O Fantasma da Julio Prestes
Às doze e vinte e um o último trem partiu da Estação Julio Prestes, rumo ao interior de São Paulo.
Já com as portas fechadas, a velha estação de trens encerrara seu expediente, o qual voltaria a operar quatro horas depois.
Enquanto a equipe realizava a limpeza geral, resolvi caminhar pelas dependências do antigo prédio. Como estava ali há menos de um mês havia muita coisa desconhecida.
Ao caminhar pelas voltas das portas de madeira defronte às bilheterias encontrei uma jovem, por sinal muito bonita, olhos claros, pele clara, vestida como uma enfermeira.
Aproximei-me a perguntar o que estaria fazendo no local já fechado e fora de operação. A mesma me olhou com certa surpresa, parecendo alguém que estava perdida.
Resolvi orientá-la e oferecer se não gostaria de aguardar até a abertura da estação e a chegada dos trens, pois as ruas da região não eram um bom lugar para ela ficar naquele horário.
Nos sentamos em um banco e começamos a conversar. Ela me contou que era enfermeira do Hospital das Clínicas já há muitos anos. Ouvi aquilo com certa estranheza, pois suas características físicas revelavam alguém com pouco mais de vinte anos, recém formada.
A conversa se seguiu. Disse a ela que era funcionário da Sorocabana há pouquíssimo tempo, e que tudo aquilo ainda era novo para mim.
Tal conversa estava tão boa que antes que eu percebesse, notei os seguranças seguindo às portas para reabrir a estação, e ao longe, o apito do primeiro trem da madrugada.
A beleza de tal moça havia mexido comigo, a ponto de sentir uma forte atração. Parecia que o mesmo estava acontecendo com ela. Tomado de timidez a convidei para um passeio no parque, no próximo domingo. Com um belo sorriso ela aceitou de prontidão.
Sem que eu pedisse, a mesma pegou um pedaço de papel em sua bolsa, e nele anotou um endereço, para que eu a procurasse no próximo final de semana, para passearmos no Parque do Ibirapuera. Coloquei o bilhete no bolso.
Antes de nos despedirmos, a bela garota me pediu para mostrar-lhe onde ficava o banheiro das senhoras. Educadamente, me dirigi até o corredor apontando-lhe o local.
Ansioso por falar-lhe uma última vez, fiquei no canto do corredor a aguardando voltar. Passaram-se cinco, dez minutos e ela não voltou.
Já com a estação abertas, mas com poucas pessoas, fiquei curioso e pedi para que uma das faxineiras fosse até o banheiro das senhoras observar se estava tudo bem.
Segundos depois ela voltou, dizendo-me estranhamente que não havia ninguém no local.
-Como ninguém, Maria? Eu a vi entrar e estive aqui o tempo todo.
Maria chegou a me convidar para entrar no banheiro e ver como meus próprios olhos. As estreitas janelas impossibilitavam a passagem de uma criança, imaginem de um adulto?
Aquilo ficou em minha mente por horas. Na mesma noite eu estava de folga em casa e me lembrei do bilhete. Quando abri estava escrito: "Me chamo Soraia e este é o meu endereço- R. da Consolação, 1.660.
Na manhã seguinte não contive minha curiosidade. Fui até o local e me deparei com algo inacreditável. Este endereço é o Cemitério da Consolação. Soraia foi uma enfermeira que trabalhou no Hospital das Clínicas apenas dois dias. No segundo dia de trabalho foi pegar um trem na Estação Julio Prestes. Antes de embarcar entrou no banheiro das senhoras, no qual escorregou, batendo com a cabeça no vaso, morrendo instantaneamente.
Relatos contam que a jovem sonhadora, todas as noites vai até a estação tentando voltar para casa.
Funcionários do hospital acreditam que ela ainda trabalha por lá. Quando isto aconteceu já faziam quarenta anos de sua morte.