SMS do Além
Como explicar uma doença na família? Meu marido durante muitos anos era viciado em cigarros e passei maus bocados quando, contra a vontade dele o internamos em uma clínica para tratar de sua dependência com o álcool.
Porém, os últimos dez anos foram marcados por intensa felicidade entre nós. Ele havia deixado a bebida e o cigarro, e conosco vivia uma vida mais que saudável. Estava o tempo todo implicando quando eu exagerava no sal do arroz ou com o excesso de refrigerantes que nossos netos tomavam. Sim, tivemos quatro filhos e sete netos, que eram nossa maior felicidade.
Em uma segunda-feira qualquer, o despertador tocou, mas ele não se levantou. Fui até ele e o chamei, mas Carlos disse que não estava se sentindo bem e que não iria trabalhar. Aquilo para mim era uma das coisas mais estranhas vindas dele, pois depois que superou os vícios nunca mais o havia visto faltar ao trabalho. Por vezes ia trabalhar resfriado, porém nunca faltava ao emprego. Percebi que era algo sério.
Levante-me e o deixei descansar um pouco. Mais tarde, Carlos me chamou, implorando que o levasse ao médico, pois não estava mais suportando aquela dor maldita. Meu marido havia me escondido tal enfermidade há pelo menos três dias, resistindo com analgésicos, até não suportar mais.
Quando chegamos ao hospital, Carlos foi levado para a emergência. Minutos mais tarde o médico me chamou para conversar.
Carlos estava com um tumor de grandes proporções no esôfago e suas chances de sobrevivência eram muito pequenas. Segundo o médico, a causa poderia estar associada aos muitos anos que ele consumiu álcool de forma exagerada e ao tabagismo. Os dez últimos anos não foram suficientes para o organismo se recuperar.
Fiquei muito abalada com tal notícia. O médico disse que poderíamos ir para casa e esperar, usando alguns remédios para amenizar seu sofrimento. Seu tempo de vida não ultrapassaria três meses.
Outra possibilidade seria uma cirurgia imediata. Tal procedimento poderia retirar o câncer e posteriormente seguir um tratamento quimioterápico, caso a cirurgia fosse um sucesso. Entretanto, esta possibilidade era muito pequena, e ele poderia morrer na mesa de operação.
Após algumas medicações pude ver o Carlos no quarto. Lá dentro, ele já começou a falar sobre a cirurgia e que iria fazê-la, estava decidido. Segundo suas próprias palavras, ele já estava condenado à morte, mas não iria se entregar tão cedo. A cirurgia foi marcada para o dia seguinte.
Na manhã de terça-feira fui ao hospital. Antes de seguir para a operação, Carlos e eu conversamos um pouco. Ele me passou algumas recomendações, caso não voltasse. Entrei em desespero e comecei a chorar. Nossa família estava toda reunida no hospital. Minha sobrinha me retirou da sala e a última palavra que Carlos me disse foi: “meu amor, vai dar tudo certo, e assim que der eu te aviso, pode ficar tranquila que eu mando um recado para você”.
Por orientação do hospital, voltamos para casa. Por volta das quatro da tarde, meu celular tocou, avisando haver uma mensagem na caixa postal. O número remetente era desconhecido.
Quando acionei a caixa de mensagens, ouvi sua voz, quase que sussurrando dizendo: “Clarice, está tudo bem, eu te amo”. Aquela mensagem me deixou muito feliz. Saí do quarto radiante, acreditando que a cirurgia tinha sido um sucesso, e de lá do quarto ele estava tão bem que conseguira me mandar um SMS.
Ao chegar na sala sorridente, vi que todos estavam sérios e em lágrimas. Fiquei sem entender e disse:
-Gente, vamos para o hospital ver o Carlos. Ele está bem, inclusive mandou-me uma mensagem no celular.
Meu filho, bastante abalado disse:
- Mãe, lamento. O papai não suportou a cirurgia. Acabaram de ligar do hospital.
Fiquei assustada, sem entender. Pela correria, deixei o celular sobre a mesinha e fomos para o hospital.
Carlos havia falecido durante a cirurgia e só me convenci quando vi seu corpo. Entrei em total desespero, assim como minha família. Acabei esquecendo do celular.
Após o enterro nem voltei para casa. Passei uma temporada na casa de minha irmã, no interior. Quando retornei para casa me lembrei do celular. Ele estava sobre a mesinha, com a bateria descarregada. Lembrei da mensagem e fui verificar. Lá estava, gravada na caixa postal. Ao revirar o atestado de óbito, a hora da morte estava: “16 horas e quarenta e cinco minutos”. A mensagem foi enviada no mesmo dia, às “16 horas e três minutos”!
Meu marido, como prometeu, me enviou a mensagem quando já estava morto. Depois de um tempo, meu filho solicitou à empresa de telefonia mais dados sobre a mensagem, como de qual lugar havia sido enviada e por qual aparelho. A resposta da operadora foi a seguinte:
“Conforme levantamento em nossos sistemas, foi comprovado que, no dia dez de março de dois mil e três foi encaminhada uma mensagem para a caixa postal do número 11 xxxx-xxxx, e a mesma se encontra armazenada em nossos servidores.
Entretanto, o número remetente e sua origem não foram identificados, pois aparentemente no momento de seu envio, este dado não foi gravado em nossos sistemas, caracterizando uma possível falha de hardware / software rara.
Colocamo-nos à disposição para maiores esclarecimentos futuros.
Sem mais
Xxxx Telefonia”
Ele me prometeu e cumpriu, avisando quando tudo estivesse bem. Estou mais conformada. Acredito que tenha sido melhor assim.