“Palumbo”

Na fazenda Três Marias, tinha gente nova.
O velho coronel Silvestre Sarraceno Moraes, havia morrido.
Assumiu seu lugar, seu filho Carlos.
Doutor Carlinhos, como todos o conheciam, desde que entrou na faculdade lá no sul.
Estava morando no Rio de Janeiro com sua jovem esposa, Dona Ana e sua filhinha Mariana de quatro anos.
Chegou à festa toda a peonada e o pessoal da casa estava reunido para dar boas vindas ao novo patrão.
Em todo este mundaréu de gente se destacava.
Dona Fernanda, senhora prendada e culta, foi a primeira professora do patrãozinho, a boca pequena dizem que é mãe dele.
O Coronel era um homem muito forte, embora já de certa idade e sua esposa mais nova, mas com saúde precária.
Parece que ela fingia não perceber as andanças noturnas do coronel e suas visitas íntimas ao quarto de empregadas, principalmente da governanta.
Chegou ao ponto de pedir moderação, para manter as aparências.
Foi recebida com rudeza, depois parou de comentar.
Simplesmente enclausurou-se até a morte.
Parece que o coronel não gostava muito da esposa, que o amava.
Para ele, foi só um casamento obrigatório. Na época devia muito para o sogro.
Foi um bom negócio, mas para ela foi o cadafalso.
Uma mocinha saída da puberdade entrou na velhice.
Nunca teve vida social, nunca teve um namorado.
Só um grão-senhor, que comandava, nunca houvera dialogo, só monologo.
Mas com as empregadas, o coronel era espirituoso.
Sempre tinha uma piadinha nova.
A cozinheira “Negra Dolores”, também foi uma de suas vítimas.
Porém seu bebê nasceu negro e isto descartou toda e qualquer possibilidade de entrar para o clã Sarraceno de Moraes.
Seu filho nunca teve nome, então para homenagear um rei negro de sua religião africana, chamou-o de ”Palumbo” o grande rei feiticeiro.
O menino era detestado por todos que sabiam sua origem.
Porém ficava orgulhoso quando a noite escondido sua mãe lhe dava as melhores comidas da casa e contava a história de seu nome.
Meu filho, Tudo que você passa agora é provação.
O destino prepara para você uma grande missão.
Nosso rei Palumbo, que brigou com as quarenta nações e ganhou todas as batalhas, não conhecia o medo e tinha mais valentia que dez negros juntos, mesmo os melhores.
Desde cedo, foi separado de sua mãe, pois não era a esposa preferida do rei e ele foi colocado para fora da tenda real, para nunca mais poder entrar nela nem para reverenciar o rei.
Sua mãe proibida de amamentá-lo dava lhe o pouco leite que lhe restava, depois de amamentar os filhos reais.
Complementava com leite de hiena e outros animais que conseguia arrebatar nas jaulas, onde o rei tinha seus animais de estimação.
Embora seu cuidado fosse grande foi descoberta e morreu por isto.
O rei menino se refugiava na floresta aprendeu a comer raízes, e tomar leite dos animais que amamentavam seus filhotes.
Ficou sutil como a serpente e o leão.
O seu físico ficou privilegiado, mais forte que o melhor dos guerreiros.
Imbatível em qualquer modalidade de luta.
Em armas era o melhor.
Reentrou para tribo como guerreiro, se tornando preferido de seu irmão o atual rei da tribo.
Com ervas, minou sua resistência até que o rei morreu assumindo então o reinado.
Muito contestado, porém ninguém em sã consciência tinha coragem de falar no conselho, pois o rei defendia pessoalmente suas querelas, diferente dos outros que tinham seu melhor guerreiro para defendê-lo.
Assim ele imperou e teve filhos e filhas. Foi temido e reverenciado por todos os povos da África.
Era chamado de Rei Feiticeiro, pois além da arte da guerra, conhecia a arte das ervas e tanto matava como curava com elas.
Outra parte que ninguém tem coragem de falar, e que o rei tinha também, ou desenvolveu, era arte da magia.
Houve reis famosos, mas Palumbo foi o maior deles.
Por medo, pois só o simples fato de falar seu nome já dá sorte ou azar.
Só falam nele agora em magia e adivinhações.
Você meu filho é descendente direto e seu tataravô nunca vai desampará-lo.
O menino gostava das histórias contadas por sua mãe e dormia em seu colo, onde sonhava com seus reinados e conquistas.
Na realidade era um peão comum e relegado por sua cor e seus modos nada servis aos serviços piores da fazenda.
Não dormia com os peões, pois seus costumes eram diferentes.
Também tinha na fazenda, o braço direito do jovem coronel, Santiago.
Pense num cara sem moral, sem vergonha, um safado.
Era ele, porém dotado de uma inteligência fora do comum, diziam se ficar olhando para uma cascavel, logo desenvolve o veneno e se morder mata.
Era o que chamamos de sobrevivente e aproveitava todas as chances para afirmar ponteira e se preciso for sacrificava a própria mãe, se já não o fizera.
Amarrou o jovem coronel deixando o de mãos atadas, pois como o pai, o rapaz tinha aqueles vícios e Santiago conhecendo tudo e todos era o pombo correio colocando à sua disposição todas as mocinhas da fazenda.
De reles empregado, passou a capataz e acho que nunca mais perderia a função.
Pelo menos por meios normais.
O tempo passou.
Estava uma bela manhã de sol.
Palumbo foi encarregado de tirar o esterco do curral.
A jovem filha do coronel, tenra idade era olhada por todos os peões, pois passeava para lá e para cá.
Tenra idade, mas com o corpo já em formação e mexia com aquelas cabeças cheias de maldade.
Lá pelas tantas, resolveu visitar o mangueiro para ver um bezerrinho recém-nascido.
Nunca imaginaria que a vaca, com cria nova, é ciumenta e tenta defender seu filhote de um possível ataque.
Passou próximo daquele vaqueiro forte, que enchia uma carriola de esterco.
Ele deu uma rápida olhada para ela e continuou seu trabalho.
Viu que ela ia brincar com o bezerrinho, mas ficou quieto não era de conversar.
Do outro lado do mangueiro a vaca dormitava.
Quando viu a moça próximo do bezerro, imediatamente se transfigurou.
Em desabalada carreira veio par proteger sua cria.
Pegaria a menina pelas costas, o resultado seria funesto.
O vaqueiro pulou na frente, jogando a de lado, tomou o golpe forte no peito.
Até que se recuperasse, os outros já invadiam o mangueiro, pondo-a a salvo.
Sem entender ela olhou para Palumbo dizendo:
-Grosso.
Foi o suficiente para a peonada agarrá-lo e amarrá-lo em um tronco próximo.
A vaca com o bezerrinho caminhou calmamente para o final do cercado.
Santiago que chegou correndo nada sabia, mas sua inteligência viu a cena toda.
O negro safado viu a bela rapariga e se salientou.
Pegou um chicote que estava em um galho de árvore e deu o castigo merecido pelo peão.
Mas pensando bem, o castigo deveria ser exemplar, pois precisava ganhar mais pontos, junto com seu patrão e amo.
O que seria uma surra virou uma barbárie.
Palumbo foi cortado como se com facas, pelos finos talos de couro do chicote.
De sua boca não saiu um gemido.
Só seus olhos se encheram de sangue.
O ódio tomou conta do rapaz.
Nesse ínterim, todos da casa saíram para assistir o espetáculo.
Com requintes de perversidade todos os peões se revezavam no castigo.
O jovem coronel quis intervir, mas também com medo, calou-se e retirou com a família.
Quando se recuperou, a moça viu o que realmente tinha acontecido e quis falar ao pai.
Tarde demais, não resistindo os ferimentos Palumbo morreu.
Por trás de todos, uma mãe chorava silenciosamente.
Pensava:
- Não se preocupe meu filho, hoje o rei voltará e cobrará caro este insulto.
Todos vão pagar por ter insultado o poderoso rei feiticeiro.
A noite estava escura parecia que um temporal se aproximava.
Ninguém se preocupou de tirar o negro do tronco.
Em seu quartinho, Dolores depois de chorar copiosamente, parou.
Em seu semblante de velhice precoce, surgiu uma expressão de ódio.
Ela que era uma negra até bonita ficou feia como a morte.
Nada mais tinha na vida só o ódio que a fazia ficar ajoelhada e pedir para seus deuses.
Está na hora de você aparecer meu deus Palumbo.
Os mortais precisam de uma lição, que só seu chicote de ouro pode dar.
Humilharam seu filho, jogaram vergonha nele, e ele é inocente da culpa que lhe impuseram.
A cor primeira é a negra, dela se originou todas as outras.
No princípio eram só as trevas e dela nos viemos, para ela voltaremos.
Mas temos que limpar a terra.
Vamos levar o mal conosco.
Com fogo em cocos cortados ao meio, ela falava e no escuro de seu minúsculo quarto apareceu uma pequena luz azulada.
Esta luz ficou forte a ponto de quase cegá-la.
-Mulher, como você sabe as palavras sagradas, para invocar o todo poderoso Palumbo?
-Aprendi com meus ancestrais, a honrá-lo e admirá-lo, meu senhor.
-Sim mulher, mas falou que fui desonrado, humilhado?
-Sim, para elogiá-lo, dei seu nome a meu filho sem pai.
-Sem pai mulher, nunca nasceu filho sem pai.
-Sim meu senhor, mas fui forçada a aceitar um homem que nunca gostei.
-Mas este homem tem poder de fazer o que os outros não querem?
-Sim meu senhor isto e muito mais.
-Então ele é um homem mau?
-Sim, mas não está mais entre nós.
-Então qual é o problema?
E ela chorando contou tudo que aconteceu.
A entidade falou:
-Se houvesse sido tomado alguma providência a respeito por este novo coronel, nada poderia ser feito.
-Mas por você ser minha filha adorada, ter me dado um filho adorado.
Exterminarei todos que estão aí, até você virá comigo para ajudar seu filho neste mundo que ele não conhece.
-Meu pai, só quem teve contato com a ofensa, tem mulheres e crianças na casa que nada tem a ver com isto.
-Mesmo na dor, você ainda tem consciência mulher.
-Então assim será feito.
Durma agora para acordar em meu reino.
Ela desmaiou, melhor morreu.
O coronel não conseguia dormir.
Levantou e foi para fora da casa.
Pegou uma faca e liberou o corpo que ainda estava no tronco.
-Perdão jovem amigo eu não sabia e nem queria este resultado.
Neste minuto o corpo de Palumbo se iluminou.
Pôs-se de pé parecia ter mais de dois metros de altura.
Suas feridas se fecharam e ele falou:
-Um dia, fostes meu irmão.
Você nem sabe, mas somos filhos do mesmo pai.
Não sei se bondade, mas agora deixo você sem conhecer minha ira, assista agora a vingança do rei Palumbo.
Com uma espada de raios na mão, deixou o coronel imobilizado e foi ao alojamento dos peões.
Quando voltou, todos o acompanhavam.
O barulho era grande.
Todo mundo ficou acordado.
Trovões, raios, porém nem uma gota d’água.
Assistiram arrepiados quando todos os peões e o capataz foram amarrados uns por cima dos outros no tronco.
Havia peões de todo jeito, até alguns que de tanto medo, tinham feito (Totô) nas calças.
O gigante negro chicoteou-os um a um.
Depois falou:
-Agora vocês lembrem-se da lição.
Tentem não fazer maldades, principalmente aos inocentes.
Estamos vigilantes e cobraremos cada agravo, cada arranhão que eles receberem.
Saiu da casa, a velha mais bonita que se viu.
Toda vestida de branco com perolas e um turbante também cheio de pedrarias.
Não caminhava, parece que flanava em nuvens.
O grande guerreiro fez-lhe uma reverência e pegou pela mão.
Os dois foram brilhando tão intensamente que todos ficaram cegos.
Depois só escuridão.
Se você tiver por aí e me ver cuidado em me maltratar.
O grande deus Palumbo cuida de mim.
Depois não reclame, tá....?


OripeMachado.






 
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 12/05/2012
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