Você morreu numa manhã de sábado
Ai como eu sinto saudades da Aninha...
A gente se conheceu ainda nos tempos de escola. Eu usava um aparelho ortodôntico que mais parecia um capacete de astronauta. Ninguém gostava de sentar comigo na hora do recreio. Na sala de aula, eu ficava lá no fundo.
Sim, eu nunca fui lá muito atraente. Baixinho, magricela, pobre e com aquele bendito aparelho, pago por um vereador da cidade.
Um dia eu estava indo pra escola e a molecada começou a mexer comigo, jogando meus cadernos no meio da estrada. Comecei a chorar, quando a Aninha apareceu e me ajudou a recolher tudo.
Fomos conversando pra escola. Ela me entendia, me ouvia. Era uma menina doce, com aquele cabelinho preto, todo lisinho. Sempre costumava usar uma flor nos cabelos.
Quando ficamos adolescentes, tive a certeza de estar apaixonado pela Aninha. Ela ficara ainda mais bonita e com corpo de moça. Finalmente me desvencilhei daquele aparelho ridículo, e meus dentes ficaram perfeitos. Ganhei corpo mas ainda continuei de baixa estatura.
O dia que eu vi a Aninha beijando um cara da oitava série fiquei chocado. Sofri muito, até o dia que me mudei para a capital, a fim de estudar na faculdade.
Fiquei mais velho, me formei engenheiro e comecei a ganhar dinheiro, me tornando bem sucedido. Tive algumas namoradas, mas nada me fazia esquecer meu primeiro amor.
Aninha? Bem, todas as cartas que eu mandei pra ela voltaram como destinatário não localizado.
Um belo dia, passeando pelo shopping, advinham quem eu encontrei? Aninha. Ela estava linda como sempre e me reconheceu. Ficamos durante horas conversando.
Marcamos um novo encontro, e outro, e outro...começamos a namorar finalmente.
Em uma tarde de outono estávamos passeando pelo parque da cidade e sentamos em uma pedra, onde dava para ver o mar. Meio sem jeito perguntei à Aninha se ela me amava. Ela respondeu que não poderia responder àquela pergunta de imediato, mas que um dia me responderia.
Uma noite, estávamos em meu apartamento assistindo alguns filmes e pela primeira vez dormimos juntos. Foi um momento único, especial.
Na manhã seguinte Aninha desapareceu. Deixou um bilhetinho e me disse que não saberia quando e se retornaria algum dia.
Mais uma vez meu coração se partiu em mil pedaços. Mas já era um homem maduro e segui em frente. Minha vida profissional estava a cada dia melhor. Promoções, novos negócios, tudo muito bem.
Quando completei quarenta anos voltei para minha cidade natal. Tudo estava diferente e quase ninguém mais do meu tempo estava lá. Quem não havia falecido tinha se mudado para cidades maiores. Recordei minha infância e senti-me mais emocionado quando passei em frente à minha velha casa e a da Aninha.
Sentado em frente à velha varanda quase desabada ouvi o ruído de um carro se aproximando. Dele, olhem só, desceu Aninha. Ela estava diferente, mais gordinha, porém bela como sempre.
Ela correu ao meu encontro e me abraçou. Do carro desceu um menino de oito anos.
-Quero que conheça o Denis. Ele é seu filho!
Nunca imaginei que tivesse um filho, ainda mais da Aninha. Modéstia à parte, nem precisava de DNA, porque o garoto era a minha cara. Convidei Aninha para se casar comigo e vivermos juntos finalmente.
Ela aceitou e voltamos para a cidade. Nossos dias eram maravilhosos. Eu estava vivendo a melhor época de minha vida.
Um ano depois, Aninha não estava muito bem. O médico diagnosticou uma doença desconhecida, à qual consumia sua vida cada dia que passava.
Um dia Aninha não acordou. Ela morreu na nossa cama, em uma linda e ensolarada manhã de sábado.
Levei seu corpo para o interior. Comprei a velha casa que ela viveu, fiz um túmulo e lá a coloquei, para descansar embaixo da nossa árvore, aquela que ficávamos conversando até o pôr-do-sol.
Meses mais tarde, num domingo meu filho perguntou sobre sua mãe.
-Ela está no céu, meu filho, e também no seu coração.
Ele, com semblante triste começou a chorar. Eu também não me contive com aquela cena.
Na segunda de manhã ele acordou alegre, rindo à toa.
-Pai, a mamãe veio me ver. Ela disse que me ama muito. Estava bonita, usando um vestido azul e com uma flor no cabelo. Ela mandou um recado para você pai, sobre aquela pergunta que você fez a ela, em cima da pedra, lá na praia. A resposta é sim, aliás desde sempre.