente, mas você não.
Por causa do espírito da estrada, lembra? Aquele homem que apareceu no meio da pista. Todos os anos, exatamente nesta data, ele aparece na pista e tenta vitimar mais pessoas, num ato de vingança, pois morreu naquele local há dezoito anos, vítima de atropelamento.
- Mas e o Carlos, meu marido? Não entendi.
- Carlos sofreu muito por te perder, mas está reconstruindo sua vida e há dois anos se casou novamente e tiveram um bebê, responde o homem, em tom paterno.
Entristecida, mas agora compreendendo tudo, Lia responde:
- Já entendi. Eu morri e Carlos sobreviveu. Há muito tempo peço ajuda aos motoristas nesta estrada, mas ninguém para. Ninguém me vê, pois estou morta. E como você me viu?
- Eu a vi porque vim busca-la, e tirá-la desse tormento. Agora nós vamos embora e Carlos seguirá seu caminho, assim como você. O fantasma da estrada também já se foi para seu lugar e não causará mais problemas. Eu pedi para que fosse embora, e descansasse em paz.
Nesse momento, Lia pega em sua mão e ambos caminham pela estrada, até desaparecerem por completo.